sábado, 25 de agosto de 2012

Esquecidos - Parte IV.





Ainda que os Esquecidos não emitissem nenhum tipo de palavra, a comunicação entre eles se dava quase que totalmente através dos olhares e, ainda assim eram poucas as vezes que eles se olhavam nos olhos, uma vez que na quase totalidade do tempo seus olhares estavam voltados ao céu, não demorou para que Franz começasse a imaginar o por que desse hábito.

No primeiro dia em que se viu na cidade dos Esquecidos, que naquele momento estava deserta, ao entardecer, pouco antes de se recolher para ir ao mundo dos sonhos, em busca de Valkíria, Franz presenciou alguns meteoritos rasgando o céu.

Agora entre os Esquecidos, observando o céu logo notou que muitos dos inúmeros pontos brilhantes não eram estrelas, Franz imaginou estar em uma região do Universo repleta de poeira estelar, que à medida que fossem se juntando, nos milhões de anos que se seguiriam acabariam por formar planetas e até possivelmente algumas estrelas.

Franz sabia estar em uma região extremamente tempestuosa do Universo.

Sabia que era comum nesse planeta a queda de pequenos meteoritos e talvez até outros de porte maior, isso sem dúvida constantemente produzia danos significativos ao mundo dos Esquecidos.

Franz acreditou que o olhar dos Esquecidos sempre voltado ao céu tinha a função de localizar possíveis quedas de meteoritos, e assim evitar na medida do possível que esses ceifassem as suas vidas, isso fazia com que eles estivessem mudando constantemente os locais em que vivam, como a cidade que achou desabitada, devia haver inúmeras outras semelhantes, assim como tantas outras habitadas.

Como ocorreu com Valkíria, Franz também estava curioso em relação às inúmeras construções circulares presentes nos centros das vilas.




Quando estava anoitecendo, ainda que as diferenças fossem sutis, mesmo à noite, no mundo dos Esquecidos o céu brilhava intensamente, Valkíria achou que o céu naquela parte do Universo era permeado por estrelas, mas sentiu falta da Grande Estrela Azul, o céu era mais colorido à noite, ainda que houvessem estrelas com luz azulada brilhando, nenhuma delas se assemelhava àquela em que ela, num dia quando o Universo ainda era diminuto, tinha se originado.

Até então, ela, Franz, seus cachorros, a Casa do Gramado, e muito do que agora constitui esse Universo expandido, eram um único ser, mesmo o Tempo ainda não existia, quando a Casa do Gramado e tudo que a constitui se desprendeu da Grande Estrela Azul é que o Tempo e o Espaço tiveram a sua origem, lá no infinito, onde os dois se encontram.

Valkíria estava sonolenta, desejava muito dormir e chegar ao mundo dos sonhos, imaginando que assim poderia se aproximar de Franz e de sua casa, a Casa do Gramado, mas sabia que isso provocaria estranhamento aos Esquecidos, não sabia como, mas queria achar algum lugar em que pudesse estar sozinha para poder dormir, mas não imaginava como conseguir isso, os Esquecidos até onde sabia em nenhum momento ficavam a sós, toda vez que ela tentava ficar sózinha logo outros se aproximavam para fazer companhia.

Antes de procurar alguma privacidade Valkíria decidiu ver o que achava ser inscrições e, com um pouco de água e um pequeno pano que encontrou começou a retirar um pouco da poeira incrustada nas pedras, diferente do que pensou não se tratava exatamente de inscrições, mas se assemelhavam a pinturas, eram pequenas pedras coloridas, muito polidas formando um mosaico.

Valkíria achou aquilo lindíssimo, até esqueceu um pouco o seu desejo de dormir, logo vários Esquecidos se juntaram ao redor dela, denotavam alguma curiosidade, mas as feições deles eram de total incompreensão frente ao que ela estava fazendo, para eles não fazia qualquer sentido.

