sábado, 28 de abril de 2012

O Vazio.




Quando a noite atinge o seu ápice a grande estrela azul brilha no ponto central de quem a observa na varanda da Casa do Gramado, nesse momento a casa está sempre envolta pelas grandes árvores, que deixam uma pequena fresta por onde a luz azul ilumina intensamente aqueles que aparentemente dormem profundamente.

Nos demais pontos ao redor a densa folhagem das árvores e arbustos projetam a sua sombra, da luz proveniente da lua e das demais estrelas que brilham no céu.

Entre aqueles em estado de transe que ocupam a varanda e a grande estrela azul nesse momento só há o grande vazio escuro, do qual também é composto o Universo, que cede pequenas partes de sua essência para compor aqueles que com ele estão entrelaçados.

O vazio entre a varanda e a grande estrela azul é o elemento que une as essências daqueles que habitam a Casa do Gramado e tudo que a compõe: a própria casa, o gramado, as árvores, a trilha, Valkíria, seus irmãos, Franz, e todos os seres encantados que com eles partilham aquele espaço mágico.

É através do vazio que Valkíria, Franz e os demais conseguem chegar à essência que os compõe.

Valkíria por estar envolta à Casa do Gramado, só em uma ocasião conheceu a angústia que enganosamente os preocupados a associavam com o vazio, que denominavam de existencial e, ainda que não tivesse chegado a conhecer esse sentimento ela o percebia nos preocupados quando viveu entre eles, na casa em que havia a grande janela da sala, defronte ao jardim, onde em um pequeno sofá ela costumava ler. E por inúmeras vezes pôde ver Franz fazendo esboços dessa casa, quando estava no jardim, mas nessa ocasião estavam separados por um breve lapso de tempo.

Já Franz conheceu a angústia no tempo que perdurou a sua infância do momento em que deixou de freqüentar a Casa do Gramado, até a sua idade adulta, quando mais uma vez encontrou a trilha, que dava acesso a ela. A partir do momento que reencontrou a trilha Franz começou a internalizar que o vazio pouco ou nada tinha a ver com o sentimento de angústia, tão presentes nos preocupados.

O vazio é tão somente o espaço que nos leva à nossa essência, já a angústia se centra na recusa em se tomar contato com a própria essência.

Valkíria, quando em contato com os preocupados, por mais que tenha estudado, não conseguiu compreender o sentimento de angústia presente neles, vindo a adoecer por causa desse contato, e quando o corpo que habitava deixou de sustentar aquela vida, ela deixou legado para que posteriormente Franz pudesse dar continuidade ao que ela começou, e voltou para a Casa do Gramado.

Já Franz conviveu com a doença provocada pela angústia no tempo que perdurou a sua infância até a idade adulta, quando reencontrou a trilha.

Quando tomou contato com o legado de Valkíria veio a compreender a diferença entre a angústia e o vazio.

Agora junto a Valkíria todas as noites eles habitam esse vazio, entre a varanda e a grande estrela azul, que os une à sua essência.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O Encontro.




- Olhe para além da parede...


Franz já estava quase dormindo, e a frase ressoou claramente em seus ouvidos, caminhou por seu pequeno apartamento e sentiu que ele estava deserto.

Tão deserto como o vazio que sentia no mundo dos preocupados.

Como era hábito sentia uma leve insônia, foi até a janela e apreciou a rua deserta, sentia um certo prazer em ver a rua deserta, o que raramente acontecia.

Não havia nada a fazer, percebeu que mais uma vez teria dificuldades em dormir, mas apagou a luz e voltou para a cama, quando ainda estava sentado, mais uma vez a frase ressoou claramente em seus ouvidos.


- Olhe para além da parede...


Dessa vez Franz permaneceu sentado na cama, ajeitou o travesseiro e se encostou na parede atrás da cabeceira da cama, meio que em transe ficou olhando para a parede do lado oposto, envolvido pela escuridão que tomava conta de seu quarto.

Lentamente uma luz branda azulada começou a iluminar a parede que Franz fitava.

Aos poucos nas leves texturas e imperfeições da parede, aos olhos de Franz foi se desenhando uma pequena varanda, que em sua infância tinha sido muito familiar.

Além da varanda, uma densa floresta ocultava uma pequena entrada, uma tênue trilha, cujo caminho se desenhava ao sabor do desejo daquele que tivesse a percepção de que ela ali estava.

