quinta-feira, 14 de junho de 2012

Esquecidos. - Parte I





Uma Visita Desejada.


A noite já tinha atingido o seu ápice, quando a lua despejava um brilho tênue nos fundos da Casa do Gramado, em frente à varanda a Grande Estrela Azul brilhava mais intensamente que o habitual, mesmo que a lua ocupasse nesse momento a mesma linha do horizonte, ela estaria ofuscada.

O brilho era tão intenso que mais nenhuma estrela podia ser vista no horizonte. O céu estava tomado por um azul intenso.

Repousando na varanda Franz e Valkiria se encontravam em transe, lentamente, com as faces iluminadas, voltadas para a sua estrela, começaram a flutuar, inicialmente pouco acima do chão, no centro da varanda.

Passados uns poucos instantes, totalmente voltados para a grande estrela já flutuavam alguns metros acima da casa e continuavam se elevando, agora já acima das grandes árvores que envolviam a Casa do Gramado, nos fundos, a lua ofuscada se assemelhava a uma leve sombra.

A Grande Estrela Azul tinha atingido o ponto mais próximo possível dessa imensa galáxia, se chegasse mais próxima poderia causar um grande desequilíbrio.

Valkíria e Franz nesse momento brilhavam intensamente, se fosse possível vê-los, agora se assemelhariam a uma pequena estrela, com um brilho intenso, mas próximos demais para serem um estrela.

Estavam muito acima das grandes árvores, mas nos limites da atmosfera do planeta, refletiam tão somente a luz da grande estrela.

Na manhã seguinte os jornais no Mundo dos Preocupados iriam noticiar que durante a noite possivelmente o que muitos tinham presenciado tinha sido uma super-nova, uma estrela que tinha se extinguido há muitos anos e que naquele momento os últimos raios de luz provenientes dela tinham atingido da Terra.

Durante esse espetáculo, alguns também presenciaram um fragmento, provavelmente algum meteoro que atravessou a atmosfera, ainda antes que o dia raiasse os preocupados estariam procurando por esse meteoro, que tinham a quase certeza de que ele tinha caído no planeta.

Enquanto a Grande Estrela brilhava Valkíria e Franz permaneceram intensamente entrelaçados, como raios de luz seus corpos se fundiam, mesclando-se com a luz proveniente de sua estrela.







Diferente do habitual no dia seguinte Valkíria e Franz, quando saíram do transe, ou aquilo que muitos chamam do estado de sonolência, o sol já brilhava intensamente, na Casa do Gramado o dia estava especialmente agradável.

O orvalho presente no gramado já tinha secado e o silêncio ocupava todos os espaços, o que sempre fez parte do cotidiano.

Todos que habitam a Casa do Gramado: Franz, Valkíria, os bichos, a Casa, o gramado, as árvores, e os muitos seres encantados que lá vivem; prezam muito o silêncio, é ele que permite que todos possam ouvir o próprio coração, e tudo que o mundo que nos rodeia tem a nos dizer.

Nesse dia tão especial algo diferente veio ocupar o centro da Casa do Gramado.

Como tudo que nos é dado vem das estrelas, e sendo partes delas não trouxe nenhum estranhamento maior aos que lá vivem.

Em frente à porta da casa, ainda envoltos por uma intensa luz azulada, a irmã de Valkíria e o irmão menor, um bebe ainda, estavam abraçados, dormindo profundamente.

Com saudades, Franz e Valkíria se juntaram a eles, e uma tênue luz azul começou a se desprender dos menores, vindo a envolver os quatro, logo eles despertariam, há muito que os menores tinham achado um caminho para retornar à sua estrela, e Valkíria tinha ficado à espera de Franz, que naquele tempo ainda vagava entre o mundo dos preocupados e a Casa do Gramado.

As visitas eram especialmente bem vindas por tudo que envolvia esse mundo de encantos, mas nos entornos externos da floresta muitos preocupados já se aglomeravam. A trilha tinha se fechado, e eles buscavam freneticamente por alguma brecha para poder adentrar a floresta, sabiam que aquilo que achavam ser um meteoro tinha caído em algum lugar no interior dela.

Esse seria o último amanhecer, ao menos nessa época, da Casa do Gramado nessa parte do Universo.






Quando o sol ocupava o centro do céu, primeiro Valkíria e na seqüência Franz acordaram, seguidos pelos dois menores, ainda sonolentos, eles estavam cansados pela longa viagem.