O desenho que se desvelava, sem qualquer dúvida era um planeta, circundado por inúmeros objetos estelares, em uma região do Universo intensamente povoada por estrelas, não demorou e Valkíria deduziu ser aquele o mundo dos Esquecidos, mas havia algo diferente do que até então havia presenciado, da superfície do planeta emanava uma tênue luz azul, que envolvia todo o planeta.

Quando estava concluindo a limpeza dessa pequena parte da parede de pedra, Valkíria se sentia exausta, mas pelo que tinha notado parecia que os desenhos ocupavam toda a construção circular.

Muito cansada deitou-se ali mesmo, aninhou-se no chão, os Esquecidos diante de Valkíria se sentiram totalmente desorientados, não imaginavam o que teria acontecido a ela, mas rapidamente limparam parte da mesa onde se alimentavam e a deitaram em cima dela, denotando inquietação pelo movimento o pequeno cachorro se aninhou junto aos braços dela, permaneceu atento por uns instantes, mas logo o sono também tomou conta dele.

Vários dos esquecidos permaneceram ao lado de Valkíria, querendo cuidar dela, mas simplesmente não sabiam o que fazer.




Já estava anoitecendo quando Franz julgou entender ao menos parcialmente as atividades dos Esquecidos, eles visitavam cada uma das casas, daquela parte da cidade, até então desabitada, se centravam principalmente em fazer pequenos reparos.


Durante o dia Franz caminhou por inúmeros quarteirões, a cidade estava constituída em uma região plana, assim não se cansava ao caminhar, em nenhum dos lados conseguiu visualizar os limites dela, mas por estar em uma região plana, não conseguia imaginar as suas dimensões.

Além dos reparos que faziam, os Esquecidos também se detinham em colher frutas das árvores plantadas no centro das ruas e nos espaços vazios entre as casas.

Chamou a atenção de Franz o extremo cuidado e zelo que eles tinham com as plantas e quaisquer outros seres, fossem eles vivos, ou até as inúmeras pedras de diversos tamanhos presentes nesse mundo. Como ocorreu com Valkíria, Franz se recordou do mundo das Trilhas.

Com essas eram construídas todas as habitações, mas sentiu que aqui tinham finalidades diferentes da do mundo dos Preocupados.

Os Esquecidos pareciam ser seres nômades, não tinham um lugar fixo para viver e suas casas não eram propriamente moradias, estavam sempre abertas e todos eram recebidos nelas, mas aparentemente só as usavam para descansarem brevemente e se alimentarem.

À noite Franz se sentia cansado, desejava dormir, visitar o mundo dos sonhos, acreditava que assim poderia achar uma forma de se encontrar com Valkíria, mas nas diversas casas em que entrou não encontrou nenhuma acomodação que pudesse usar para adormecer.

No meio da noite na mesa em uma das casas teve a certeza de que os Esquecidos não se comunicavam através da fala e, através dos olhares só notava o fraternidade presente em todos eles, queria dizer-lhes que desejava encontrar um lugar para dormir, mas mesmo com esforço não conseguia se fazer compreender.

Saiu às ruas na expectativa de encontrar algum lugar para dormir, mas em nenhum instante conseguia qualquer privacidade, ainda que eles não se fixassem uns aos outros, estavam sempre em pequenos grupos.

Quando já estava quase amanhecendo, a exemplo do que ocorreu com Valkíria se sentiu atraído pelas construções circulares presentes no centro das vilas, achou que nelas poderia encontrar respostas, mas nesse momento se sentia exausto e acabou por adormecer sentado, encostado a uma grande árvores no centro de uma das ruas.

Logo pequenos grupos de Esquecidos começaram a se aglomerar ao redor dele, o cachorro que permanecera o tempo todo ao seu lado denotava apreensão em relação ao movimento que se formava ao redor de Franz.






Pouco antes de o dia amanhecer Valkíria foi desperta por um intenso movimento no interior da construção circular na qual se encontrava.