Sem sair da cama, Franz sentiu estar flutuando, se expandindo, até a beirada da varanda. A floresta à frente estava totalmente fechada, as grandes árvores pareciam não deixar qualquer espaço para uma abertura, por menor que fosse.

Na beira da varanda, Franz via uma criança, um menino, com cinco ou seis anos de idade, caminhando lentamente junto às grandes árvores, parecia estar procurando algo.

Achou a cena muito familiar, recordou sua infância, suas caminhadas pela trilha, a Casa do Gramado, Valkíria e seus irmãos, sentiu saudades e desejou uma vez mais estar naquele mundo de encantos.

Enquanto refletia aquele momento, achava estar em um sonho, ainda que se sentisse totalmente desperto.

Em breve descobriria que suas saudades não tinham um lugar para habitar, tudo o que pertencia à Casa do Gramado era composto da mesma essência, tudo que lá existia tinha se originado no mesmo lugar.

Pouco acima das grandes árvores, a luz da grande Estrela Azul, iluminava agora o ponto central formado pelas grandes árvores da densa floresta, onde Franz notou que o menino que observa adentrou, ele sentiu que ali se encontrava, naquele momento a entrada da pequena trilha.

Lentamente a luz do amanhecer começou a adentrar o pequeno quarto de Franz, além da parede ainda que tênue podia ver leves traços do que imaginou ser uma varanda e, além dela, manchas que insinuavam ser grandes árvores.

Ainda em estado de transe uma vez mais ouviu a mesma voz, só um pouco mais distante.


- Eu te encontrei.

domingo, 15 de abril de 2012

Entardecer.




- Você está em nossa casa?

- Sim estou.

- Pode me fazer um favor?

- Diz, será um prazer.

- Pode ir até a janela, gostaria que me mostrasse as montanhas azuis, deixe-me vê-las, através de seus olhos.

- Vamos juntos, de mãos dadas, mesmo quando estamos dentro de casa, vamos ficar abraçados, pela cintura, apreciando o horizonte, olhando nos olhos, lendo os pensamentos.

- Logo irá anoitecer, podemos ficar na varanda, esperando a grande estrela azul surgir entre as montanhas.



Assim que Valkíria e Franz se sentaram e começaram a se balançar na cadeira da varanda, o sol já estava desaparecendo  atrás da Casa do Gramado, deixando o horizonte repleto de tons vermelho-alaranjados.

Em frente à casa, defronte à varanda onde eles descansavam o céu já estava tomado de um azul escuro, anunciando a noite que se aproximava rapidamente.

Primeiro os arbustos e na seqüência as grandes árvores aos poucos foram tomando conta de todo o gramado que envolvia a Casa do Gramado, deixando uma pequena abertura, uma fresta, em frente à porta da casa, ao lado da cadeira onde Franz e Valkíria, em estado de transe esperavam pela noite que se avizinhava.

Quando o céu estava totalmente escuro só uns poucos raios de luar conseguiam atravessar a densa folhagem das grandes árvores vindo a iluminar brandamente a face deles.

Os dois cachorros que habitualmente brincavam com eles, um pequeno de pelos longos e brancos e o outro maior de tonalidades cinza-escuro e preto vieram se deitar junto a Franz e Valkíria na varanda, não demorou e outros seres cheios de encanto que habitam as trilhas também vieram fazer companhia.

Se alguém pudesse olhar de longe pela pequena abertura deixada pelas grandes árvores, seria possível ver uma luz quase tão brilhante quanto a lua, quando ela está cheia, proveniente da varanda da Casa do Gramado, mas a abertura não foi deixada para essa finalidade, ela estava lá para que a luz da grande estrela azul pudesse adentrar a varanda.

Assim que a grande estrela surgiu entre as montanhas e sua luz começou a adentrar a pequena abertura deixada pelas árvores, Franz e Valkíria começaram a flutuar em frente à casa, lentamente foram assumindo posições cada vez mais altas, agora já podiam ver todo o redor da Casa do Gramado, estavam pouco acima das grandes árvores e, além da casa viam claramente a entrada da trilha, que no momento ligava a casa ao centro das montanhas azuis, agora totalmente imersas na escuridão da noite.

Aos poucos foram assumindo posições cada vez mais altas, além  das montanhas já podiam ver pequenas luzes brilhando brandamente das cidades situadas nas redondezas.

