sábado, 31 de março de 2012

Indagações de Valkíria.




Em sua percepção Valkíria passou por um curto período de sua existência na companhia dos preocupados e, ainda que tivesse grande dificuldade em compreender o modo de vida deles, conseguiu deixar uma herança significativa, especialmente àqueles que tinham a possibilidade de enxergar os sonhos como algo significativo em suas vidas.

Valkíria, seus irmão e Franz tinham uma percepção diferente daquilo que os preocupados denominavam de sonhos, quando esteve entre eles aqueles que se denominavam de adultos aparentemente não davam importância aos sonhos, na época parece que só as crianças conseguiam atribuir algum significado a eles.

Essa divisão Valkíria também não chegou a compreender, por que os preocupados tinham essa preocupação em classificar: crianças, bebes, adolescentes, adultos, idosos... Isso tudo não tinha qualquer significado para ela, seria tudo tão mais simples se todos fossem considerados pelo que são, ou seja, pessoas, com suas qualidades e falhas.

Os preocupados sempre destinaram muito de seu tempo para classificar as coisas e, curiosamente pouco ou nada faziam com as classificações que eles mesmos inventavam, mas isso ocupava parte significativa do tempo deles, tempo esse que sistematicamente se queixavam que não tinham.

Para Valkíria essas classificações eram simplesmente desprovidas de significados, por que ficar classificando essas coisas, se no fim somos partes de um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante. Sistematicamente os preocupados ficavam inventando classificações e nunca conseguiam incluir tudo o que descobriam nessas classificações, por que estavam sempre surgindo coisas novas, Valkíria não compreendia por que os preocupados simplesmente não se davam conta da infinitude do Universo, se percebessem isso notariam que muito do que faziam simplesmente era desprovido de significados.

O tempo era outra coisa que a deixava indignada, porque os preocupados se queixavam tanto da falta de tempo e sempre estavam criando rotinas sem qualquer finalidade aparentemente só para tomar-lhes o tempo do qual reclamavam não ter. 

Valkíria, seus irmãos, Franz, a Casa do Gramado, tinham sido constituídos da matéria e energia que se desprendeu a grande estrela azul, a mais brilhante, mesmo nessa pequena parte do Universo que vieram a habitar continuavam a fazer parte do todo, onde o tempo e o espaço estão sempre mesclados.

Valkíria sabia que um dia caminharia junto com Franz, de mãos dadas, até o infinito, onde o espaço se encontra com o tempo e, na mesma proporção que o espaço deles é infinito, o tempo também o é, no Universo do qual são parte, espaço é tempo e o tempo é espaço.

Como não se perdem em contagens e classificações desprovidas de significados, Valkíria e Franz não chegaram a conhecer a falta de tempo e espaço que os preocupados continuamente se queixavam.

sábado, 24 de março de 2012

Essência e Envolvimento.




Valkíria tinha total liberdade para transitar entre a Casa do Gramado e o mundo dos preocupados e, se desejasse, com o dispêndio de um pouco de energia poderia chegar a lugares mais distantes, qualquer um que estivesse nos limites de onde os telescópios mais potentes que os preocupados criaram pudessem observar.

Mas durante o tempo que habitou esse mundo só caminhou para o mundo dos preocupados uma única vez, e nessa, teve a percepção de os ter conhecido dentro dos limites necessários.

Quando esteve entre eles a tecnologia de que dispunham era bastante rudimentar e, não percebiam que se integrassem ao mundo que os rodeava teriam tudo o que fosse necessário, mas já naquela época, como provavelmente em toda a sua existência, os preocupados não se viam como partes desse mundo e, dificilmente um dia chegariam a conclusão de serem partes de alguma coisa, pois não se viam nem como partes de si próprios. 

Como não se viam como um todo, parece que sempre estava faltando algo neles próprios, e insanamente buscavam essas partes que faltavam no Universo que habitava fora deles.

Nessa breve visita, na percepção de Valkíria, mas uma vida longa na contagem dos preocupados, ela sentiu que em um dia, não muito distante, os preocupados atingiriam as estrelas, provavelmente chegariam a conhecer outros mundos, havia até a possibilidade de difundirem o modo de vida de eles serem a outras civilizações, mas infelizmente tinham pouca, ou nenhuma possibilidade de internalizar outras formas de ser, naquela época todo o Universo para os preocupados, não passava de lugares a serem colonizados e explorados.