Decorridos uns poucos instantes os menores já estavam brincando no gramado, e como era hábito Franz e Valkíria os observavam, não como crianças menores que precisam de cuidados, mas com a ternura que é peculiar àqueles que estão envolvidos.

Quando o sol já não ocupava mais o centro do céu e começava a descer na linha do horizonte, os menores se dirigiram à trilha, que se abria à frente da varanda da casa, Valkíria e Franz os acompanharam.

Diferente do silêncio habitual de quando andavam pela trilha, que nesse momento só estava aberta àqueles que habitavam a Casa do Gramado, além dos passos resvalando o chão, ao longe conseguiam ouvir vozes.

Eram os preocupados, que no outro extremo da floresta buscavam por um caminho, para poderem entrar nela.

A trilha estava interrompida na altura da bifurcação, ela não continuava até o mundo dos Preocupados, caminho muitas vezes percorrido por Franz.

Franz se lembrou das muitas vezes que pensou em entrar na bifurcação, mas sempre que se dava conta já tinha passado do local, ou esquecido, ou ainda a bifurcação se encontrava fechada.

Dessa vez o caminho estava livre, como se estivesse chamando por eles.

Depois de uns poucos passos chegaram a uma pequena clareira, no centro dela, quatro pedras de diferentes tamanhos pareciam estar repousando.

Em um passado recente elas deviam estar coberta por musgo, mas agora refletiam uma leve luz azulada.

Valkíria, Franz e os menores se agruparam entre elas, ao longe, agora, as vozes dos Preocupados soavam mais altas.

As pedras estavam levemente aquecidas, trazendo a eles uma sensação de aconchego, de bem estar.

Pouco mais ao longe as árvores pareciam maiores do que jamais foram, ainda grandes arbustos fechavam totalmente a passagem, nem a luz do sol conseguia atravessar, só uma pequena fresta, deixava visível a casa e o gramado.

Os bichos e os muitos seres encantados, que habitavam a floresta, nitidamente incomodados pelas vozes dos preocupados que ressoavam ao longe começaram a se aglomerar no gramado ao redor da casa e na varanda.

Não demoraria e a noite começaria a derramar a sua luz sobre a Casa do Gramado.










À medida que anoitecia, com o aproximar da escuridão da noite, a luz proveniente das pedras se tornava mais intensa.

Ao longe, as vozes dos preocupados buscando por um caminho também diminuíam a intensidade, eles estavam cansados, e começavam a buscar por um lugar para passarem a noite, mas com a intenção de ao amanhecer voltarem à procura do que achavam ser meteoros que tinham caído na floresta.

Antes mesmo do anoitecer a Grande Estrela Azul despejava a sua luz na floresta, a lua, ainda que fosse cheia, estava ofuscada, essa era a primeira vez que os preocupados puderam presenciar essa luz tão intensa, mas estavam tão imersos em suas intenções que poucos se deram conta que a noite seria mais clara que o habitual.

A luz azul se refletia especialmente em cima das pedras onde Franz, Valkíria e seus irmãos tinham se alojado.

À medida que ela se tornava mais intensa, os quatro, entrelaçados começaram a flutuar, inicialmente uns poucos metros acima das pedras.

Na posição que agora se encontravam, a luz que fluía através deles se espalhava em um círculo que ocupava toda a pequena clareira.

Quando começaram a flutuar pouco acima das grandes árvores da floresta, o círculo de luz abaixo deles foi se expandindo até os limites do gramado que circundava a casa.

Valkíria, Franz, os menores, os animais, os seres encantados e tudo o mais que compunha a Casa do Gramado, agora se encontravam em profundo transe, todos imersos pela luz azul da grande estrela.

A Casa do Gramado e seus arredores passaram a flutuar e a se erguer lentamente, vindo a ocupar posições cada vez mais altas na atmosfera, esse mundo encantado estava totalmente envolto pela luz azul.

Ao atingir os limites da atmosfera do planeta, lentamente Valkíria, Franz e os menores desceram até a varanda da casa, dois cães que estavam entre os bichos que se aninharam na varanda, um pequeno, todo branco; e o outro grande, cinza-escuro tendendo ao preto, se aninharam entre eles, ainda que em transe, estavam levemente despertos, gostavam muito de partilhar a companhia deles.

