sexta-feira, 8 de julho de 2011

Essência: Um caminho para as estrelas - Parte VI



Diante das novas descobertas todas as espaçonaves e bases dos preocupados começaram a se reunir, há muito que todos não ficavam tão próximos, reunidos tinham dimensão de um pequeno planeta, inda que já tivessem decodificado os dados sobre o que estava para ocorrer com as duas galáxias, refizeram várias vezes os cálculos e estimativas do que estava por ocorrer, essa era uma característica do mundo deles, achavam que tudo poderia se beneficiar do princípio da dúvida, mesmo quando houvesse uma certeza do que estava acontecendo.

Dessa vez todos os cálculos chegaram a resultados muito semelhantes o Universo que conheciam iria passar por transformações significativas e, não existia um local conhecido onde pudessem se refugiar enquanto essas transformações estivessem acontecendo.

Chegaram a pensar em transferir todas as suas tripulações recursos e energia para umas poucas bases e se lançarem no Universo desconhecido na busca de uma outra galáxia onde pudessem dar continuidade ao seu des-envolvimento, mas em suas projeções, por mais que economizassem recursos não seria possível escapar do campo gravitacional exercido pela galáxia.

Há muito tempo tinham achado uma forma de utilizar a energia proveniente das estrelas, havia teorias que apontavam que essa energia podia ser infinita, isso significava que duraria para sempre e o sempre nunca acaba, mas com a tecnologia de que dispunham estavam distantes de poder utilizar o potencial que as estrelas podiam fornecer.

Mais uma vez não continham a sua ansiedade o motivo de não conseguirem o potencial que as estrelas podiam lhes fornecer é que para fazer suas máquinas funcionarem não podiam usar a energia da forma que era disponível, assim faziam muitas transformações nessa fonte e, nessas transformações sempre perdiam parte significativa de energia.

Aqueles que construíram o caminho das estrelas não fizeram qualquer transformação, se alimentavam diretamente da energia que as estrelas partilhavam com eles, diferente dos preocupados esses seres partilhavam com o Universo o princípio de que na quase totalidade dos casos a melhor atitude a se tomar é justamente deixar com que as coisas fluam e, o não fazer habitualmente é a atitude mais sábia.



De acordo com os dados decodificados para seguir o caminho das estrelas bastava simplesmente seguir a rota na qual já estavam quando vieram em auxílio à base que recebeu a estranha criatura, que no momento era considerada como mais um de seus tripulantes.

Pelo que descobriram o local para o qual seguiam era tão distante que nenhum dos telescópios que haviam construído até então conseguia visualizá-lo, pelo que tinham entendido estavam se dirigindo para uma galáxia que ainda ia se formar e essa viagem perduraria por muito tempo ainda.

Novamente estavam diante de um paradoxo, como esses seres estavam propondo uma viagem tão longa se eles não viveriam o suficiente para chegar ao seu destino, muitas gerações transcorreriam até que chegassem ao seu destino, se ficassem provavelmente pereceriam com o choque das galáxias, se partissem como estava sendo sugerido, não viveriam o bastante para chegarem à sua nova morada.

Mais uma vez teriam que abrir mão, agora do resquício de controle que ainda achavam ter, como ficaram sabendo os planetas que foram levados pelo caminho das estrelas foram colocados em um tipo de hibernação, os planetas e todos que neles viviam partilhavam um sono profundo até que chegassem ao seu novo mundo.

Se seguissem o caminho das estrelas também iriam entrar em hibernação, há muito os preocupados não dormiam e com isso se desligaram do mundo dos sonhos, agora se depararam com seu maior sentimento de impotência, desde que o seu mundo se cindiu, separando-se do mundo das trilhas. Sentiam que dormindo estariam se colocando nas mãos daqueles que construíram o caminho das estrelas, cedendo a eles o controle de suas vidas.

Quando entrassem em sono profundo perceberiam que essa hipótese era totalmente enganosa, a matéria e energia da qual é constituída os sonhos é a mesma que provém das estrelas, os preocupados depois de um longo tempo voltariam a sonhar e, em seus sonhos iriam se entrelaçar e se envolver com aqueles que viviam no caminho das estrelas, não havia controle, de ninguém, eram todos parte de um mesmo Universo, infinito, vivo pulsante.

Uma a uma cada espaçonave foi desligando seus motores, quando isso ocorria um campo de luz as envolvia, enquanto lentamente adentravam o caminho das estrelas, aumentando a velocidade gradualmente, um sono contagiante começou a se espalhar entre todos os tripulantes que começaram a dormir no local onde se encontravam, à medida que começavam a dormir uma branda luz os envolvia, enquanto estivessem nesse estado não mais se des-envolveriam, se ao acordarem conseguissem se lembrar dos sonhos teriam a possibilidade de voltar a se envolver com o Universo que os rodeava, como há muito já era de conhecimento daqueles que quando houve a cisão dos mundos optaram por viver nas trilhas.

Quando a última espaçonave entrou no caminho das estrelas esse se fechou atrás deles, deixando para traz a galáxia onde os preocupados se des-envolveram.



Entre os sinônimos de vida pode-se destacar a palavra abundância, a vida sempre é generosa e sempre provê a todos com tudo que é necessário, mas quando retiramos dela mais do que precisamos invariavelmente adoecemos e a toda a cadeia da qual somos provenientes, para se viver há a implicação de envolvimento, quando algum ser começa a se des-envolver ele provoca o adoecimento de sua própria espécie e de todas que o rodeiam.

Quando os preocupados se aproximaram do auge de seu des-envolvimento o mundo em que viviam se cindiu vindo a se separar daqueles que preferiram viver nas trilhas, para manter sua tecnologia e sentimento de controle subtraiam dos mundos que conheciam materiais e energia para alimentar a eles próprios e às suas máquinas, com isso a galáxia toda estava adoecendo se esse processo continuasse desencadearia em um colapso que comprometeria toda a vida.

O que pensavam ser uma obra do acaso, o choque das galáxias, foi algo determinado pelo próprio Universo, os preocupados tinham provocado um câncer em sua própria galáxia ao dela subtraírem o que não era necessário, se esse ciclo vicioso não fosse rompido esse câncer se espalharia por todo o Universo e o levaria ao colapso.

As galáxias não estavam em rota de choque, ao contrário disso estavam em caminho à fecundação, seus núcleos se envolveriam e, a partir daí suas duas células iniciais se dividiriam em quatro, posteriormente essas quatro formariam oito novas galáxias e assim sucessivamente, esse crescimento atrairia e envolveria mais e mais galáxias.