Ainda que tivessem grande possibilidade de se desenvolverem em um ritmo bastante acelerado, praticamente era impossível a eles se envolverem, eles tinham esse conceito discriminado nos dicionários e enciclopédias que criaram em sua história de vida, mas para eles não passava um conceito, racionalizado. Envolvimento até então, era um sentimento do qual os preocupados não tinham potencial para sentir.

Quando algum deles se aproximavam desse sentimento, eram muito mau vistos, muitas vezes chegaram a ser banidos do mundo deles, envolvimento era um sentimento que não fazia parte da existência que conheciam.

Na ocasião em que habitou o mundo dos preocupados, em um breve contato com Franz, ainda que separados por um lapso de tempo, conseguiram construir uma pequena entrada no jardim da casa que Valkíria viveu, para que uns poucos que tivessem a possibilidade de se envolver, pudessem seguir o caminho das trilhas.

Em sua visita Valkíria sentiu que um dia os preocupados conseguiriam desenvolver tecnologia o suficiente para chegar às estrelas, mas isso em nada os aproximariam do que buscavam.

Curioso é que possivelmente o que procuravam, sempre esteve acessível a eles e, já na época que esteve entre os preocupados, a maioria já podia ver esse objeto que faltava a eles todas as manhãs, enquanto faziam a sua higiene, mas para poderem perceber isso, a idéia de envolvimento descrita em seus dicionários teria que vir a ser um sentimento.


domingo, 18 de março de 2012

Essência.



Valkíria não chegou a conhecer aquilo que os preocupados denominaram de sonhos, nem tampouco experimentou o sentimento que eles chamavam de preocupação.


Aqueles que viviam na Casa do Gramado pouco necessitavam do sono, o que desfrutavam à noite era muito diferente dessa necessidade dos preocupados.

Quando viveu entre os preocupados seu corpo necessitava de descanso, como os demais, mas não chegava propriamente a dormir.

À noite quando se reuniam na varanda: Valkíria, os irmãos, os seres que habitavam as redondezas e muitas vezes Franz, inclusive as árvores, o gramado, a Casa... Todos ficavam em um tipo de transe, mesmo quando as nuvens cobriam o céu, a grande estrela azul brilhava para eles, ela riscava no horizonte, um longo caminho pelo qual um dia todos eles seguiriam.

A Casa do Gramado é um lugar que está localizado em um lapso de tempo, denota um elo de ligação, a essência entre as partes que se desprenderam da grande estrela e ela própria.

Valkíria inda que decorrido muito tempo, na contagem dos preocupados, conseguiu sentir o fragmento que se distanciou dela e de seus irmãos quando chegaram a esse planeta, mas para ela esse espaço de tempo não tinha representação maior.

Para aqueles que habitam as estrelas o antes pode estar acontecendo agora e às vezes o depois já aconteceu, ainda, em outras situações o antes, o agora e o depois acontecem simultaneamente.

Já Franz, enquanto esteve nesse planeta, permaneceu entre os preocupados a maior parte de seu tempo, vindo assim a adquirir parte significativa de seus hábitos.

Valkíria não teve dificuldades maiores em achar Franz e eles conseguiram muitas vezes construírem elos que os ligassem, a grande estrela azul sempre proporcionou a eles a energia necessária para encontrarem esses elos.

Na convivência entre eles sempre ficou muito claro que faziam parte da mesma essência, mas a cisão ocorrida em um tempo muito remoto, na contagem dos preocupados, deixou-os com a memória fragmentada e, ainda, Franz em sua vida, no outro lado da trilha, constituiu pensamentos e sentimentos que se misturaram à parte fragmentada que trouxe da grande estrela azul.

Sempre que estavam juntos, Valkíria, Franz e tudo que está contido na Casa do Gramado, partilhavam um sentimento de completude, sentiam-se entrelaçados, envolvidos, em especial à noite, quando viviam em uma espécie de transe, enquanto apreciavam a grande estrela azul, que brilhava fortemente entre as folhas das grandes árvores, para eles, quando juntos, chegava até a ofuscar o brilho da lua.