Todos teriam uma longa noite de sonhos, a Casa do Gramado, com todos os fragmentos que um dia tinham se desprendido da Grande Estrela Azul, estavam iniciando uma longa viagem ao seu lugar de origem.

Quando amanheceu depois de muito trabalho, os preocupados conseguiram abrir um tênue caminho na floresta, mas tudo o que encontraram foi uma floresta, com a maior riqueza que todos podiam desfrutar: Vida.







Lentamente a Casa do Gramado e seus arredores, toda envolta pela luz proveniente da Grande Estrela Azul foi se afastando do planeta, em direção às profundezas do Universo.

Despertos, mas levemente em transe, Franz e Valkíria foram caminhar pelo seu mundo de encantos. No gramado muitos animais dormiam profundamente e não eram incomodados pelo andar silencioso deles, só os dois cachorros quiseram acompanhá-los.

Só alguns seres alados despertaram levemente, mas preferiram voltar a dormir.

No horizonte a estrela de luz amarela brilhava intensamente, entre o ponto no espaço que agora ocupavam e a estrela, flutuava um grande planeta azul, que fora a morada de todos que habitam a Casa do Gramado por um tempo infindável, muito antes de os preocupados terem nascido.

O planeta azul, ao seu modo, também não deixava de ser a morada daqueles que vivem na Casa do Gramado.

Gradativamente se afastavam, agora o planeta azul só podia ser visto como um minúsculo ponto brilhante, muito distante, breve a estrela de luz amarela também seria só mais um ponto de brilho tênue, quando o planeta não mais pudesse ser visto.

Franz e Valkíria agora flutuavam sobre a trilha, que no momento circundava todos os cantos da floresta que envolvia a casa, no caminho encontraram muitos outros bichos e seres alados adormecidos, que gentilmente foram despertados e convidados para se juntarem aos demais que estavam no gramado e na varanda.






O gramado e a varanda ficaram repletos com seres de várias espécies que vieram acompanhando Franz e Valkíria de sua caminhada pela trilha, e aqueles que já estavam por lá gentilmente abriram espaço para que eles se aglutinassem e partilhassem os espaços.

Praticamente nem chegaram a despertar, as visitas foram muito bem vindas, dado o movimento aqueles que já estavam em volta da casa desfrutavam um sono leve, enquanto os que chegavam aos poucos, estavam muito sonolentos, mas tentavam encontrar um espaço, sem no entanto despertar aqueles que dormiam.

Quando todos estavam acomodados Franz e Valkíria lentamente e em silêncio desceram de seu flutuar e se acomodaram no banco de madeira que ocupava a varanda.

Depois de um leve balbuciar o pequeno cachorro branco com pelos longos, buscou um lugar para se acomodar no colo de Valkíria, o outro maior se aninhou ao lado de Franz, parecia que seu tamanho tinha diminuído, ainda que a temperatura fosse agradável ele tinha se encolhido e enrolado-se sobre si mesmo, como costumam fazer quando sentem frio.

Entre aqueles que vieram da trilha estavam os irmãos menores de Valkíria, eles tinham ficado na pequena clareira onde se encontravam as quatro pedras, que em um tempo longínquo tinham se alojado nos arredores da Casa do Gramado.

Eles também queriam partilhar o mesmo espaço em que Franz e Valkíria se encontravam. O banco que habitualmente só tinha espaço para duas pessoas, gentilmente ampliou o seu tamanho para que os seis se aninhassem nele.






Aos poucos todos foram tomados por um sono profundo e uma leve luz azul tênue começou a brotar primeiro dos que se encontravam mais distantes da casa, no gramado, praticamente no limite com as grandes árvores que o circundava.

Das árvores também passou a fluir a mesma luz azulada que se juntava à luz daqueles que estavam nos limites do gramado, à medida que a luz se aproximava do centro do gramado ela se tornava mais intensa e entrelaçava a todos, formando uma espiral.

Na varanda em poucos momentos estaria se formando o centro da espiral, em uma posição muito acima das grandes árvores.

A energia que fluía era tão intensa que aqueles que dormiam em frente à varanda praticamente não mais tocavam o chão abaixo deles, estavam flutuando rente ao gramado.

Na varanda o brilho era tão intenso que ofuscava totalmente as estrelas, aos poucos os irmãos menores de Valkíria começaram a levitar, ao se desprenderem do banco onde dormiam com Franz e Valkíria, os cães atentos levantaram as orelhas e emitiram um leve som que lhes é peculiar.