Muitos estavam saindo às pressas, mas um pequeno grupo de Esquecidos permaneceram ao redor dela, quando ainda estava dormindo, estavam tentando levantá-la da mesa onde foi colocada quando adormecera e a levar com eles.

Foi esse movimento que a despertou, seu pequeno cachorro demonstrava ansiedade, não queria deixar que se aproximassem dela, o pequenino não conseguia compreender o que estava acontecendo, e Valkíria também não.

Ela sentiu alívio por parte dos Esquecidos quando acordou e se levantou, nesse momento já não havia mais ninguém na construção, além dela, seu pequeno cachorro e aqueles que estavam tentando carregá-la para fora.

Ao chegar à rua Valkíria presenciou um intenso movimento de pessoas, até então nunca tinha visto tantos nesse estranho mundo, todos andando rapidamente e curiosamente na mesma direção.

Desorientada e sem compreender Valkíria pegou seu cachorro no colo, que estava muito assustado e mesmo sem saber o motivo acompanhou os Esquecidos que tentavam se afastar rapidamente daquela parte da cidade.

Depois de caminharem por um tempo considerável Valkíria se sentia cansada e ainda sem fazer idéia sobre o por que daquela agitação. Ao olhar para o céu percebeu que logo o dia amanheceria, quando notou algo que imaginou ser uma estrela se movimentando na direção deles.

Não tardou a compreender, nesse momento, ainda que envolta na agitação dos Esquecidos percebeu que algum corpo celeste estava caindo do céu.

Ela entendeu que parte significativa dos objetos que via, principalmente à noite, não eram estrelas e sim meteoros e meteoritos, que refletiam a luz das estrelas que brilhavam mais distante.

Por isso os Esquecidos sempre mantinham os seus olhares voltados para o céu, o planeta deles devia ser constantemente atingido por esses corpos celestes, vindo a cair em suas cidades, assim sempre que percebiam a aproximação de algum deles se afastavam do local onde julgavam que poderia cair, salvando assim as suas vidas.

Nesse momento Valkíria sentiu um profundo sofrimento, ficou imaginando o sentimento deles, sempre tentando salvar as próprias vidas e assistindo aquilo que construíam sendo destruído.

Os pequenos grupos que estava se acostumando a presenciar agora tinha se transformado em um imenso aglomerado, estavam todos juntos, simplesmente se afastando de algo que cairia em sua cidade.

Um grande estrondo se irrompeu no céu, quando todos viram uma grande bola fogo caindo, agora estavam muito distante de onde no começo da noite Valkíria adormecera, pouco depois um barulho ensurdecedor atingiu a todos.

Ficaram alguns momentos sem ouvir nada, na linha do horizonte de onde tinha estado até então, Valkíria pôde ver uma mancha vermelha ardente, soube que esse era o lugar onde o meteorito tinha caído.

Todos estavam parados agora, aos poucos se sentavam para descansar, mas logo os menos agitados começaram a procurar por quem necessitava de ajuda.

Lentamente os pequenos grupos de Esquecidos começaram novamente a se formar, muitos deles procuravam pelas casas, eles precisavam se recompor, enquanto outros começaram a procurar por frutas nas árvores, outros grupos se formaram e voltaram a caminhar em direção ao local onde o meteorito havia caído.

Foi a um desses últimos que Valkíria, junto com seu pequeno cachorro se juntou, logo ela compreendeu que a finalidade era encontrar pessoas que tivessem ficado para traz ou se machucado no caminho.

Ainda que tenha encontrado muitas pessoas assustadas, felizmente nenhuma delas tinham ferimentos maiores, caminharam até quase o dia findar, estavam todos cansados e já começavam a retornar o que lhes era habitual.

Valkíria estava chegando próximo ao prédio circular onde tinha estado na noite anterior, mas notou que os demais não queriam ir além, quando tentou continuar a caminhar, notou que os Esquecidos não queriam que ela continuasse.