Franz e Valkíria sentiam a ligação entre A Casa do Gramado e a estrela deles, mas só em estado de transe, Franz na companhia de Valkíria percebiam a necessidade de complementar seus pensamentos e sentimentos e que isso tinha uma estreita ligação com a grande estrela, que em conjunto com a Casa guardava mistérios que só junto com Valkíria conseguiriam desvendar.

sábado, 17 de março de 2012

Inquietações de Franz.




Muitas vezes quando Franz caminhava pela trilha tinha a impressão de estar sendo observado e, no decorrer de sua vida muitas vezes teve essa percepção, também, não muito raro, chegou a ouvir e até a conversar com outras pessoas sobre o que sentia.

Essa sensação não era apenas uma peculiaridade da trilha, às vezes também ocorria em outros lugares, porém lá esse sentimento se torna mais intenso, mas diferente de outros lugares em que ocorre um certo incomodo diante dessa percepção, na trilha o que ocorre é um certo conforto, não a impressão de se estar sendo observado e sim de que se está acompanhado.

Em seu convívio com Valkíria gradualmente Franz notou que a vida fervilha à nossa volta em intensidade muito maior do que até então imaginava.

Como cresceu transitando entre o mundo dos preocupados e a Casa do Gramado Franz internalizou que o tempo tem suas peculiaridades e não se desenvolve em uma linha reta como os preocupados imaginam, ainda que raramente pensam sobre isso, alias, se pensassem logo perceberiam que há algo estranho em sua percepção.

Quando criança, muitas vezes Franz ficava dias seguidos na companhia de Valkíria, seus irmãos, a Casa, o Gramado, as Árvores..., mas quando retornava ao mundo dos preocupados notava que apenas algumas horas tinham se passado.

Outras vezes sequer saia de sua casa, mas ao olhar para a parede do local onde dormia, gradualmente via uma varanda se formar onde não havia nem uma janela e além dessa varanda se formava um bosque com muitas árvores e entre elas, a trilha, que levava à Casa do Gramado.

Invariavelmente adentrava por essa trilha em um local que no mundo dos preocupados deveria estar a rua de terra batida e outras casas de sua vizinhança, e por lá também ficava por alguns dias, mas quando alguma coisa o despertava e olhava à sua volta notava que só tinham transcorridos alguns instantes.

Quando estava na escola Franz aprendeu com muita facilidade a lidar com os relógios, diferente de outras crianças que tinham dificuldades em lidar com o tempo, dificuldade essa, que em muitos persiste mesmo quando já usam a denominação de adultos.

Essa era uma questão mais complexa para Franz, não conseguia compreender por que as crianças eram tratadas de forma diferente dos mais crescidos e esses daqueles que chamavam de adultos.

Esses últimos, por demais complicavam questões e atribuíam dimensões às coisas, que muitas vezes eram insignificantes.

E os mais crescidos tinham tanta pressa em deixar de ser pequenos que acabavam por esquecer a fase em que estavam vivendo, para que logo fossem considerados adultos e, quando isso ocorria ficavam se lamentando, por pouco ou nada terem aproveitado de suas fases de crianças e adolescentes.

Seria tão mais simples se percebessem que dentro dos adolescentes está contida uma criança e, no adulto não deixam de estar a criança e o adolescente.

A facilidade de Franz em lidar com os relógios estava relacionada, com a sensação de envolvimento na qual estava inserido na Casa do Gramado.

Como deveria ocorrer com muitas outras coisas, inclusive as pessoas, o tempo também envolve, e não se desenvolve como muitos preocupados imaginam.

O tempo presente, tem contido em si, tudo o que já passou, assim como o que virá, não deixa de ser uma simples conseqüência do que está acontecendo nesse momento. Passado, presente e futuro, estão sempre envolvidos e ocorrem simultaneamente.

A Casa do Gramado é um lugar onde o antes pode estar acontecendo agora, e o depois já aconteceu, a trilha está lá ligando todos esses lugares, que são muitos, mas a trilha é uma só, para aqueles que como Franz e Valkíria aprenderam que o mapa dela se encontra no coração.



domingo, 11 de março de 2012

O Tempo.