Nessa gigantesca explosão as células cancerosas seriam queimadas e depois possibilitaria o surgimento de novas não mais adoecidas.

Aos poucos esse gigantesco corpo celeste voltaria a compor um único ser, infinito, vivo, pulsante.

Os preocupados precisavam voltar a dormir e sonhar só assim seria possível voltar a tomar contato com a sua essência, a energia e a matéria proveniente dos sonhos, que é a mesma que vem das estrelas, que foram feitas para durar para sempre, e o sempre nunca acaba.



Há muito os preocupados não sabiam mais o que era sonhar, com a supressão do sono e a extensão de suas vidas por tempo indeterminado, também tiveram a sua sexualidade reprimida, uma vez que tinham que interromper a proliferação da espécie, pois os espaços nas espaçonaves e bases eram muito reduzidos, e não viam mais a possibilidade de viverem em planetas, assim, o desejo igualmente havia sido reprimido, sem que se dessem conta, no decorrer dos séculos que se passaram.

Sem os desejos se tornaram seres essencialmente práticos, tudo para eles tinha que cumprir alguma finalidade, como suas funções reprodutoras não tinham mais sentido e precisavam ser reprimidas, igualmente reprimiram a sua sexualidade.

Inicialmente isso ocorreu pela falta de tempo, estavam sempre criando novas máquinas e tecnologias e, cada vez mais sentiam necessidade de se deslocarem para lugares mais distantes, os confins da galáxia já não bastavam a eles, assim, estavam na busca de novas tecnologias para romperem com esse limite, o qual até então não tinham conseguido.

Trabalhavam incansavelmente na busca de novas tecnologias, ampliar o tempo de vida, conhecer novos mundos, criar máquinas que executassem suas atividades, mas não se davam conta de que o trabalho para criar essas novas máquinas era muito maior e mais dispendioso do que as atividades propriamente ditas à manutenção da vida exigiam.

Igualmente à medida que conseguiam ampliar seu tempo de vida com novos medicamentos, implantes eletrônicos, mecânicos e até mesmo de origem biológica, não se davam conta de que isso os consumiam tanto que nunca tinham tempo para viver.

Com o sono que foi induzido para que pudessem viajar pelo caminho das estrelas, em direção a uma nova galáxia ainda em formação, localizada há uma distância que levariam milênios para alcançá-la, voltaram a sonhar e, com os sonhos seus desejos voltaram a aflorar.

Desejos e sonhos têm uma estreita relação, são interdependentes, se entrelaçam, a energia dos sonhos é a mesma que mantém as estrelas vivas, é essa a energia que envolveu os planetas e aqueles que habitavam as trilhas quando seguiram o caminho das estrelas, e que agora envolvia os preocupados e suas espaçonaves, agora seguindo o mesmo caminho.

É a energia dos sonhos que alimenta os desejos e a vida, para poderem voltar a viver os preocupados precisavam voltar a sonhar, não tinham se dado conta, mas na sua incansável busca de criar mais e mais máquinas eles tinham se tornado tão máquinas quanto elas. Talvez um dia se continuassem nesse caminho as máquinas iriam criar sentimentos, e assim talvez conseguissem ensinar os preocupados a voltarem a sentir também.

No mundo que inventaram os preocupados estavam esquecendo o que era sentir.



Enquanto estavam no caminho das estrelas os preocupados dormiam profundamente, experimentavam um prazer há muito esquecido em sua civilização e, enquanto dormiam sonhavam, antigas lembranças vinham à tona, lembranças do tempo em que o seu mundo ainda não havia se cindido, as trilhas eram algo perdido no passado deles.

Conseguiram lembrar que de alguma forma a tecnologia que des-envolveram em parte teve sua origem pelo fenômeno que teve início na Trilha dos Desejos, quando o dinheiro e os carros foram suprimidos da civilização que conheciam.

Sem o dinheiro e os automóveis, aliado à extinção das parasitas, tudo o que a sua espécie passou a produzir visava atender à coletividade, diferente do mundo antigo em que as parasitas sugavam praticamente tudo que a humanidade produzia.

À medida que os recursos produzidos eram destinado a todos, exponencialmente ocorreu a evolução tecnológica e os preocupados ficaram tão obcecados com esse des-envolvimento que não chegaram a se dar conta de quando o seu mundo se separou do mundo das trilhas e, agora essas lembranças vinham à tona.

Sentiram um prazer sem precedentes, algo que já não lembravam mais, sentir prazer, do tempo em que nas suas folgas iam se divertir nas trilhas, tinham esquecido daqueles que nelas viviam e não faziam idéia do que teria acontecido àquelas pessoas e lugares, suas preocupações e des-envolvimento os consumiam.

Tinham achado caminhos para viver muito tempo, não fossem os acidentes eventuais poderiam viver indeterminadamente, mas simplesmente não tinham tempo para viver.

Em seu sono os preocupados sonhavam e nos sonhos a sua energia interior se expandia, vindo a se entrelaçar com aqueles que construíram o caminho das estrelas, enquanto entrelaçados começaram a se dar conta de que esse era o caminho para se chegar às estrelas e a qualquer galáxia, pois ao utilizarem a energia dos sonhos que é a mesma que vem das estrelas conseguiam se envolver e entrelaçar.

Suas máquinas consumiam muita energia nas muitas transformações necessárias para que elas funcionassem, agora começavam a se dar conta do significado do não fazer.

No mundo antigo, quando o mundo dos preocupados ainda não tinha sido configurado, muitas vezes as pessoas gastavam tanta energia para poderem se divertir um pouco em suas folgas, quando iam passear pelas trilhas e não se davam conta de que se simplesmente deixassem de fazer muitas coisas o mundo seria constituído pelas trilhas e, assim, muito pouco teriam a fazer.

Os preocupados herdaram desses povos antigos essa doença de terem que transformar tudo à sua volta e, até então, continuavam sem se dar conta dos porquês dessas transformações.

Aqueles que habitavam as trilhas por evitarem as transformações no mundo que as rodeava aprenderam muito cedo a utilizar a energia do ambiente e das estrelas sem nelas interferirem e, assim, chegaram a elas muito antes dos preocupados.

Agora, ambos, os habitantes das trilhas que chegaram às estrelas e os preocupados, começaram a se dar conta que tinham a mesma origem, em um breve tempo possivelmente todos se entrelaçariam.



Na nova galáxia muito distante das que agora se chocavam e se entrelaçavam, a vida fervilhava, os planetas estavam entrando em órbita de suas novas estrelas e aos poucos despertavam de sua longa noite de sono.