Com o leve som Valkíria despertou brandamente e estendeu as mãos vindo a acarinhá-los e assim os acalmou.

Atrás dos menores Valkíria, seguida de Franz, adormecidos profundamente passaram a flutuar pouco abaixo dos menores, mas agora muito acima das grandes árvores.

Eles estavam no centro da espiral, no banco, os dois cães também emanando a mesma luz dos demais se entrelaçaram, do gramado uma companheira muito desejada veio se aninhar entre eles, que entre todos eram os que tinham o sono mais leve.

Mesmo dormindo pareciam atentos a Valkíria e Franz flutuando acima das grandes árvores.

Todos partilhavam o mesmo sonho.

A Casa do Gramado não mais estava flutuando a caminho da grande Estrela Azul, lentamente estava mudando o seu rumo para um mundo distante.





Turbulência.

Eles estavam se dirigindo a uma região tomada pela turbulência, uma galáxia ainda em formação.

Não fosse a luz azul que envolvia a Casa do Gramado, todo esse mundo mágico teria a sua existência como tal comprometida.

Em um dos extremos desse novo mundo em formação, um pequeno planeta estava atraindo a Casa do Gramado, um lugar em que as lembranças estavam se perdendo nessa parte do Universo.

Após atravessar a parte mais densa dessa parte da galáxia, a luz proveniente da Grande Estrela Azul não mais podia chegar à Casa do Gramado, a poeira desse lugar em formação impedia a passagem a luz vinda dela.

A Casa do Gramado só ficou envolta por uma tênue luz azul, vinda daqueles que em seus arredores: no gramado, na varanda e das próprias árvores. Aos poucos entrou em órbita do pequeno planeta e lentamente desceu sobre ele.

Era noite no local onde veio ocupar, se não estivessem em sono profundo, nos céus, poderiam ver o reflexo das luzes das estrelas na poeira que envolvia o planeta.

Lentamente Franz, Valkíria e os menores também tomados pelo sono desceram ao banco que ocupava a varanda, os dois cachorros que lá dormiam abriram espaço para eles, o ser alado que os estava acarinhando também se acomodou entre eles, estava protegendo os sonhos de todos.

Em poucas horas estaria amanhecendo.





domingo, 10 de junho de 2012

A Floresta.




A floresta é o elemento de transição é ela que delimita o Mundo dos Preocupados e a Casa do Gramado, mas ela se encontra nos limites do mundo de Valkíria.

É um lugar que só existe para aqueles que a sabem preservar, aqueles que ainda mantém contato com a sua essência.

Para esses ela sempre se encontra próxima, às vezes há alguns passos, ou uma simples caminhada, ela existe só àqueles que sabem apreciar a própria essência.

Algumas vezes ela surge como um pequeno jardim na frente de algumas casas, outras em uma praça ou em um pequeno parque. Ainda há aqueles que conseguem entrar em contato com ela em um pequeno vaso disposto em algum lugar especial da própria casa ou de algum ambiente que habita.

Os preocupados começaram a perder de vista as suas florestas, quando começaram a pensar que o mundo que os rodeava nada mais era do que uma fonte no princípio inesgotável de recursos para manter a existência deles.

Mais tarde vieram a descobrir que essa fonte não era inesgotável, ela tinha seus limites, assim, começaram a tomar atitudes, as quais denominavam de sustentáveis, e muitos começaram a se designar como protetores do meio ambiente.

Ainda que achassem estar conseguindo alguns poucos resultados, na prática tudo que estavam obtendo era uma pequena redução no ritmo da destruição das florestas e consequentemente de suas próprias essências.

Muitas vezes criaram jardins, às vezes parques inteiros, outras insistiam em manter árvores adoecidas em pequenas calçadas tomadas pelo concreto, mas ainda que alguns chegassem a perceber ser eles próprios que faziam com que essas árvores adoecessem, e evidentemente também adoeciam a si próprios.

Raros eram aqueles que notavam a magia por traz das florestas, mesmo quando ela ocupava só um pequeno vaso. Os jardins e parques que criavam só sobreviviam com o constante trabalho de manutenção dos preocupados, muito diferente das florestas.