Ela insistiu e caminhou mais um pouco, o grupo de Esquecidos que estavam com ela ficaram olhando-a se afastar sem conseguirem compreender.

Olhando à sua frente Valkíria viu a terra ardendo em chamas, sabia ter sido o local onde o meteorito atingira a terra, mais uma vez sentiu a tristeza tomar conta dela.

Ao olhar para traz percebeu que o grupo de pessoas que estavam com ela não se afastavam, apreensivos a observavam, lentamente voltou a caminhar para se juntar a eles.

Cansados entraram na casa mais próxima, para descansar um pouco, tomar água e se alimentar.






Ainda que sonolento Franz não conseguia adormecer, o movimento dos Esquecidos ao seu redor não permitia, sentiu que eles não compreendiam o seu desejo, e também estava difícil conseguir alguma privacidade.

Com dificuldades pelo sono entrou em uma das casas, seu cachorro sempre o acompanhava. A grande mesa no centro tinha bastante água e frutas à vontade, assim que entrou aqueles que lá se alimentavam abriram um espaço para que ele se aproximasse.

A água acompanhada do alimento aliviou um pouco seu sono, enquanto se alimentava sentiu que para conseguir alguma privacidade e conseguir dormir precisaria despistar os Esquecidos de alguma forma.

A temperatura nesse mundo era bastante agradável, pelo que notou dificilmente conseguiria encontrar alguma casa vazia, mas entre elas sempre havia um terreno de tamanho semelhante com árvores e plantas, pensou que se conseguisse sair da casa sem ser notado conseguiria se esgueirar no terreno ao lado e dormir um pouco, não seria confortável, mas era possível.

Quando se levantou da mesa, dois dos Esquecidos que já tinham se alimentado se levantaram junto a ele, mas Franz não saiu da casa só se posicionou próximo à porta e como era hábito dos Esquecidos ficou olhando para o céu, como não saiu, os dois que se levantaram voltaram à mesa.

Sem emitir ruídos saiu em silêncio e se esgueirou para o terreno ao lado da casa, aqueles que estavam na casa e os grupos que caminhavam nas ruas, não notaram o seu movimento.

No centro do terreno havia uma grande árvore na qual Franz se recostou, ao seu redor havia muitos arbustos que o cobriam, assim não podia ser visto por aqueles que caminhavam nas ruas.

Franz ficou por uns momentos refletindo sobre esse mundo, sentia saudades da Casa do Gramado e principalmente de estar com Valkíria, mas passados alguns instantes adormeceu, seu cachorro ficou junto a ele e aninhou a cabeça em seu colo.

Pouco antes de amanhecer foi desperto por um estrondo, levantou-se assustado, junto com seu cachorro, mas não notou nada diferente nas ruas, em poucos instantes já estava mesclado em um dos grupos que como era habitual, estavam caminhando, mas dessa vez todos voltavam seus olhares para um ponto comum, no horizonte.

Franz viu a terra em chamas em um local muito distante, logo compreendeu, sabia que algum meteoro havia atingido a superfície do planeta, imediatamente seus pensamentos se voltaram para Valkíria e uma inquietação invadiu seus pensamentos, esse evento teria ferido e até tirado a vida de muitos dos Esquecidos.

Parte dos grupos dos Esquecidos começaram a se deslocar em direção ao local onde a terra estava em chamas, enquanto outros sem denotar qualquer estranhamento continuaram as suas rotinas, sempre caminhando com os olhares voltados ao céu, aparentemente só o estrondo desviou momentaneamente a atenção deles.

Franz resolveu se juntar a um dos grupos que caminhavam em direção ao local onde julgou ter caído o meteoro, andaram os resto da noite que já findava e praticamente todo o dia seguinte, ainda que nesse mundo a diferença entre o dia e a noite fosse sutil, mesmo à noite o brilho no céu era intenso, pelas muitas estrelas não muito distantes da estrela principal que alimentava o planeta e da poeira presente no espaço que refletia a luz das estrelas mais distantes.