Aqueles que habitavam as trilhas, praticamente todos no decorrer da longa viagem tinham se expandido e se envolvido com aqueles que constituíram o caminho das estrelas, os poucos que continuaram sonhando começavam a despertar e, ao acordar se sentiam prontos para também se lançarem à nova galáxia e se entrelaçarem com os demais que agora se projetavam no espaço.

Nos planetas a vida fervilhava as plantas e animais também despertavam de sua longa noite de sono, as trilhas estavam desertas uma vez que aqueles que as habitavam se projetaram às estrelas.

A antiga cidade dos preocupados estava em ruínas, não havia mais lugar para ela, grandes árvores começavam a florescer nos antigos caminhos de concreto, agora os animais podiam andar livremente nelas.

O mundo das trilhas como tinha acontecido em um passado remoto agora estava unido ao mundo das preocupações, mas ainda não havia pessoas para nele habitar, os poucos que habitavam as trilhas no momento em que acordavam de seu longo sono se envolviam com os demais que agora viajavam entre as estrelas.

A única construção que se manteve intacta no decorrer do tempo era a casa de Valkíria, agora aparentemente deserta.



As bases e espaçonaves dos preocupados, uma a uma pousaram nas proximidades da casa de Valkíria, muitas gerações tinham se passado desde que os últimos deles tinham deixado o planeta e se lançado às estrelas.

Ao despertarem de seu longo sono se levantaram e começaram a explorar o mundo à sua volta, era tudo novo, suas espaçonaves há muito tinham tido todos os seus equipamentos desligados, se fossem reativá-las demorariam algum tempo para fazer com que tudo voltasse a funcionar, mas em seus sonhos foi desperto a curiosidade de uma vez mais colocarem os pés em um planeta.

Seus sonhos diziam que o planeta no qual agora estavam caminhando era onde seus ancestrais tinham vivido.

Não estavam encontrando nada que se assemelhasse à forma de vida que tinham, as antigas cidades dos preocupados estavam em ruínas e as trilhas em volta há muito não eram utilizadas, em breve as plantas encobririam esses caminhos.

Aos poucos começaram a se aglomerar nas proximidades da casa que um dia Valkíria tinha habitado, aquela construção os estava fascinando.

Aos poucos pequenos grupos começaram a visitá-la, não tiveram dificuldades em decifrar os livros e anotações que lá encontraram estavam experimentando um novo conhecimento há muito por eles esquecido.

Pouco antes do anoitecer alguns viram, do interior da casa, através da grande janela da sala, uma pequena trilha que se iniciava o jardim da casa.

Se deixaram levar pela sensação do sonho que tiveram enquanto realizaram a grande viagem pelo caminho das estrelas e lentamente seguiram por essa trilha, estavam se sentindo atraídos por ela.

Ao anoitecer enquanto andavam pela trilha, em um ponto do céu, mais distante do que qualquer estrela, um grande brilho, quase tão intenso quanto o sol aflorava no Universo, sabiam que era o brilho de sua antiga galáxia, agora se chocando com a sua vizinha, a visão deixou claro que se ficassem não teriam tido a possibilidade de sobreviverem.

A trilha terminava em um grande gramado que circundava uma casa, quando lá chegaram aos poucos foram se aglomerando ao redor do gramado.

Na varanda da casa quatro crianças brincavam despreocupadamente, aparentemente os visitantes não estavam despertando maior interesse nelas.

Ao lado das crianças tinham alguns animais, a maioria cachorros, que dormiam tranquilamente.

Há muito os preocupados não se deparavam com uma cena de tão intensa integração como estavam vendo na Casa do Gramado, tudo parecia ocupar o lugar certo, não havia qualquer indício de preocupação em qualquer ser que naquele momento ocupava a varanda da casa.

Inclusive a própria casa, o gramado, as árvores, e claro as crianças e os bichos nitidamente se pareciam com um único ser, células de um Universo, infinito, vivo, pulsante.

Agora, compreendendo os sonhos que tiveram enquanto viajavam pelo caminho das estrelas, os preocupados sabiam que com a ajuda dessas crianças à medida que suas preocupações desaparecessem mais uma vez chegariam às estrelas, mas dessa vez sem o aparato tecnológico que no passado construíram.

Estava na hora de voltar a dormir, à medida que adormeciam, no próprio gramado, as árvores e arbustos foram se fechando ao redor deles,  envolvendo-os, para proteger os seus sonhos.

Em seus sonhos, agora sem indícios de preocupações eles se entrelaçavam e começaram a se projetar no espaço e assim se envolverem com aqueles que um dia habitaram as trilhas e construíram o caminho das estrelas...


Dedico à Marion, que está sempre ao meu lado, me estimulando, incentivando e principalmente me encantando.







quinta-feira, 7 de julho de 2011

Essência: Um caminho para as estrelas - Parte V



Nos momentos que se seguiram os demais sistemas da base foram todos restabelecidos, mas ainda que tudo estivesse em funcionamento e, sem dúvidas potencializados, os motores apesar de não apresentarem nenhum dano aparente, continuavam inoperantes.

De acordo com a engenharia isso não fazia sentido, dado o tempo que tinha passado já deveriam ter entrado no campo gravitacional de alguma estrela e, sem os motores para impulsioná-los em breve entrariam em rota de colisão com o corpo celeste que os atrairiam, mas de acordo com os sensores ainda estavam no mesmo lugar em que se encontravam quando foram atingidos pelo raio de luz, isso desafiava as leis da física até então conhecidas.

Outro aspecto sem sentido é que os indicadores de energia disponível apontavam o máximo da carga possível e, ainda que estivessem consumindo essa energia, ela não decaia, mesmo sem uma fonte que a alimentasse, que de acordo com o projeto da base era fornecida pelos motores, agora inoperantes.

As tentativas de entrar em contato com o novo “tripulante” até então tinham sido infrutíferas, não era composto de nenhum material conhecido e, nenhum dos sensores existentes conseguia detectá-lo. Os demais já estavam se acostumando com a sua presença ainda que não soubessem o que fazer com ele, começavam a se dar conta de que essa relação talvez fosse inversa, tinha surgido uma questão, o que essa criatura estaria fazendo com eles.

Em comum acordo, aqueles que ocupavam postos de comando na base decidiram não entrar em contato com as demais bases ou espaçonaves, não conseguiam explicar o que estava acontecendo e, temiam que o que lhes tinha ocorrido poderia atingir os demais, caso interferissem.

