domingo, 8 de julho de 2012

Esquecidos - Parte II




Turbulência.

Eles estavam se dirigindo a uma região tomada pela turbulência, uma galáxia ainda em formação.

Não fosse a luz azul que envolvia a Casa do Gramado, todo esse mundo mágico teria a sua existência como tal comprometida.

Em um dos extremos desse novo mundo em formação, um pequeno planeta estava atraindo a Casa do Gramado, um lugar em que as lembranças estavam se perdendo nessa parte do Universo.

Após atravessar a parte mais densa dessa parte da galáxia, a luz proveniente da Grande Estrela Azul não mais podia chegar à Casa do Gramado, a poeira desse lugar em formação impedia a passagem a luz vinda dela.

A Casa do Gramado só ficou envolta por uma tênue luz azul, vinda daqueles que em seus arredores: no gramado, na varanda e das próprias árvores. Aos poucos entrou em órbita do pequeno planeta e lentamente desceu sobre ele.

Era noite no local onde veio ocupar, se não estivessem em sono profundo, nos céus poderiam ver o reflexo das luzes das estrelas na poeira que envolvia o planeta.

Lentamente Franz, Valkíria e os menores também tomados pelo sono desceram ao banco que ocupava a varanda, os dois cachorros que lá dormiam abriram espaço para eles, o ser alado que os estava acarinhando também se acomodou entre eles, estava protegendo os sonhos de todos.

Em poucas horas estaria amanhecendo.





A Casa do Gramado veio a ocupar uma região montanhosa do pequeno planeta, desceu lentamente, para não incomodar os sonhos daqueles que nela habitavam.

O local onde se acomodou era dos poucos não habitados do planeta, ao redor da casa havia as montanhas e uma densa floresta que a tornava invisível àqueles que viviam naquele mundo, mas muitos dos que lá habitavam puderam ver quando ela desceu no planeta.

Para os Esquecidos o que aconteceu tinha sido diferente do que estavam acostumados, eles estavam habituados a objetos que caiam em seu planeta, muitas vezes esses provocavam danos significativos ao que construíam.

Quando amanhecesse eles se organizariam para procurar o estranho objeto que desceu no mundo em que eles viviam.

Como outros, o mundo dos Esquecidos tinha suas peculiaridades.

No geral ele era bastante plano, eram poucos os acidentes geográficos, como em outros em que a vida prolifera havia muita água, a qual eles preservavam com muitos cuidados, sabiam haver uma estreita relação entre ela e a vida.

Ainda que fosse substancial, eles sempre procuravam viver afastados dela, ocupando as regiões planas do planeta, uma das finalidades era não contaminar essa preciosidade.

As montanhas também eram raras em seu mundo, pelo mesmo motivo também as preservavam, simplesmente não interferindo com a existência delas, sabiam que era tudo de que a natureza necessitava, o melhor cuidado que poderiam destinar a ela, era simplesmente não interferindo em seu modo de ser.

Suas cidades estavam localizadas nas regiões planas, sempre a uma distância considerável das grandes fontes de água, e também das montanhas.

Essas regiões planas eles as ocupavam na totalidade, lá construíam suas moradias, em número muito maior ao de pessoas que lá habitavam, eram sempre construções simples, mas dotadas de tudo que necessitavam.

Suas casas eram sempre baixas, com um único andar, mas sempre tinham o cuidado de manter entre uma construção e outra, uma porção igual de terreno, que não era para ser tocada, uma compensação pela transformação que precisavam fazer para os abrigar.

No centro de suas vilas sempre havia um tipo de observatório, uma construção circular, pouco mais alta que as suas moradias, nelas sempre havia pessoas observando os céus, principalmente à noite, eles pensavam que isso era vital para a sua existência, e habitualmente essa prática lhes era muito útil.





Valkíria foi a primeira a despertar, estava no meio da noite, do dia posterior ao que chegaram ao mundo dos esquecidos, Franz e os menores ainda dormiam profundamente no banco da varanda da Casa do Gramado.