No meio do caminho depararam com inúmeros grupos de pessoas que se afastavam do local onde o meteoro tinha caído enquanto outro número significativo deles voltavam. Franz logo notou que procuravam por pessoas feridas enquanto outros se ocupavam em fazer reparos.

À medida que se aproximava presenciou muitas casas destruídas, no caminho encontraram muitos dos Esquecidos assustados e com ferimentos leves, sem dúvida se machucaram quando estavam aglomerados tentando fugir, mas felizmente não havia ninguém com ferimentos maiores.

À medida que percebiam que as pessoas estavam bem, e aos poucos se acalmavam os Esquecidos iniciaram os reparos e reconstrução das casas destruídas.

Já estava quase anoitecendo, quando Franz começou a sentir-se mais leve, notou que seus pés praticamente não tocavam o chão enquanto caminhava, brevemente desviou o olhar do céu e olhou para as mãos e notou que uma tênue luz azulada as envolvia.

Franz sentiu que Valkíria estava nas proximidades.





sábado, 4 de agosto de 2012

Esquecidos - Parte III




Como Valkíria, Franz também se sentia cansado e sonolento, sentiu que não havia mais o que fazer naquele dia, queria encontrar Valkíria, mas sabia que à noite seria difícil.

Saiu uma última vez à rua, a noite já tinha chegado, mas o céu era muito brilhante, sabia que nem todos os pontos brilhantes eram estrelas, o céu que apreciava era muito diferente do mundo que conhecia.

Sentiu-se maravilhado diante de tanto brilho, só estranhou não ver sinal da Grande Estrela Azul, sentiu que se pudesse vê-la em algum lugar isso o ajudaria a encontrar Valkíria, mesmo sendo noite o céu estava ofuscado por tanto brilho.

No horizonte pode ver riscos no céu, eram meteoritos que rasgavam a atmosfera daquele mundo misterioso.

Voltou para a casa e em um canto dela procurou adormecer, não demorou e o seu cachorro que o acompanhava veio se aninhar próximo a ele.

Achou que talvez no mundo dos sonhos sua amada pudesse encontrá-lo.

Desejou intensamente estar com Valkíria, em seus pensamentos e sentimentos sabia que ela estaria com ele, de mãos dadas, caminhando bem lentamente, olhando nos olhos, lendo os pensamentos, a caminho do infinito, lá onde o espaço se encontra com o tempo, onde a Grande Estrela Azul brilha intensamente.




Praticamente sem sentir Valkíria se debruçou em cima da mesa, o sono era intenso, sem se dar conta adormeceu profundamente, assim que terminou de comer algumas frutas com muita água.

Os Esquecidos que ocupavam a casa ficaram assustados, não sabiam o que fazer, não estavam compreendendo o que acontecia com Valkíria.

O movimento dos Esquecidos deixou o pequeno cachorro de Valkíria apreensivo, ele se aninhou junto a ela e tentava afastar quem se aproximava, mas ele também estava muito cansado, e acabou por adormecer aos pés de Valkíria.

Logo o ocorrido na casa se espalhou entre os Esquecidos, que em grupos vinham de todos os lados, não entendiam o que estava acontecendo.

Ainda que Valkíria fosse uma visita, eles já não a reconheciam como tal, para eles Valkíria não deixava de ser mais uma habitante de seu mundo.

Logo um sonho veio habitar a mente de Valkíria, as imagens da noite anterior, quando descia o caminho de pedras foram as primeiras a surgir, junto veio o sentimento de voltar à Casa do Gramado, mas ela escorregava, o caminho era muito íngreme e ela não conseguia retornar.

Na seqüência viu-se entre os esquecidos, além de notar que eles estavam sempre atentos aos céu, também chamou a sua atenção que ainda que andassem juntos, eles não conversavam, só eventualmente desviavam o olhar do céu e olhavam-se, muitas vezes nos olhos e, para eles aparentemente os olhares já diziam tudo que era necessário.