Como até então esse novo “tripulante” não tinha provocado nenhum risco aos demais em consenso decidiram não usar nenhuma forma hostil de aproximação, mas usariam tudo que lhes era possível para se comunicarem e tentar entender quais eram as suas intenções.



Quando ocorreu a tempestade solar que atingiu o mundo das preocupações, ainda que tivessem sido acometidos pela maior crise até então conhecida, dado que essa tempestade tinha provocado um colapso praticamente total nos meios de comunicação, mais uma vez os preocupados perceberam que é nas crises que surgem as grandes soluções, isso por que no mundo das preocupações as pessoas são movidas pelas próprias preocupações e, na ausência de preocupações eles entram em crise, assim surgem novas idéias que na seqüência geram novas crises e assim vivem nesse ciclo de crises e novas soluções que geram outras crises.

Nesse evento em particular quando conseguiram capturar uma pequena partícula do plasma solar e com esse descobriram uma forma até então inesgotável de energia para alimentar os seus motores, isso possibilitou a eles alcançarem as estrelas.

Parte da energia que era utilizada para movimentar os motores de suas bases espaciais e espaçonaves era desviada e transformada para alimentar os demais sistemas existentes, assim a energia de que dispunham era ilimitada, mas dependiam do funcionamento dos motores para que os demais sistemas fossem alimentados.

Os técnicos não estavam conseguindo resolver esse paradoxo, como era possível que os demais sistemas funcionassem se a fonte de energia que os alimentavam estavam inoperantes.

A única possibilidade que podiam pensar é que esse novo e estranho tripulante que agora transitava entre eles era a fonte que os estavam suprindo e, continuavam perplexos pois em suas tentativas de entenderem quem era e suas intenções ainda que pudessem vê-lo circular pela base, nenhum dos sensores de que dispunham conseguiam detectá-lo, de acordo com a tecnologia de que dispunham aquele ser não estava na base, contrariando aquilo que todos estavam vendo.

Nesse meio tempo receberam a comunicação de outras espaçonaves que detectaram os seus problemas, quando foram atingidos pelo raio de luz e, por algum tempo ficaram totalmente inoperantes, esse fenômeno tinha emitido um alerta a todos os demais que vagavam entre as estrelas. Diziam que a ajuda estava a caminho.

Preocupados sinalizaram que estavam bem e pediram que uma única espaçonave se aproximasse para o caso de necessitarem de ajuda, mas que mantivessem uma distância segura, uma vez que até então não tinham explicações sobre o que estava acontecendo, e não era prudente que outros corressem riscos.



Para os preocupados a segurança sempre foi uma questão central, o curioso é que sempre que criavam um novo sistema de segurança, havia outros preocupados que se ocupavam no sentido de  burlar essa segurança, assim, também nesse sentido viviam em um círculo vicioso, estavam sempre destinando recursos e energia para manter a segurança e sempre havia aqueles que se ocupavam para quebrar essa segurança, fazendo com que em muito pouco tempo os sistemas de segurança se tornassem obsoletos.

Ainda que tivessem alertado que tudo estivesse bem e, os sistemas da base operassem com uma eficácia até então desconhecida, acharam prudente manter uma outra espaçonave nas proximidades para garantir a segurança, mas ao mesmo tempo a uma distância segura para que não fossem afetados pelo mesmo fenômeno que os atingira, pelo menos até que tivessem um entendimento maior do que estava ocorrendo.

Em sua primeira comunicação quando a espaçonave tinha se aproximado, perguntaram à base qual era a origem da fonte do luz que os estavam rodeando, como resposta a mensagem foi de que desconheciam essa fonte de luz.

Ainda que fosse visual a luz que envolvia a base, nenhum sensor da espaçonave conseguia detectá-la.

Efetivamente estavam lidando com um fenômeno totalmente desconhecido e, no momento consideraram que o mais adequado era manter uma distância que considerassem segura, mas ambos trocariam informações no sentido de decifrar o que estava acontecendo.

Na base a estranha criatura continuava a transitar entre os seus tripulantes, aparentemente como eles agora estava buscando uma forma de comunicação.

Inesperadamente uma mensagem surgiu em todos os computadores da base e da espaçonave que tinha se aproximado: “Por favor mantenham o que chamam de motores desativados, para que seja possível auxiliá-los.”



Para todos que habitavam tanto a base quanto a espaçonave a mensagem pareceu desconexa, até onde tinham algum entendimento não estavam necessitando de qualquer auxílio, o que os estava deixando perplexos era o fenômeno que estava ocorrendo e, aparentemente este tinha sido desencadeado pela estranha criatura, que agora parecia estar emitindo a mensagem de que desejava auxiliá-los, e isso não tinha sentido.

Inicialmente por que essa criatura os tinha deixado à deriva, posteriormente ainda que tivesse influenciado em uma melhor performance de todos os sistemas, continuava a manter os motores inoperantes, oras nitidamente esse ser já tinha um entendimento da quase totalidade do funcionamento da base e, ainda assim os mantinham à deriva, sem qualquer controle em relação a um caminho a seguir.

Curiosa essa necessidade de controle que deixa impregnado aqueles que habitam o mundo das preocupações, eles praticamente não detém qualquer controle sobre o Universo que os habita, e sentem uma extrema necessidade de controlar o Universo que ocupa o seu exterior.

Talvez se um dia venham a se dar conta de que a energia e a matéria que compõe o seu Universo interior é a mesma que compõe o Universo exterior, e assim percebam que não há qualquer necessidade de controle, seja ele da espécie que for.

Provavelmente essa divisão que criaram entre os dois Universos tenha sido um dos fatores que os levaram a essa necessidade de controle, se conseguissem se sentir como um todo, como elementos que compõe esse Universo infinito, vivo, pulsante, não mais necessitem de controle e, assim, suas preocupações amenizem.

Inesperadamente receberam uma comunicação da espaçonave que se encontrava nas suas proximidades com os dizeres: “Vocês conseguiram reativar os motores?”

Ficaram perplexos e responderam negativamente, dizendo não terem entendido o por que do questionamento. Como resposta obtiveram a mensagem: “Não percebem que estão em movimento? Seus sensores não estão indicando a rota que estão seguindo? Vocês estão se movimentando lentamente, mas saíram da posição de repouso.

Todos os técnicos da base estavam centrados em fazer com que os motores voltassem a funcionar, ignorando a mensagem que receberam, provavelmente da estranha criatura e, assim, se descuidaram dos demais sistemas da base.