No gramado, todos que habitavam esse mundo mágico também dormiam, estavam todos sonhando, uma leve luz azulada, muito tênue emanava de todos eles.

Valkíria levantou-se calmamente, não queria despertar ninguém, o pequeno cachorro que dormia em seu colo emitiu um leve grunhido, quase um choro e ficou acompanhando-a com os olhos.

Quando ela começou a caminhar o pequeno cachorro branco a acompanhou, seguidos pela fada, que com eles dividia o espaço da varanda.

Valkíria procurava pela trilha, mas não encontrava vestígios dela, assim mesmo procurou por um caminho entre as grandes árvores e arbustos.

Ao se afastar um pouco mais deparou-se com um mundo que lhe era estranho, o céu estava tomado por muitos pontos brilhantes, mas nem todos eles eram estrelas, ela procurava pela Grande Estrela Azul, mas naquele céu brilhante ela não aparecia.

Por um momento sentiu-se confusa, não tinha idéia de onde estava, era um mundo diferente, seguindo adiante deparou-se com um caminho entre pedras e grandes árvores, mas não era a trilha tão familiar.

Procurou pelo caminho de volta para a Casa do Gramado, mas não o encontrou, atrás de si só tinha grandes pedras e muitas árvores, mas nada que se assemelhasse ao caminho que poderia levá-la ao seu mundo de encantos.

Seguiu pelo caminho dotado de uma descida íngreme com o pequeno cachorro branco que a acompanhara no colo, tinha esquecido completamente o caminho de volta. A pequena fada voou alto e, ainda que com dificuldades voltou para junto de Franz e os demais.

Valkíria desfrutou de um sentimento que não lhe era peculiar, sentiu-se só e desorientada, desconhecia o caminho que estava seguindo, à sua volta só as pedras, a maioria muito grandes, e as árvores.

Abraçou-se ao seu pequeno cachorro e seguiu o único que podia, atrás de si parecia que as pedras fechavam o caminho sempre que dava alguns passos à frente, ela escorregava ao descer, sentia que seria muito difícil fazer o caminho de volta.

Desejou muito ver a Grande Estrela Azul, mas céu o parecia estar coberto por uma poeira brilhante multicolorida.





Franz despertou com o amanhecer e logo se deu conta da ausência de Valkíria, os menores ainda dormiam profundamente.

Aos poucos, aqueles que ocupavam o gramado também foram despertando, alguns permaneciam no gramado, enquanto outros preferiam buscar um lugar junto às grandes árvores ou arbustos.

A pequena fada que na noite anterior por um tempo tinha acompanhado Valkíria ficou diante de Franz, fitando profundamente o seu olhar, eles estavam se tocando, na alma, através do olhar.

Franz caminhou lentamente ao lado desse pequeno ser alado que no momento o estava guiando.

As árvores e arbustos ao redor do gramado não deixavam qualquer vestígio da trilha, mas a pequena fada não precisava dela para viajar entre mundos, para os encantados as trilhas se encontram em suas imaginações.

Não demorou para adentrarem na floresta, o cachorro de Franz, que tinha despertando com ele, mas até então tinha permanecido no banco da varanda, deu um salto e correu atrás deles.

Depois de uma breve caminhada no emaranhado de árvores e arbustos, eles se depararam em um terreno plano dotado de inúmeras construções igualmente planas e regulares.

A partir daí a pequena fada deixou de acompanhá-los, ela voou de volta para junto daqueles que habitam a Casa do Gramado.

Franz se viu diante de uma cidade, mas totalmente diferente de qualquer outra construção com a qual já tivesse tido contato.

As ruas eram estreitas e em seus centros havia grandes árvores plantadas, quem nesse lugar vivesse dificilmente utilizariam qualquer tipo de veículo, parece que as ruas foram projetadas para que as pessoas caminhassem nelas.

As casas, eram todas construções de um só andar e, para cada construção havia um espaço igual de terreno livre, parece que deixado ali de propósito para a natureza vicejar.