Pouco mais e já era possível ver a luz do sol iluminando a outra face do planeta, não fosse a energia da grande estrela azul já estariam congelados e sem ar para respirar, mas para aqueles que são movidos pela luz das estrelas isso não é importante, esses podem ir a qualquer lugar, até onde o espaço se encontra com o tempo.

Já fora do planeta imersos em seu transe se desenhava o caminho das estrelas, unindo a Casa do Gramado à grande estrela azul, que nesse momento alimentava Valkíria e Franz, que assim permaneceram apreciando a sua estrela.



Em seu pequeno apartamento Franz despertou, ainda faltavam alguns momentos para amanhecer, mas ao olhar para o relógio, seus ponteiros estavam parados, entre um instante e o seu predecessor.

Levantou-se para olhar pela janela, estranhou o silêncio total, onde morava sempre tinha algum movimento, mesmo durante a madrugada, mas nesse momento tudo estava parado, a rua estava totalmente deserta.

Desejou ver o céu, mas os prédios ao seu redor só deixavam livre algumas frestas.

Permaneceu por um longo tempo olhando a janela e a rara ausência de movimento que vinha da rua.

Sentiu naquele momento estar sendo procurado, e desejou intensamente ser encontrado.

Franz estava se questionando sobre o que estava fazendo, desejou voltar para a cama e sonhar, mas estava totalmente desperto, fitou por alguns instantes o relógio que estava parado, não emitia nem tic-tac que estava tão habituado a ouvir e, no momento seguinte o ponteiro dos segundos voltou a se movimentar.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A Trilha.


Ao entrar na atmosfera do planeta, muito antes de os preocupados virem a habitá-lo, Franz se desprendeu de Valkíria e seus irmãos, naquele momento a grande Estrela Azul despendeu parte de sua energia para evitar que Franz escapasse do campo gravitacional da Terra e desaparecesse na imensidão do Universo vindo a dificultar substancialmente o reencontro deles.

Foi nesse momento que a trilha se desenhou, deixando um elo de ligação, no tempo e no espaço, propiciando assim a Valkíria em algum momento reencontrar Franz, que estaria a sua espera.

Durante muito tempo Valkíria habitou a Casa do Gramado, à noite, na varanda sonhava acordada com o momento em que poderia caminhar pelo caminho de estrelas que se desenhava no horizonte em direção à grande Estrela Azul, mas faltava energia para que ela e os irmãos pudessem se desprender do campo gravitacional do planeta, pelo menos na forma que adquiriram para habitar esse planeta.

Já Franz, ainda que habitasse o mesmo planeta, estava distante da Casa do Gramado e separado de Valkíria por um lapso de tempo. A convivência com os preocupados e a distância de Valkíria, fez com que Franz “esquecesse” a sua origem, ainda, no local e tempo que habitava praticamente estava impossibilitado de visualizar a grande Estrela Azul, que poderia ativar as memórias que o ligavam à sua essência.

Franz sempre sentiu que não pertencia ao mundo dos preocupados, ao menos na forma como esse mundo tinha se configurado, sentia que era parte de um todo e, de alguma forma os preocupados também faziam parte desse todo, mas no estágio em que se encontravam eles sempre estavam buscando formas de se desprenderem do Universo que habitavam, de utilizá-lo apenas como fonte de recursos para atender coisas que habitualmente não tinham qualquer finalidade e quanto mais adotavam essa prática mais se afastavam da própria essência.

Efetivamente Franz não via qualquer possibilidade de fazer parte do modo de ser dos preocupados, mas era o lugar que tinha, sentia que devia esperar por algo, mas desconhecia o que esperar.

Já Valkíria trazia em si a energia que ladeava a Casa do Gramado, sentia que essa energia era proveniente da grande Estrela Azul, que também a alimentava, igualmente sentia que a sua essência estava ligada à sua estrela, mas desconhecia a forma pela qual um dia poderia se unir ao mundo do qual se desprendeu.

Só unidos, Franz e Valkíria, poderiam em algum momento juntar as memórias que um dia poderiam levá-los a caminhar juntos, de mãos dadas, olhando nos olhos, pelo caminho de estrelas que se desenhava a partir da Casa do Gramado, unido-a à grande Estrela Azul.