Não demorou para que algum técnico fosse verificar o que ocorria e assim confirmou que não mais estavam à deriva, estavam se deslocando, mas não tinham controle sobre o caminho que estavam seguindo, levaria algum tempo para que conseguissem determinar a rota que estavam seguindo, solicitaram à espaçonave que os seguissem, mas que mantivessem uma distância segura, ainda que alguns começassem a ter dúvidas sobre qual era o significado da palavra segurança.

Talvez se não destinassem tanta energia com segurança, não haveria tanto com o que se preocuparem, assim, também não haveria o por que de necessitarem daquilo que chamam de controle.

Na base à medida que perceberam que tinham perdido o controle, ainda que inicialmente a preocupação tivesse se amplificado significativamente, começaram a se ocupar para executar o que fosse necessário. À medida que se ocupavam a necessidade de controle diminuiu e consequentemente as preocupações também.



Não demorou para que conseguissem decifrar a rota que estavam seguindo, a espaçonave que os acompanhava também a decodificou quase simultaneamente, estavam indo em direção ao caminho das estrelas que unia as duas galáxias.

Ficaram perplexos, não tinha sentido, se fosse por ação gravitacional havia outros corpos celestes com maior massa nas proximidades que os atrairiam, o caminho das estrelas ainda que os fascinassem, até então tinha sido desastroso para eles, todos que tentaram seguir esse caminho foram seriamente danificados, e agora involuntariamente estavam sendo desviados para ele.

Nesse momento uma mensagem da base foi emitida a todas as outras bases e espaçonaves com os dizeres: “O equilíbrio do Universo que conhecemos está comprometido, sigam-nos pela rota que nos leva ao caminho das estrelas, caso contrário nossa existência será comprometida, mas uma vez estabelecida a rota, desliguem os motores.”

A primeira resposta que obtiveram foi da espaçonave que os acompanhava, perguntaram qual o sentido dessa ordem que estavam transmitindo aos demais, mas responderam que não estavam entendendo, não tinham enviado nenhuma ordem aos demais, estavam centrados tentando resolver o problema dos motores e agora precisavam desviar técnicos para decifrar o que os demais sistemas da base estavam fazendo.

Mais técnicos foram desviados e, assim, começaram a decifrar inúmeras alterações que tinham sido feitas nos sistemas, os motores passariam a ser uma preocupação secundária. A base aparentemente estava adquirindo vida própria e não havia motivo para que não fosse assim, ela também fazia parte desse Universo.

Emitiram uma nova mensagem a todos, pedindo que ignorassem a mensagem anterior, dizendo não entender o por que de que ela foi enviada, agora já não se moviam tão lentamente, sua velocidade aumentava gradualmente, se continuassem assim não demoraria para que os sensores pudessem mostrar o caminho das estrelas à frente.

Ainda que tivessem pedido aos demais para ignorarem a mensagem, não demorou para que outras espaçonaves dos preocupados, dado o seu funcionamento peculiar, começassem a se avizinhar na esperança de proporcionarem algum tipo de ajuda, se necessário.



Após minuciosas inspeções nos sistemas de comunicação detectaram que a primeira mensagem para que os demais os seguissem e em dado momento desligassem os motores, não tinha partido de nenhum tripulante da base e não faziam idéia de como essa mensagem pode ter sido criada e transmitida, a única explicação possível era de que tinha sido gerada pela estranha criatura que agora habitava entre eles, mas não conseguiam entender o seu propósito, pelo menos até então.

Por outro lado enquanto verificavam a procedência dessa comunicação conseguiram também decifrar parte dos arquivos que agora faziam parte de seu banco de dados, ainda descobriram um caminho que poderia levar à possibilidade de comunicação com esse novo tripulante.

O arquivo decifrado era uma decodificação de como iria ficar o Universo conhecido com o choque das galáxias que se avizinhava, se esses dados estivessem corretos todos os “preocupados” estavam correndo sério risco de entrarem em extinção, achavam que estando nos extremos da galáxia estariam seguros enquanto as galáxias se mesclavam, mas de acordo com os dados decodificados estavam enganados, aparentemente o colapso iria atingir todo o Universo que os “preocupados” conheciam.

Após análise decidiram que deveriam transmitir esses dados a todos os demais, agora se sentiam impotentes, com a tecnologia de que dispunham, mesmo utilizando a energia proveniente das estrelas não tinham como conseguir escapar do campo gravitacional exercido pela galáxia e, talvez a única alternativa possível, o Caminho das Estrelas, até então era desconhecido e suas tentativas de nele adentrar sempre foram desastrosas.

O nível de preocupação de todos aumentou sensivelmente. Os preocupados sempre tiveram dificuldades significativas em lidar com paradoxos, se os dados decodificados estivessem corretos e permanecessem na galáxia seriam destruídos e, as tentativas até então de adentrarem no caminho das estrelas pelo que conheciam poderia levá-los à destruição.

Frente a essa situação sentiram-se impotentes, logo sem controle, não conseguiam perceber que muitas vezes o não fazer pode ser a melhor solução.



Os preocupados sempre tiveram uma necessidade significativa de ter controle sobre os ambiente que os rodeavam em parte essa necessidade era proveniente de sua incapacidade de ter controle sobre o Universo que vivia dentro deles próprios, assim tentavam compensar essa deficiência criando artifícios para controlar o mundo que os rodeava, por outro lado sempre que se deparavam com algum paradoxo se davam conta de que não tinham qualquer controle seja de seus Universos interiores ou daquele que os rodeava, com isso deparavam com a própria impotência, o que ampliava ainda mais o seu nível de preocupações.

Eles tinham total incapacidade de percepção no sentido de que muitas vezes o mais importante a se fazer é justamente o não fazer, com a decodificação dos arquivos que foram inseridos pela estranha criatura que eles achavam estar controlando a base, ainda que isso nunca chegou a ser a intenção daquele ser, ficaram sabendo que o seu planeta de origem, há muito  deixado atrás pela sua ânsia de chegar às estrelas, já tinha seguido o caminho das estrelas, assim como todos os demais dotados de vida que pertenciam às duas galáxias em rota de colisão, no momento esses planetas estavam adormecidos indo para uma galáxia nova, em formação, em um local muito distante, onde não sofreriam nenhuma ameaça com o choque das galáxias que se avizinhava.

Com a interpretação dos dados perceberam que suas naves que anteriormente tentaram seguir o caminho das estrelas praticamente foram destruídas, por utilizarem seus motores na tentativa de direcionar os caminhos a serem seguidos, na realidade o que chamavam de caminho das estrelas era composto por seres vivos, iguais àquele que no momento tentava se comunicar com eles, que agora estava sendo considerado um novo tripulante na base.