Parecia ser uma cidade muito grande, como era um lugar plano, não era possível ver os seus limites, tudo estava muito bem cuidado, mas curiosamente a cidade estava deserta, não havia nenhuma pessoa nas ruas e as casas igualmente pareciam vazias.




Franz caminhou por horas pelas ruas até sentir que em breve anoiteceria, e ainda não tinha encontrado ninguém.

Desorientado resolveu entrar em uma das casas, que como as ruas se encontrava deserta, deparou-se em uma sala, estava tudo limpo e organizado, com uns poucos moveis, não deixava de se assemelhar à Casa do Gramado.

Resolveu voltar às ruas, os caminhos eram todos muito semelhantes, não conseguia divisar o final da cidade, às suas costas, muito distante podia ver uma cadeia de montanhas de onde tinha vindo, mas estava distante demais para retornar antes que anoitecesse.

Entrou em uma outra casa, que muito se assemelhava à primeira, igualmente deserta. 

Franz estava se sentindo cansado por ter caminhado praticamente o dia todo, achou que a casa seria um bom lugar para passar a noite, que se avizinhava.

Não demorou a pegar no sono, sabia que em algum lugar desse mundo estranho Valkíria também deveria estar adormecendo, desejou encontrá-la no seu mundo de sonhos.





Ao concluir a descida íngreme do caminho de pedras Valkíria se sentia exausta, mas finalmente caminhava por um terreno plano, que não a cansava tanto, sentindo-se mais tranqüila soltou seu pequeno cachorro que continuou caminhando ao seu lado, fazendo companhia, como era o seu costume.

Pouco mais adiante Valkíria conseguiu ver o que se assemelhava a um vilarejo e caminhou até ele.

A noite estava agradável, não demorou e se deparou com pessoas que como ela caminhavam pelas ruas calçadas com pedras lisas.

Valkíria se sentia desorientada, ainda que não estivesse em um ambiente familiar de forma peculiar se sentia acolhida naquele mundo estranho.

Como ela todos caminhavam lentamente, sempre atentos ao céu, aparentemente admirando as estrelas, logo Valkíria notou que todos tinham essa peculiaridade, observavam atentamente o céu.

Como era seu costume Valkíria fitava as pessoas, habitualmente olhando em seus olhos, ou acenando a eles, isso os distraia momentaneamente, mas no momento seguinte voltavam a olhar para as estrelas.

Logo amanheceria, Valkíria se sentia muito cansada e sentou-se na calçada, encostada a uma grande árvore, quando notou seu cachorro veio a se aninhar em seu colo.

Instantes após se sentar, algumas pessoas que caminhavam pelas ruas começaram a rodeá-la, nitidamente estranhavam a sua atitude, não demorou e mesmo sem pronunciarem qualquer palavra levaram-na à casa localizada em frente à árvore que ela escolhera para descansar.

Dentro da casa Valkíria se sentiu em um ambiente familiar, ainda que a aparência fosse significativamente diferente da Casa no Gramado, na essência apresentava semelhanças, em especial na forma acolhedora como foi recebida.

Valkíria não notou divisórias na casa, em seu centro havia uma grande mesa, com cadeiras dispostas ao seu redor, sentiu-se convidada, alguns já estavam à mesa quando ela entrou na casa.

Ofereceram-lhe água e frutas, que tinham em abundância, Valkíria aceitou com gratidão.

Ainda que nada falassem, nitidamente Valkíria percebeu o entendimento desse nobre sentimento que ela expressava.

Logo perceberam sua inquietação e também ofereceram água alimentos para o seu pequeno cachorro que a acompanhava sempre.

Curioso quando entre os preocupados eram raras as pessoas que conseguiam denotar algum tipo de gratidão, mas aqui entre os esquecidos esse sentimento fervilhava.

Valkíria estava exausta e sonolenta, não demorou e o sono tomou conta de todo o seu ser. Os esquecidos ficaram totalmente confusos, sem saberem os que fazer, imaginaram que Valkíria estivesse acometida por algo que eles desconheciam.