O tempo tem características peculiares, o antes pode estar acontecendo agora, e muitas vezes o depois já aconteceu.

Transcorreram praticamente duas décadas do momento em que em um sonho Franz se mudou do mundo dos preocupados para a Casa do Gramado e, em todo esse tempo seus sonhos ficaram adormecidos.

Já para Valkíria esse tempo não passou de alguns instantes, enquanto Franz em seu sonho se dirigia à Casa do Gramado, Valkíria seguiu em sentido oposto para o mundo dos preocupados, onde viveu toda uma geração, uma vida longa na perspectiva deles.

Inda que a Trilha fosse estreita, eles não se encontraram no caminho, estavam separados por um lapso de tempo, quase um século antes de Franz vir a nascer.

O tempo sempre foi uma questão fundamental para os preocupados, eles sempre ficavam à procura dele,  dedicavam tanto esforço para tê-lo e quando se davam conta ele se esvaia entre os seus dedos.

Muitos passavam a vida toda se espelhando em um tempo que já passou, enquanto outro tanto deles se norteavam nas possibilidades do que viria a ser e, sem perceberem a única possibilidade que tinham de vida, o momento presente, lhes escapava.

Para Valkíria essa questão do tempo sempre foi irrelevante, na Casa do Gramado, muitas vezes, o antes, o agora e o depois ocorrem simultaneamente e, habitualmente ela observava todos esses tempos na varanda, enquanto aproveitava a companhia dos irmãos, o aconchego da casa, o envolvimento que o gramado proporcionava, e as árvores, que à noite embalava o sono deles, protegendo-os.

Quando seguiu pela trilha, Valkíria tinha ido à procura de Franz, mas o lapso de tempo fez com que momentaneamente ela se esquecesse de seu propósito.

Já Franz ainda que circulasse entre o mundo dos preocupados e a Casa do Gramado, ainda não tinha noção de que se tratava de mundos diferentes, com seus familiares ele se sentia deslocado, diferente de quando estava com Valkíria e tudo que a rodeava.

Ainda criança eles já sentiam serem constituídos da mesma essência, mesma energia e matéria. Eles tinham vindo da mesma estrela.

Em uma outra época, em um tempo futuro, a grande estrela azul que brilhava todas as noites na frente da varanda da Casa do Gramado, muitas vezes até mais brilhante que a lua, mesmo que esta era cheia, estreitaria o lapso de tempo que os separava.

À medida que aumentava o envolvimento entre Valkíria e Franz, esse lapso de tempo pouco os separava, nos sonhos deles habitualmente o antes, o agora e o depois ocorriam simultaneamente.


sábado, 10 de março de 2012

A Trilha.




As trilhas são locais permeados pela magia e por encantos, elas ligam dois mundos, mas trazem em si um Universo particular para aqueles que conseguem reconhecer os seus segredos.

Quando criança Franz andava pela trilha toda vez que desejava ir à Casa do Gramado, ou quando sentisse necessidade de retornar ao mundo dos preocupados.

A extensão da trilha sempre era proporcional à necessidade de tempo que ele tinha para refletir sobre sua vida e a daqueles que o rodeavam, fosse de Valkíria e seus irmãos ou de seus familiares.

Quando criança viveu um dilema, seu desejo era viver com Valkíria, mas a sombra da preocupação o assolava, pois para isso tinha que deixar aqueles com quem convivia no outro mundo.

Certa vez ele se sentiu adoecido e, em uma manhã em que se sentia entristecido, sem ânimo para brincar, ficou observando longamente a mãe e quando essa percebeu o acolheu e, sentindo que não era o momento propício para outras atividades, ela o levou à sua cama e deixou que dormisse até mais tarde.

Nessa manhã Franz pôde aproveitar um longo sonho, viu a trilha se desenhar na parede do local onde dormia e lentamente a adentrou e, conforme andava as árvores e arbustos se fechavam por traz dele. Foi a caminhada mais longa que até então tinha feito pela trilha.