O caminho das estrelas foi construído por esses seres para que toda a vida existente nas duas galáxias pudessem ser levadas para um lugar distante e não se extinguissem quando o choque ocorresse.

Aqueles que constituíam o caminho das estrelas eram compostos dos mesmos materiais e energia que compõem os sonhos, mas os preocupados, com toda a sua tecnologia tinham achado caminhos para que não mais precisassem dormir e, assim, consequentemente, também não mais sonhavam, dessa forma para se comunicar, acharam uma forma de adentrar os bancos de dados dos preocupados com a intenção de sinalizar o que iria acontecer nas duas galáxias e propiciar a sua fuga para um local onde pudessem dar continuidade à sua existência.



Ainda entre os dados que decodificaram ficaram sabendo que em breve o caminho das estrelas seria fechado, os seres que constituíam o caminho das estrelas também não podiam permanecer nas proximidades das duas galáxias em rota de colisão, se fossem seguir as sugestões daquele ser que agora habitava os bancos de dados e os demais sistemas da base, tinham pouco tempo para reunir todas as bases e espaçonaves que tinham, pelos dados de que dispunham se não fossem seguir as sugestões, seu novo tripulante os deixaria, devolvendo o que chamam de controle de seus motores e seguiria sozinho o caminho das estrelas e, esse, se fecharia por traz dele definitivamente.

Essência: Um caminho para as estrelas - Parte IV



Os diálogos entre as pessoas estavam se tornando raros, os mais novos praticamente não conversavam mais, normalmente a presença ou um simples olhar já continham todos os significados necessários, não havia um entendimento ainda do que estava ocorrendo, mas aos poucos parecia que a comunicação não estava mais necessitando das falas.

Somos movidos pelos sentimentos, primeiro as pessoas sentem e só depois transformam esses sentimentos em atitudes e, as palavras não deixam de ser um tipo de atitude.

À medida que os sentimentos ocupavam partes mais significativas do psiquismo, menos as pessoas necessitavam das palavras para se comunicarem.

Esse evento se potencializava especialmente durante a noite, enquanto apreciavam o brilho das estrelas e, especialmente nos sonhos que ocorriam durante o sono.

Havia alguma relação entre o brilho dos céus que agora atingia o alto das árvores e essa comunicação que estava ocorrendo com todos, inclusive os seres inanimados.

As pessoas não mais sentiam a necessidade de ficarem mudando de vilarejos para conhecerem novas formas de ser, sentir e agir, quando habitavam o mundo dos sonhos um número maior de seres ficavam conectados, quando isso ocorria a energia entre eles se ampliavam significativamente e, a partir de um determinado potencial essa energia escapava, e seguia o caminho formado pelo corredor de estrelas.

Não era só a população que estava diminuindo, nesse ritual aqueles que se encontravam conectados é que seguiam o caminho formado pelas estrelas e, alguns ficavam ao redor do planeta esses estavam criando um campo de força em seu redor moldando-o, para que nele a vida proliferasse, independente o grande evento que estava por vir.



Quando à noite ficavam apreciando as luzes do céu as pessoas tinham o hábito de ficarem muito próximas, umas às outras, nesse ritual era comum outros seres também se aproximarem e partilharem os mesmos espaços que as pessoas.

Olhando-se de longe todos: pessoas, animais, plantas e mesmo as pedras pareciam ser um só integrados, somos todos, quer os seres animados ou inanimados, poeira de estrelas, a energia e a matéria da qual somos compostos é a mesma que compõe as estrelas.

À medida que o grau de integração entre os seres se ampliava, mais as luzes provenientes das estrelas se aproximava deles, formando um campo de luz que envolvia todo o planeta.

A vida não é um componente individual de cada ser, nenhum ser desse planeta poderia sobreviver não fosse a vida que prolifera do próprio planeta e do Universo, não somos seres isolados, destacados dos demais, somos parte de um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante.

No mundo antigo, quando as trilhas ainda estavam ligadas ao mundo das preocupações, à medida que as pessoas arrancavam das entranhas das Terra a sua essência, o planeta estava adoecendo e, junto com ele todos os seres igualmente adoeciam.

Não tivesse ocorrido a ruptura entre o mundo das preocupações e o mundo das trilhas, o planeta acabaria por adoecer até que viesse a sucumbir.

Para que conseguissem sobreviver as pessoas no mundo das preocupações usaram a sua tecnologia para se lançarem às estrelas, assim conseguiram subtrair de outros mundos a essência para alimentar seu mundo repleto de tecnologias, máquinas e concreto, mas ainda que tomassem cuidados para preservar o que os rodeava, para não repetirem o mau que as parasitas tinham produzido ao próprio mundo que habitavam, ainda assim estavam espalhando a doença que estava presente neles, na medida em que a maior parte do que subtraiam dos mundos servia mais para alimentar a própria tecnologia que eles criaram do que a eles propriamente ditos.

Um aprendizado que tinha se tornado muito claro no mundo das trilhas é que muitas vezes a sabedoria reside justamente no não fazer, esse era um saber incompreensível para aqueles que viviam  no mundo das preocupações.



O planeta estava por adormecer, por muito tempo ia deixar de ver a luz do sol, lentamente começou a sair de sua órbita em direção ao caminho formado pelas estrelas, tinha chegado o seu tempo.

Todos: as plantas, os animais e as poucas pessoas que não se transformaram em luz iram passar por uma longa noite de sono, após uma brisa fria que percorreu todo o planeta.

Aqueles que eram dotados de animação se juntaram em pequenos grupos para partilharem o próprio calor, os arbustos e as árvores se fecharam, envolvendo os pequenos grupos de seres que dormiam.

A luz que envolvia o planeta passava suavemente pelos galhos das árvores e iluminava  brandamente a face daqueles que com sono adormeciam profundamente.

Todos precisavam de longos e coloridos sonhos, a viagem que fariam necessitava que estivessem em estado de inanição, transbordando sua vida no mundo que pertencia aos sonhos.

A luz que os envolvia carinhosamente fornecia a energia necessária para que o sonho perdurasse por milênios, da contagem de tempo que aqueles que habitavam o mundo das preocupações conheciam, há muito aqueles que viviam nas trilhas tinham deixado de se ocuparem com essa contagem, tinham coisas mais importantes a serem feitas.

O planeta iniciava sua longa viagem lentamente, precisa aumentar a sua velocidade gradualmente, para que sua estrutura e essência não fossem comprometidos.

Depois de um ano de viagem o sol que desde o início de sua existência tinha proporcionado a luz e energia necessária à manutenção da magia da vida, no horizonte se parecia com uma estrela de grandes proporções, sua luz já não era suficiente para iluminar a face o planeta.