Ainda em seu sonho, mais uma vez Valkíria se viu caminhando nas calçadas de pedras, mas era como se ela flutuasse, chamou a sua atenção, em especial, as construções circulares que tinham nos centros dos vilarejos, sentiu que deveria ir até essas construções, mas despertou.

Ao acordar muitos Esquecidos estavam ao seu redor, parece que desejavam cuidar dela, mas não sabiam como fazer isso.

Ainda que aparentemente o sonho tenha sido breve, muito tempo tinha se passado, o dia já tinha amanhecido, notou que as pessoas que agora estavam na casa não eram as mesmas que a tinham trazido, nem aquelas que lá estavam quando chegou, ainda que fossem todos visualmente estranhos, os sentimentos, em especial a gratidão, parece que continuava a fervilhar na casa e nos arredores.

Mais uma vez lhe ofereceram água e frutas, também não faltou alimentos para o pequeno cachorro de Valkíria, que continuava aninhado junto a ela.

Logo algumas pessoas começaram a sair pelas ruas, enquanto outras entravam na casa, parece que só entravam para descansarem, se alimentar e tomar água.

Valkíria também saiu, o cachorro a acompanhou, estava pedindo colo, não demorou e um pequeno grupo de Esquecidos se juntou a ela.




Franz adormeceu profundamente, não demorou e os sonhos vieram lhe fazer companhia.


Como Valkíria as imagens que presenciou durante o dia fervilhavam em sua mente, sentiu-se caminhando em uma cidade estranha, deserta, um sentimento de angústia tomou conta de seu sonho.

Queria encontrar o caminho para a Casa do Gramado e estar junto a Valkíria e ao seu mundo de sonhos, mas por mais que caminhasse pelas ruas de pedras lisas, totalmente desertas, não achava o caminho de volta.

Sentiu-se sozinho em um mundo estranho.

A imagem de meteoritos rasgando o céu surgiu em seu sonho, uma vez apagada a chama no céu escuro pensou ter visto uma tênue luz azul.

Uma dúvida veio a pairar em sua mente, sabia estar sonhando, e os acontecimentos recentes fervilhavam, mas ficou em dúvida, não se recordava da luz azul ter surgido após a passagem dos meteoritos.

Entrou em um estado de sono profundo, sua respiração era profunda e prolongada, no momento subseqüente viu-se em uma grande sala com uma mesa retangular em seu centro e várias pessoas ao seu redor, Valkíria dormia debruçada na mesa e seu dócil cachorrinho estava a seus pés, também dormindo.

Franz sentiu a inquietação daqueles que estavam ao redor de Valkíria, pareciam querer ajudar, mas não entendiam o que estava acontecendo.

Por outro lado achava importante dizer a Valkíria, ainda que não soubesse o por quê, que tinha visto um breve lampejo da luz azul, depois da passagem dos meteoritos, mas ele mesmo tinha dúvidas se tinha visto a luz.

Queria se aproximar mais de Valkíria, mas tinha dificuldades, naquele momento eram muitas as pessoas ao seu redor, mas sentiu que de alguma forma tinha estado perto dela, em seu sonho talvez ela o percebesse e assim, logo ela poderia mais uma vez encontrá-lo.

O cachorro de Franz que também tinha adormecido próximo a ele acordou e se sentiu inquieto, insistentemente mexeu em Franz para despertá-lo.

Franz também pensou ter ouvido ruídos do lado de fora da casa, já tinha amanhecido, mas quando saiu à rua ela estava deserta.

Sentiu que a presença de Valkíria estava impregnada em todo o seu redor, em toda a casa, e mesmo do lado de fora sentiu o perfume delicado de lavanda, que Valkíria sempre usava.

Desejou intensamente estar ao lado dela.