Ao se aproximar da Casa do Gramado, notou que a bifurcação, ainda que houvesse resquícios dela, também estava tomada por árvores e grandes arbustos, impossibilitando efetivamente o seu acesso.

Ele sabia que no caminho da bifurcação havia algo de muito significativo para a sua vida, de Valkíria e de seus irmãos, mas também percebeu que esse não era o momento de seguir esse caminho, se um dia esse dia chegasse a bifurcação estaria aberta e, não haveria qualquer sombra seja em seu coração ou no de Valkíria e seus irmãos.

Nesse momento lembrou-se do visível desespero presente nos olhos da irmã de Valkíria, quando um dia quis adentrar esse caminho.

Os sonhos têm uma característica curiosa, eles devem ter uma estreita ligação com trilhas, à medida que caminhava lentamente todas preocupações existentes no coração de Franz foram se apagando, deixando do mundo dos preocupados apenas resquícios de lembranças, principalmente aquelas ligadas aos laços afetivos que lá efetivou.

Quando acordou, sentiu o cheiro de café que vinha da cozinha, mas não era o café da manhã, já era bem tarde, logo anoiteceria. Ficou totalmente desperto quando a mãe entrou no local onde dormia, trazendo o café e um bom pedaço de bolo de milho.

Foi a primeira vez que se deparou com a mãe e ela não ficou falando sem parar, só se olharam nos olhos, como habitualmente fazia com Valkíria.

Ao sair a mãe só pronunciou uma pequena frase: “Acho que hoje você pode ir dormir mais tarde.”

Na seqüência Franz foi dar um pequeno passeio pelo quintal da casa em que morava, andou lentamente querendo reconhecer cada pequeno espaço, achava estranho como eles acumulavam objetos, brinquedos, mesmo sendo muito pobres tinham muitas coisas, ainda que essas, pouca, e na maioria das vezes não tinham qualquer finalidade e, era habitual ouvir alguém se queixar da falta de alguma coisa.

A Casa do Gramado veio mais uma vez à sua mente, lá não havia quase nada, mas sempre tinham tudo o que era necessário.

É até provável que Franz continuasse a sonhar com a Casa do Gramado, Valkíria e tudo que havia naquele mundo de sonhos, mas esses não mais vieram habitar a sua consciência, como também não se recordava de qualquer outro sonho com maiores significados, até que se tornou adulto, quando começou a visitar uma outra casa na qual veio a conhecer uma jovem, mas essa sempre estava do outro lado da janela.

Foi quando Franz voltou a se recordar de seus sonhos.

domingo, 4 de março de 2012

Magia e Encantos.




Quando criança ao caminhar pela trilha habitualmente Franz se deparava com seres que habitavam a floresta que o envolvia, esses sempre se confundiam com a paisagem, gostavam de ficar nas partes mais altas das árvores.

Pareciam ser seres tímidos, dificilmente podiam ser vistos uma segunda vez, quando percebiam que tinham sido descobertos em um piscar de olhos se camuflavam entre as folhas e ficavam em total silêncio.

Eles gostavam de observar aqueles que caminhavam pela trilha, mas frente à possibilidade de serem vistos ou tocados, invariavelmente desapareciam, eles tinham grande facilidade em se confundirem com arbustos, folhas e até mesmo entre os galhos das árvores.

Quando estava entre os preocupados era comum ouvir histórias sobre esses seres, havia até livros sobre eles, a sua mãe, e outros que se consideravam adultos algumas vezes liam essas histórias para que Franz conseguisse dormir e ter bons sonhos.

Curioso que esses adultos, ainda que nunca comentassem, invariavelmente não eram bons atores, era tão nítida a descrença deles nas histórias que contavam, mas ainda assim sentia prazer em ouvi-las, sabia que muitas delas tinham sido distorcidas pela percepção daqueles que liam para que ele fosse dormir, mas em nenhum momento sentiu que deveria falar algo sobre isso com os adultos.

Muitas vezes Franz sentiu a necessidade de comentar com os adultos ou até mesmo com outras crianças sobre esses seres que comumente ele via na trilha, mas de alguma forma ele sabia que nem as crianças e muito menos os adultos tinham a possibilidade de compreender o que ele tinha a dizer. Franz sentia que aqueles que conhecia no mundo dos preocupados dificilmente conseguiriam um dia sequer perceber a existência da trilha.