A densa floresta que rodeava a Casa do Gramado não necessitava de cuidados, ela se mantinha a si própria, ainda era fonte de recursos não só a Valkíria e aqueles que com ela partilhavam a casa, mas também a muitos outros que habitavam a trilha.

Esses não tinham o hábito, diferente dos preocupados, de subtrair nada do que a floresta produzia, simplesmente sentiam gratidão em aceitar o que ela lhes oferecia.

Na Casa do Gramado não havia nada de excedente, por outro lado, tinham em abundância tudo quanto necessitavam, o mesmo ocorria a todos que habitavam a trilha.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O Encontro da Trilha.





Quando sentiu a presença de Franz, a única atitude de Valkíria foi desenhar junto aos seus desejos a trilha que um dia iria mais uma vez unir seus corações.

Foi nesse momento que surgiu a trilha. 

Ambos sempre foram livres, por isso, invariavelmente a trilha se encontrava disponível a eles, ela só se fechava quando esse era o desejo deles.

Em uma de suas existências, quando ainda eram crianças, foi a primeira vez que a trilha se desenhou aos olhos de Franz, quem o olhasse naquele momento diria que ele estava dormindo, provavelmente sonhando, um sonho de criança.

Na percepção de Franz, diferente da impressão daqueles que eram considerados adultos, ainda que estivesse no local onde habitualmente descansava à noite e com os olhos já fechados há algum tempo, se sentia desperto, provavelmente mais desperto do que nos momentos em que os maiores achavam que ele brincava durante o dia.

Curiosa essa percepção daqueles que se acham crescidos no mundo dos preocupados, por que será que eles acham que os menores brincam.

Franz nunca soube ao certo o significado que eles davam ao brincar, ele se sentia experimentando o mundo que o rodeava, estava descobrindo as coisas, conhecendo, comparando. 

Nessa época ele achava engraçada a postura dos maiores, alguns falavam com ele naqueles momentos de forma infantilizada, tinha a impressão de que eles o estavam imitando.

E quando participavam de suas atividades, parece que não a levavam a sério, parece que estavam lá só para se mostrar presentes.

Talvez fosse esse o significado do brincar, eram os crescidos que brincavam, talvez por não conseguirem compreender o que os menores estavam fazendo, ainda que agissem de forma que pareciam estar entendendo tudo.

Como será que podiam imaginar estar entendo alguma coisa, se nem os menores que estavam tentando decifrar algo faziam ideia do que se tratava e, invariavelmente quando Franz entendia o mecanismo dessas coisas logo se desinteressava por elas e tentava descobrir outras novas.

Muitas vezes nessas situações os maiores insistiam para que ele continuasse com o mesmo brinquedo, mas já não tinha qualquer sentido, depois que ele os compreendia e evidentemente a partir daí se dirigia a outras coisas.

Os crescidos é que tinham a peculiaridade de ficarem repetindo sempre as mesmas tarefas, estavam sempre criando rotinas para tudo, e assim sempre faziam as mesmas coisas.

Às vezes se sentiam cansados e desinteressados pelo mundo que os rodeava, mas não se davam conta que eles mesmos criavam esse desinteresse, pelo hábito de transformarem suas vidas em eternas rotinas.

Franz pensava que talvez esse fosse um dos motivos pelos quais os crescidos deixavam de crescer, a vida deles se resumia a rotinas, fazer sempre as mesmas coisas, mesmo quando perdiam o interesse por elas.

Chagavam até a passar a impressão de que não se lembravam mais os motivos pelos quais faziam sempre as mesmas coisas, as rotinas adquiriam vida própria, e acabavam por deixar de ser funções a serviços das pessoas, e as pessoas acabavam existindo em função delas.

Para Franz e muitas outras crianças que ainda não tinham perdido o contato com a sua essência, as rotinas eram enfadonhas e totalmente desinteressantes.

Para os crescidos também, mas estavam tão imersos no mundo que eles mesmos criaram e não se davam conta, que a vida desinteressante que levavam, era tão somente uma criação deles próprios.

Franz sentiu quando pararam de conversar na casa, mesmo estando com os olhos ainda fechados, as lâmpadas foram sendo apagadas, uma a uma, aos poucos o silêncio foi ocupando todos os espaços da casa.

Ficou pensando no quarto em que estava, na disposição de cada objeto, e nas sombras que formavam na escuridão em que se encontrava.