A branda luz que o envolvia era proveniente daqueles que à noite se projetaram ao espaço enquanto apreciavam as estrelas no céu, mas que optaram por ficar envolvendo o planeta para garantir a energia necessária à manutenção de sua vida.

Aqueles que se projetaram aos céus seguindo o caminho das estrelas estavam à procura de um lugar, sinalizando o caminho para aqueles que envolviam e transportavam o planeta, onde pudessem se fixar para novamente proliferarem a vida.

Aumentando gradualmente a velocidade seguiam em direção ao centro da galáxia quando já em velocidade muito superior à da luz se lançariam no buraco negro através do qual poderiam ser projetados a uma galáxia que ainda estava para se formar e encontrar uma estrela semelhante ao sol que pudesse gentilmente fornecer sua luz e energia para que esse planeta vivo proliferasse a sua essência: a vida.



Quando o planeta se encontrava nos limites em que seu sol ainda exercia atração sobre ele, sutis transformações começaram a se suceder em todo o sistema do qual fazia parte.

As órbitas de todos os astros que compunham o sistema se alterava à medida que o planeta se afastava, muitos desses astros, todos sem vida exerciam um equilíbrio a todo o sistema que fora quebrado. 

Outros planetas de outros sistemas também estavam sendo transportados através do caminho formado pelas estrelas, seguiam um caminho semelhante ao qual o mundo das trilhas estava inserido, eram os planetas das duas galáxias que estavam em rota de colisão providos de vida, as transformações pelas quais as galáxias estavam passando provocariam a extinção de muitas formas de vida que nelas proliferavam, assim esses planetas estavam sendo levados a locais distantes, uma nova galáxia com atividades menos intensas, que não comprometessem a magia da vida que nelas se espalhavam.

Um novo mundo estava surgindo com o choque das galáxias, isso faria com que a vida fervilhasse em patamares não antes imaginado.

Cada planeta que saia de sua órbita carregando a preciosa vida que neles fervilhavam, provocavam transformações em seus sistemas que como conseqüência estavam acelerando o encontro das duas galáxias.

O campo gravitacional que unia os centros das galáxias formaram um túnel por onde esses planetas poderiam escapar para extremos distantes do Universo, onde sua vida continuaria evoluindo.

Entre os primeiros que se projetaram às estrelas alguns preferiram não seguir naquele momento o caminho formado pelas estrelas, esses estavam à busca de outros que tinham chegado às estrelas ainda em sua forma material, que não sobreviveriam quando o choque ocorresse.



Uma fila de planetas em estado de hibernação seguia o caminho formado pelas estrelas, envoltos por uma branda luz com energia o suficiente para manter a sua estrutura e protegê-los, enquanto seus habitantes estivessem em sono profundo.

Ainda que aparentemente todos estivessem com sua vida em estado inerte, o psiquismo daqueles que ficaram na superfície dos planetas mantendo seu estado material fervilhava através dos sonhos.

É nos sonhos que esses encontravam a energia que mantinha a sua vida, a energia que vinha das estrelas, é nos sonhos que eles podiam tomar contato com a sua própria essência.

Aqueles que nos sonhos se entrelaçaram conseguiam energia suficiente para se projetarem até as estrelas viviam agora em um estado intermediário entre o sono e o sonho, como se sonhassem acordados.

É nos sonhos que os desejos vêm à tona, trazendo a essência que mantém a vida à tona, a matéria e a energia presente nos sonhos é alimentada pela energia proveniente das estrelas. Somos todos poeira de estrelas.

Valkíria, Franz, os irmãos de Valkíria, a casa que Valkíria habitou quando ainda viviam no mundo das preocupações, a Casa do Gramado, e tudo que as envolviam foram os primeiros a se projetarem ao espaço quando o mundo das preocupações e o mundo das trilhas ainda não tinham cindido.

Quando as galáxias entraram em rota de colisão a energia proveniente do centro delas fez com que o mundo das preocupações se separasse do mundo das trilhas, criando um túnel no espaço tempo pelo qual Valkíria e tudo que com ela estava envolto se projetassem ao espaço iluminando o caminho a ser seguido para preservar a preciosa vida.

Aqueles que habitavam o mundo das preocupações achavam que retirando o que Universo produzia conseguiriam energia e tecnologia suficiente para sobreviverem no espaço e até se lançarem para além das galáxias caso elas se tornassem extremamente instáveis.

Assim construíam naves e bases cada vez maiores, mas estavam tão obcecados pelas suas tecnologias que não mais dormiam, tinham achado caminhos  nos quais o sono podia ser evitado.

Só que assim também não mais sonhavam e, cada vez mais se afastavam de sua própria essência. Havia uma limitação física eram filhos da própria galáxia, assim não havia a possibilidade de escaparem de seu campo gravitacional e energético.

Enquanto não se voltassem à sua essência não haveria a possibilidade  de encontrarem os caminhos de fuga das galáxias que se chocariam e, assim seriam reintegrados às estrelas sem a possibilidade de darem continuidade ao seu processo de evolução em uma nova galáxia que estava em processo de formação.

A essência é o próprio Universo do qual somos parte.



Aqueles que habitavam o mundo das preocupações praticamente tinham deixado seu planeta de origem deserto, eles estavam habitando suas muitas bases espalhadas pelas galáxia, ou estavam vagando em suas espaçonaves.

Tinham localizado vários planetas que poderiam sustentar a vida, mas em nenhum deles tinham encontrado vida semelhante a eles próprios, começavam a ter a impressão de que eram únicos no Universo, ou pelo menos na galáxia.

Há muito já tinham percebido que a galáxia que habitavam estava em rota de colisão com a sua vizinha, maior em quantidade de estrelas e mais extensa.

Esperavam por mudanças significativas no espaço em que viviam, mas ainda não tinham noção da dimensão dessas transformações.

Perceberam que muitos dos sistemas solares que conheciam estavam entrando com colapso, à medida que o caminho formado pelas estrelas unindo as galáxias se tornava mais brilhante.

Com a sua tecnologia tinham conseguido chegar aos confins da galáxia, mas não conseguiam ir além dela, achavam que assim distante conseguiriam estar seguros, o que amenizava as suas preocupações, mas estavam enganados.

À medida que os sistemas solares entravam em colapso, a velocidade de aproximação das galáxias aumentava, isso levou-os à decisão de levar suas bases e espaçonaves aos extremos da galáxia, abandonando as regiões que acreditavam estar sujeitas a maiores tempestades.