Ainda que pouco falasse com Valkíria, pois na maioria das vezes a simples presença, um olhar trocado com ela já dizia tudo que era necessário, quando ainda estava na trilha caminhando em direção à Casa do Gramado se deparou com um desses seres, com o qual trocou um longo olhar e queria falar com ela sobre esses que habitavam a trilha.

Tinha resolvido conversar no final da tarde, próximo ao anoitecer, quando habitualmente ficavam na varanda apreciando a Lua e a Grande Estrela Azul, mas nesse dia, tão logo os irmãos menores de Valkíria dormiram, aquele ser com que se encontrou quando estava caminhando pela trilha, veio fazer companhia a eles.

Ao olhar nos olhos de Valkíria, Franz sentiu que nenhuma palavra se fazia necessária, entre eles os sentimentos sempre trouxeram mais significados do que as palavras podem transmitir.

sábado, 3 de março de 2012

Casa do Gramado - Peculiaridades.



Entre as peculiaridades da Casa do Gramado é que diferente das existentes no mundo dos preocupados, lá os muros nunca foram necessários, ainda que fosse cercada por grandes árvores, essas em nenhum momento impediam a passagem seja daqueles que desejassem conhecer esse mundo de sonhos, ou daqueles que por lá estivessem e por algum motivo sentissem a necessidade de andar por outros lugares.

A trilha para se chegar ou sair é sempre única, ainda que essa apresente inúmeros desenhos, ela sempre é traçada pelo desejo daquele que por ela caminha, não há como se perder, só há uma única trilha, que se encontra intimamente ligada ao coração e desejos daqueles que por ela resolvem caminhar.

Ainda criança, quando Franz caminhava ora entre os preocupados e outras vezes pela trilha que levava à Casa de Valkíria, se sentia intrigado com essa diferença.

As casas dos preocupados eram sempre cercadas, a maioria nessa fase de sua vida por cercas de madeira e outras tantas com arames farpados que cercavam seus terrenos, já a Casa do Gramado só dispunha das grandes árvores que a circundavam, e à noite ficavam tão próximas à varanda que se esticasse os braços, podia tocar com as mãos pequenas ramificações e as folhas delas.

À noite, parece que elas ficavam tão próximas para diminuir a luminosidade da lua e da grande estrela azul, que no início da noite iluminava intensamente a varanda, mas à medida que chegava a hora de sonhar lentamente elas se aproximavam filtrando a luz e não deixando que a brisa da noite os deixassem com frio e interrompesse o sono deles.

Ainda essas árvores durante o sono de Franz, Valkíria e seus irmãos quase que os embalava como longos braços que ali estavam para acarinhá-los.

Em sua infância ainda, Franz começou a conhecer casas com muros lá no mundo dos preocupados, mas essas eram consideradas como propriedades de uns poucos que no sentido dos preocupados dispunham de posses maiores, mas para ele isso era muito estranho, que relação podia ter entre os muros e as posses dessas pessoas.

Já Valkíria só veio conhecer casas com muros em sua adolescência, quando por muitas vezes pôde ver Franz desenhando em seus jardins, mas naquele momento estavam separados por um lapso de tempo.

Como Franz, Valkíria também não compreendia o motivo dos muros, mas na época ela não participava desses assuntos que eram exclusividade daqueles que se consideravam adultos.

Essa era uma outra peculiaridade do mundo dos preocupados, eles tinham delimitações que consideravam claras que com outros muros separavam as crianças, dos adolescentes e esses dos que se achavam adultos.

No mundo de Valkíria e Franz essa delimitações nunca fizeram qualquer sentido, talvez houvesse uma relação entre os muros que delimitam as casas e aqueles que separam as pessoas.

Franz e Valkíria nunca deixaram de ser crianças, nem adolescentes, mas também não deixavam de ser adultos e, assim, entre eles nunca houve delimitações das atividades que pertencem a cada fase de suas existências, podiam brincar como crianças, serem apaixonados como adolescentes, bem como amarem-se como adultos, tudo simultaneamente, sem delimitações.

A Casa do Gramado não precisa de muros.