Valkíria estava se mesclando aos esquecidos, notou que havia mais pessoas do que tinha percebido anteriormente, andavam sempre juntos, em pequenos grupos, mas ainda que tivessem o habito de ficarem juntos, as pessoas dos grupos estavam sempre se alternando.

À medida que participava do cotidiano dos Esquecidos, Valkíria confirmou a sua impressão inicial de que eles não se comunicavam pela fala, praticamente não emitiam nenhum ruído além dos passos resvalando as calçadas de pedras lisas.

Os Esquecidos sempre estavam atentos aos céus, Valkíria não compreendia, mas percebia que eles a estranhavam por sempre olhar às pessoas, especialmente em seus olhos.

Aparentemente a comunicação entre os esquecidos prevalecia pelos olhares, quando desviavam ainda que rapidamente os olhares do céu, olhavam-se nos olhos, nesses episódios um leve sorriso brotava de suas faces, mas no instante seguinte já voltavam os olhares para o céu.

Muitas vezes um simples olhar, a presença, já dizem tudo o que é necessário.

Quando olhou novamente à sua volta Valkíria notou que nenhuma das pessoas que caminhavam com ela era conhecida, ela estranhava, mas para os Esquecidos isso não trazia qualquer incomodo.

Quando se deu conta o grupo de pessoas à sua volta se desfez, alguns entraram em uma das inúmeras casas, enquanto outros foram colher algumas frutas das árvores próximas.

Mais uma vez, Valkíria se viu sozinha, mas não demorou para que outros se juntassem a ela, chamou a atenção dela a atenção que os esquecidos tinham ao colher as frutas, tomavam extremo cuidado para não pisar ou danificar qualquer pequena planta que estivesse no chão, bem como ao retirar as frutas das árvores, o sentimento de gratidão deles transbordava em seus olhos.

Ela se lembrou daqueles que foram viver nas trilhas após o evento que se iniciou em “Trilha dos Desejos”.

Já estava anoitecendo, Valkíria se sentia cansada, mas ainda não compreendia o funcionamento desse estranho mundo, sentia que devia entrar em uma das casas, se alimentar, descansar e dormir um pouco, talvez os sonhos clareassem as suas idéias, mas sentiu-se atraída pelas construções circulares nos centros das vilas, achou que talvez nelas encontrasse respostas.

Quando deu por si, mais uma vez se viu só e resolveu ir à construção circular mais próxima, o dia já estava findando e Valkíria sentiu uma leve tontura, estava cansada, o dia tinha sido quente e resolveu sentar-se e respirar fundo esperando que a tontura passasse, não demorou e os Esquecidos a rodearam e a levaram para a casa mais próxima.





O dia já era claro quando Franz despertou e saiu para as ruas de pedras lisas. Atento, seu cachorro o acompanhou.


Não demorou e se deparou com pessoas que caminhavam pelas ruas de forma peculiar, sempre olhando para o céu.

Curioso Franz os imitou por alguns instantes, a iluminação era intensa, não conseguia precisar ao certo qual era a estrela mais próxima, eram muitos os pontos brilhantes no céu, diferente do lugar em que até então tinha habitado, que durante o dia apenas uma estrela de luz amarelada brilhava e, aquelas que via à noite, apesar de inúmeras estavam distantes, exceto a Grande Estrela Azul, que apesar de ser a mais distante de todas, tinha um brilho que sobressaia às demais.

Em um ímpeto Franz tentou se comunicar com os Esquecidos, desejava saber se tinham conhecimento de Valkíria e saber onde estava, mas foi recebido com estranhamento, eles não o entendiam.

Não demorou e o levaram para uma das casas, muito parecida com a que ele tinha dormido na noite anterior, logo trouxeram água e frutas, Franz teve a impressão que achavam que ele desejava se alimentar.

Logo aqueles que o trouxeram à casa saíram novamente às ruas, enquanto outros se juntaram a ele, na grande mesa no centro da casa, a qual sempre era suprida com água e frutas.