Nesse sentido os poucos que ainda viviam no planeta começaram a se instalar nas bases e espaçonaves para a longa jornada que os aguardavam.

Achavam que tinham que se afastar do caminho formado pelas estrelas, até então todas as espaçonaves que tinham se aproximado desse caminho tinham sido severamente danificadas.

Lá o campo gravitacional é muito intenso, ao mesmo tempo que tinham grande curiosidade em entender e seguir esse caminho, tentavam com seus próprios recursos e resistiam ao seu campo gravitacional, pois preocupavam-se com o desconhecido e, isso sempre acabava por danificar suas espaçonaves.

Aqueles que habitavam o mundo das preocupações tinham sérias dificuldades em entender que muitas vezes o não fazer as coisas era a alternativa mais sábia, se simplesmente se permitissem deslizar pelo caminho das estrelas nada aconteceria às suas espaçonaves.

Quando a primeira de suas bases começava a se deslocar para uma das extremidades da galáxia, um pequeno raio de luz proveniente do caminho das estrelas se projetou a ela, deixando-a inerte, vagando no espaço.



Na ponte de comando, sem sucessos tentavam obter relatórios sobre o que estava acontecendo, era uma característica do mundo das preocupações, tudo tinha que ser relatado, ainda que muitas vezes parte significativa desses relatórios nunca eram lidos.

No mundo das preocupações, à medida que as preocupações aumentavam mais e mais relatórios eram feitos e, a cada dia se tornavam mais técnicos, o que implicava em cada vez mais formarem especialistas que pudessem traduzir os termos técnicos para que as demais pessoas pudessem entender o que os relatórios diziam.

Como os computadores não estavam funcionando e, há muito o uso de papéis tinha sido abdicado, as informações de que dispunham tinham que ser transmitidas verbalmente, isso dificultava em muito para que essas informações chegassem à ponte de comando, uma vez que os dados sempre eram técnicos demais e em quantidades muito maiores do que aqueles que as traduziam para uma linguagem que pudessem ser entendidas, fossem retidas em suas memórias.

Uma coisa era certa e de conhecimento de todos que habitavam a base, com os sistemas inoperantes, tinham só umas poucas horas de vida, até que o ar se tornasse irrespirável.

Outra dificuldade é que dispunham de umas poucas lanternas para poderem iluminar os caminhos, estavam mergulhados em uma profunda escuridão.

Quando estavam decididos a começar a destinar a sua tripulação para as unidades de sobrevivência, pequenas cápsulas que seriam lançadas ao espaço em busca de um planeta que pudesse sustentar a vida, enquanto permaneciam em estado de hibernação, o sistema vital, responsável pela sustentação da vida na base começou a dar sinais de voltar à operacionalidade.

Só que até então ninguém tinha noção nem dos problemas que estavam ocorrendo na base e nem do que tinha provocado o colapso.

O último registro que tinham, era de um pequeno raio de luz, proveniente do caminho formado pelas estrelas, que unia os centros das galáxias, os tinha atingido.

O importante é que ao menos no momento não tinha mais a necessidade de abandonarem a base, pelo menos por enquanto a manutenção da vida na base estava garantida, ainda que os demais sistemas continuassem inoperantes.



Nesse momento, com o perigo eminente da manutenção da vida aparentemente solucionado a prioridade agora era restabelecer pelo menos a comunicação interna.

Não demorou para que os técnicos percebessem que se os sistemas de manutenção da vida estavam funcionando é por que havia energia na base, mas a energia que a base consumia era obtida dos motores e esses continuavam inoperantes, assim não tinha sentido, a única explicação que justificava é que a energia que estava mantendo o sistema vital vinha do exterior da base, e isso não tinha sentido, ao menos pelo que até então era conhecido.

Ainda que não conseguissem explicações sobre o que estava acontecendo, a energia que estava alimentando o sistema vital era excedente, assim, conseguiram desviar parte dessa energia excedente para os sistemas de comunicação e, ainda tinham o suficiente para iluminar ao menos parcialmente a base, por precaução estavam usando só que era essencial, não sabiam nem quanto nem a procedência da energia que os estava suprindo.

Ainda impotentes, pois mesmo com as comunicações e alguma iluminação, não conseguiam fazer os motores funcionarem, mas aos poucos conseguiam progressos, pois tinham a possibilidade de fazer com que os sistemas de dados da base voltassem à operacionalidade, mas tinham receio, uma vez que esses sistemas consumiam muita energia, assim restabeleceram apenas uma parte dele.

A primeira coisa que buscaram foi tentar entender o que os levou à situação de inoperabilidade, o último registro de que dispunham era de um raio de luz proveniente do caminho das estrelas os tinham atingido, esse raio tinha atravessado o campo de força que envolvia a base como se ele não existisse e, ainda que não tivesse provocado nenhum dano aparente, tinha deixado a base à deriva.

À medida que restabeleciam a base de dados percebiam que algo não fazia sentido, a capacidade de armazenar informações tinha sida aumentada a patamares jamais imaginados, mas estava praticamente tudo ocupado e, estavam tendo dificuldades em interpretar esses dados que surgiram aparentemente do nada.

A única explicação possível é que o raio de luz que os tinha atingido estava dentro dessa base de dados.

Os técnicos dessa área da engenharia da base trabalhavam incessantemente, precisavam fazer os motores voltarem a funcionar e, assim, retomarem o seu comando.

Inesperadamente um raio de luz se projetou de um dos computadores e se materializou na frente dos técnicos, tinha a forma humana, mas parecia transparente, irradiava uma branda luz e começou a interagir com todos os sistemas da base, nesse momento praticamente ignorava as pessoas que ali trabalhavam, só desviava delas quando estavam em seu caminho, aos poucos todos os sistemas da base foram restabelecidos exceto os motores.

O comandante foi chamado e em poucos minutos estava em frente a esse novo “tripulante”.

Curiosa essa hierarquia e sentido de propriedade que as pessoas do mundo das preocupações necessitam e, o sentimento de impotência que os atingem quando se sentem desprovidos do poder que a hierarquia e a posse enganosamente lhes proporciona.

Ao chegar à engenharia o comandante se dirigiu à forma luminosa com aparência humana, perguntando quem era e quem o tinha mandado para lá, exigindo que lhe fosse restabelecido a sua base, mas foi ignorado como todos os demais.

Esse novo “tripulante” continuou a interagir com os sistemas da base, um dos técnicos interrompeu o capitão dizendo que os sistemas estavam sendo restabelecidos e, aparentemente com uma eficácia até então desconhecida.