Valkíria se encantava ao caminhar pela trilha que se desenhava logo além do gramado, habitualmente em frente à varanda, mesmo antes de encontrar Franz, muitas vezes caminhava por ela para refletir, mas até então a trilha sempre ladeava a Casa do Gramado, de forma que ela sempre ficasse à vista, ao menos quando Valkíria caminhava por ela sozinha e, assim conseguia ficar com os irmãos menores à vista.

Ela gostava de caminhar só para refletir, sentia-se especialmente reconfortada quando acolhida pelos galhos das grandes árvores que sempre a envolviam, sentia-se fascinada pela vida que vicejava em todos os cantos, mostrando encantos que saltavam a seus olhos.

Gostava especialmente quando começava anoitecer e podia apreciar a lua cheia brilhando entre os galhos das grandes árvores.

Valkíria sentia que a trilha representava um elo de ligação muito importante em sua existência, mas a sua memória ainda fragmentada não permitia a ela compreender o seu significado.


domingo, 1 de abril de 2012

Mais Indagações.




Valkíria e seus irmãos não chegaram a conhecer o que os preocupados denominavam de sonhos, na Casa do Gramado, ainda que vivessem um tipo de repouso nas noites, não se pode dizer propriamente que eles dormiam, na realidade viviam, nesses momentos, um tipo de transe, sempre apreciando a grande estrela azul, a mais brilhante de todas, que surgia no horizonte, bem defronte à varanda, ao anoitecer.

Franz, ainda que houvesse adquirido o hábito de ir dormir à noite, como os demais preocupados, não tinha idéia do significado de dormir para os preocupados, na percepção deles Franz sofria de insônia, ainda que para ele isso não representasse nenhum sofrimento, habitualmente nas madrugadas, mesmo quando ainda era criança ele se levantava e ficava olhando pela janela, sentia estar procurando algo, mas só quando adulto descobriu o que procurava e, outras vezes tinha a nítida impressão de ser ele quem estava sendo procurado.

Só nas vezes em que ficava à noite na Casa do Gramado é que partilhava com Valkíria e os demais que compunham a Casa do Gramado: árvores, o gramado, a casa, os irmãos de Valkíria e tudo mais que fazia parte daquele mundo de sonhos; aquela condição de transe, que os alimentava e proporcionava uma sensação de intenso bem estar.

Os preocupados não tinham a capacidade de compreender a sensação que eles desfrutavam, para eles dormir era essencial, ainda que não tivessem a menor noção de o por que dessa necessidade.

Na época em que Franz ainda era criança, eles achavam que era para que pudessem ter algum descanso, mais tarde vieram a descobrir que dormir não tinha relação com descansar e, quanto mais estudavam sobre o sono, mais descobriam que pouco ou nada conheciam sobre ele.

Na época em que Valkíria viveu entre os preocupados, alguns estudiosos chegaram muito próximos da finalidade do sono, descobriram que ele existia para que as pessoas pudessem sonhar, para esses os sonhos tinham uma importância fundamental, sabiam que através deles as pessoas poderiam se conhecer muito além do que imaginavam, perceberam que os sonhos podiam levar as pessoas muito próximas à sua essência, mas infelizmente passado mais de um século depois que Valkíria viveu com eles, ainda eram poucos que chegavam a dar alguma importância aos sonhos.

Na Casa do Gramado, o sono não era necessário, pois lá todos já viviam em um mundo de sonhos, as noites tinham a finalidade de proporcionar um contato maior com a estrela da qual faziam parte, é a grande estrela azul que fornece a eles toda a energia necessária à vida deles, seja dos seres animados ou daqueles que os preocupados chamam de inanimados, no fim eles são partes do todo, e como tal essencial à vida.

No mundo dos preocupados, não fosse o sono, eles enlouqueceriam, só quando nesse estado é que tinham a possibilidade de se aproximar da energia que mantém a vida, no mundo em que viviam, a cada dia era mais difícil olhar para o céu, e assim se distanciavam cada vez mais de sua própria essência, os sonhos, praticamente passaram a ser o último acesso que tinham para se aproximarem de si próprios.

À medida que a vida dos preocupados se tornava mais complexa e conturbada, mais os sonhos se afundavam nas profundezas deles próprios e, assim, menos sentido a vida lhes proporcionava.

São os sonhos que delineiam as trilhas que unem a vida à essência da existência, à medida que não mais olham para o céu e se distanciam da estrela que os alimenta, mais os sonhos caem no mundo do esquecimento, ficando assim distanciados de sua própria essência.