Franz estranhou que nenhum deles emitiam qualquer palavra, por outro lado parecia que se comunicavam intensamente através dos olhares.

O cachorro de Franz também estranhava o movimento, mas não se afastava dele, não faltou quem o acarinhasse e também oferecesse água e alimentos.

A fraternidade entre todos transbordava, o que deixou o cachorro de Franz totalmente tranqüilo e aceitava com gratidão o que lhe ofereciam.

Como Valkíria, Franz também não estava compreendendo esse mundo.






Após um ligeiro descanso Valkíria estava determinada a ir conhecer as construções circulares presentes nos centros das vilas.

Quando se levantou pegou seu pequeno cachorro nos braços e ele se aninhou a ela.

Dois dos esquecidos que estavam à mesa ao notar que Valkíria havia se levantado se juntaram a ela e se dirigiram às ruas, como já tinha notado ser um hábito dos Esquecidos em poucos instantes um pequeno grupo já estava montado, sempre ficavam juntos.

Ao se aproximar da construção circular algumas pessoas do grupo continuaram caminhando pelas ruas, e outras que estavam próximas ocuparam o seu lugar.

Na entrada da construção havia uma grande entrada em forma de arco, sem nenhum sinal de qualquer tipo de portão, no interior Valkíria se deparou com tipo de pátio de grandes proporções, em seu centro, como nas casas havia uma grande mesa que a exemplo das casas estava repleta de frutas e água, para quem desejasse, ao redor da mesa alguns esquecidos se alimentavam.

Pouco além do pátio havia uma escada em formato de caracol, que sem qualquer dúvida dava acesso às partes superiores da construção.

O grupo que estava com Valkíria se dispersou totalmente, alguns voltaram às ruas, enquanto outros, se dirigiram à escada.

Logo aqueles que estavam à mesa nitidamente com os olhares a convidaram para partilhar as frutas com eles, Valkíria aceitou, mas não desejava se alimentar, só aceitou um pouco de água com gratidão.

Seguido alguns minutos Valkíria se dirigiu às escadas, foi seguida por seu cachorro e por alguns que tinham acabado de se alimentar.

As paredes que circundavam as escadas eram de pedras, como a totalidade das construções no mundo dos esquecidos, mas aqui ela teve a impressão de que eram mais lisas, ainda que estivessem cobertas por poeira. Valkíria teve a impressão de que por baixo da poeira havia algum tipo de inscrição, desenhos... Forjados na própria pedra, mas o excesso de poeira a deixou em dúvida.

O vão da escada não era muito largo de forma que não mais que duas pessoas conseguiam andar lado a lado, como enquanto subia, outros desciam, pela primeira vez desde que estava entre os Esquecidos, ela conseguia caminhar sem alguém ao seu lado.

Valkíria se sentia grata pela companhia e carinho com que era tratada, mas em alguns momentos sentia necessidade de estar na companhia de si mesmo. Em um outro mundo ela tinha notado que a melhor companhia da qual podia dispor era a companhia de si própria.

Ao chegar ao topo da construção se deparou em um tipo de salão a céu aberto, ao seu redor, debruçados no parapeito da construção, vários dos Esquecidos olhavam ainda mais atentamente que aqueles que andavam nas ruas para o céu.

O pequeno grupo que estava junto a Valkíria ocupou os poucos lugares vagos no parapeito e ficaram como que estivessem de vigília, igual aos demais, olhando para o céu.

Valkíria resolveu descer, continuava com um entendimento restrito desse mundo, alguns que já estavam junto ao parapeito quando chegou se juntaram a ela.

Ficou com a impressão de que se pudesse entender as inscrições que achou que haviam nas paredes daquela construção conseguiria algumas respostas sobre esse mundo, desejou estar ao lado de Franz, sabia que ele teria mais facilidade em entender as inscrições, se elas estivessem lá, embaixo da poeira.