Sabia estar com a face voltada para a janela, de onde vinha um pouco de claridade, mas no lugar da janela, nos seus sentimentos se desenhou uma pequena varanda, além dela uma densa floresta ocupava o lugar da rua, onde com outros de sua idade muitas vezes passava do dia, na percepção daqueles que se consideravam crescidos, brincando.

Franz sabia que no meio da densa floresta se desenhava uma tênue trilha, sentiu seu coração pulsar forte e soube que os aborrecimentos e rotinas dos crescidos não iam fazer parte de sua existência.

sábado, 2 de junho de 2012

O Silêncio.



Entre os possíveis sinônimos da Casa do Gramado se destaca o silêncio, e esse se torna predominante nos momentos em que a Grande Estrela Azul ilumina do centro da clareira onde se encontra a casa.

Na contagem dos preocupados esse momento não dura mais que um instante, mas para Valkíria e tudo que se desprendeu da grande estrela nesse instante o tempo deixa de existir.

Quando vivia entre os preocupados Franz tinha dificuldades em compreender o que ocorria, era o momento em que os ponteiros de seu relógio ficavam estagnados, várias vezes ele achou que as pilhas tinham se esgotado, ou que algum mecanismo tinha deixado de funcionar.

Nessas ocasiões ele ia até a janela de seu pequeno apartamento, mas sempre se deparava com o vazio, pela manhã, quando o sol começava a iluminar o seu minúsculo quarto, tinha a impressão de que tudo não tinha passado de um sonho e, ao defrontar com o relógio, via que esse funcionava normalmente, sendo que invariavelmente já tinha perdido a hora.

Os preocupados sempre conseguiram criar termos curiosos, como alguém poderia perder a hora, eles tinham imensa dificuldade em lidar com qualquer coisa que não conhecessem, assim criaram o termo designando o tempo como se fosse algo palpável, algo que se pudesse perder.

No mundo dos preocupados, a única possibilidade do tempo era obedecer uma ordem cronológica, algo que se repete em ciclos, e quando algo rompesse esse ciclo, denominavam esse fenômeno de perda, a perda do tempo, perda da hora.

Também tinham dificuldade em notar que seu próprio funcionamento psíquico não obedecia essa ordem cronológica com a qual designaram o tempo.

Ainda que sentissem que o antes, o agora e o depois pudessem ocorrer simultaneamente, reprimiam esse pensamento e quando não conseguiam deixar que essa descontinuidade fluísse no que eles chamavam de sonhos, invariavelmente acabavam por adoecer.

Os preocupados destinavam parte significativa daquilo que achavam ser o tempo para classificar coisas, inclusive eles próprios, entre essas, se classificavam como crianças, depois adolescentes e finalmente adultos, nessa ordem. Sendo que ao atingir uma determinada fase de sua existência a anterior invariavelmente sucumbia.

Felizmente para a maioria, pelo menos nos sonhos o rompimento dessa ordem cronológica se efetivava e assim, aqueles que se denominavam adultos podiam vivenciar a criança e o adolescente que neles estavam embutidos, evitando assim, o sofrimento que a cisão que eles mesmos criaram provocava.

Se um dia os preocupados conseguissem interagir com a Casa do Gramado, notariam que ela havia se desprendido da Grande Estrela Azul há bilhões de anos, na contagem deles.

Ainda que nessa contagem a luz que agora iluminava a clareira alimentando Valkíria datasse de bilhões de anos atrás, não deixava de estar ocorrendo nesse momento, como continuaria a ocorrer nos bilhões de anos que ainda estariam por vir. A luz que emana das estrelas nunca deixa de existir.

Para Valkíria a maioria das classificações dos preocupados não tinham qualquer significado, quem a olhasse se alimentando de sua estrela teria a impressão de se defrontar com uma mulher, no conceito deles uma adulta, mas nela não deixava de estar contida a criança que muitas vezes brincou com Franz no gramado, a jovem que fazia companhia aos irmãos menores e muitas vezes ao próprio Franz, uma mulher já idosa que quando viveu entre os preocupados ensinava crianças e ajudou a preservar um conhecimento que viria a ajudar os preocupados adoecidos pelas divisões que eles mesmos criaram, mas que ela sabia que esse conhecimento só poderia ser difundido muito depois de ela ter partilhado aquela existência junto a eles.



- O que?

- Ah! O silêncio...

- Um outro dia Valkíria me ajuda a falar algo sobre ele.