terça-feira, 20 de novembro de 2012

Esquecidos - Parte IX.





Pela primeira vez desde que chegaram a esse mundo puderam ver nitidamente a Grande Estrela Azul, brilhando no infinito, lá onde o espaço se encontra com o tempo.

De onde estavam: Franz, Valkíria, os cachorros; conseguiam distinguir no alto de uma montanha em uma pequena clareira a Casa do Gramado, rodeada por grandes árvores, mas não havia nesse momento, nenhuma trilha ligando-a ao mundo dos Esquecidos.

Sentiram saudades de estar em casa, envolvidos pelas árvores e por toda magia lá existente, de ficar na varanda, juntos, sentindo o calor um do outro, apreciando entre as árvores o brilho da estrela da qual em um tempo longínquo se desprenderam.

Agora, no ponto em que estavam: A Casa do Gramado, a Estrela Azul e eles, formavam uma linha reta, desejaram se desprender desse mundo e voltar para casa, com o desejo uma densa luz azul os envolveu e passaram a flutuar ainda mais alto, já estavam muito distante do campo de atração do planeta.

A Casa do Gramado e o mundo mágico que a compõe sequer estava tocando na superfície da montanha, flutuava brandamente.

Em transe os quatro olharam para esse estranho mundo que tão bem os acolhera, ao fitarem a Estrela Vermelha notaram um ponto escuro se formando em seu interior, onde estavam caindo toda a poeira estelar presente naquela conturbada região do Universo.

Tiveram a impressão de que algumas estrelas, antes distantes, agora estavam mais próximas.

Franz e Valkíria saindo do transe se olharam nos olhos, sentiram que ainda não era o momento de deixarem esse mundo, lentamente começaram a descer à superfície, a Grande Estrela Azul logo se esconderia no horizonte.

Enquanto desciam os dois cachorros acordaram, ainda estavam sonolentos, soltaram um leve gemido e aninhados voltaram a dormir.





Quando o entardecer estava se aproximando Valkíria, Franz e seus cachorros desceram no gramado enfrente à varanda de sua casa.

O grande cachorro de Franz e o menor de Valkíria correram alegremente ao redor do gramado e logo já tinham a companhia de muitos outros que habitavam a Casa do Gramado e ficaram brincando até que as primeiras estrelas começaram  a brilhar no horizonte.

Franz e Valkíria caminharam calmamente ao redor da casa, sentiam imenso prazer ao tocar o chão macio, inicialmente a pequena fada que tinha voado ao lado de Valkíria logo que chegaram a esse mundo veio fazer companhia a eles, mas na seqüência inúmeros seres alados que habitavam a floresta ao redor, e outros bichos que viviam naquele mundo de encantos vieram receber os tão conhecidos visitantes.

Quando a Estrela Vermelha estava se pondo no horizonte, deixando o céu avermelhado, o gramado estava repleto pelos bichos e seres alados que partilhavam o mundo de que Valkíria e Franz faziam parte.

Na varanda os dois cachorros, cansados de brincar descansavam ao lado do banco que tantas vezes Franz e Valkíria ocupavam e ficavam apreciando a sua estrela antes de irem ao mundo dos sonhos, a pequena fada ocupou o encosto do banco, do lado que Valkíria costumava ficar.

Assim que os últimos vestígios da Estrela Vermelha ocupou o horizonte Valkíria foi-se sentar no banco da varanda, logo o seu pequeno cachorro branco se envolveu nas pernas dela pedindo colo.

Franz desejou dar mais uma volta ao redor da casa, no gramado, junto às árvores e arbustos que a rodeavam, em nenhum ponto encontrou qualquer vestígio do trilha. Eles estavam com saudades de sua casa, desejavam muito estar envoltos ao seu mundo de magia.

Recordou-se do mundo dos Preocupados, quando construía habitações, ele achou curioso esse pensamento, era isso mesmo raramente os Preocupados conseguiam ter uma casa, o que eles tinham eram habitações.

A casa é um lugar que nos acolhe é uma extensão do que somos, do que sentimos, do que pensamos.

Os Preocupados tinham uma peculiaridade, gastavam tempo e recursos significativos de suas vidas para conseguirem ter uma habitação e sempre acumulavam muitas coisas nessas, o que trazia a eles mais dispêndio de energia e tempo para manterem a habitação e as coisas que acumulavam.

Ainda, muitos, por mais que trabalhassem, passavam pela vida sem conseguir recursos o suficiente para terem uma habitação, às vezes nem sequer era possível alugar um lugar para viverem, para parte desses o que restava eram as ruas e sequer nessas eram bem acolhidos.

Já os Esquecidos praticamente nada tinham de material, por outro lado todos dispunham de habitações e, diferente dos Preocupados, que aparentemente nunca tinham o necessário para viver, dispunham de tudo que era preciso para a sua existência.

Semelhantes aos Preocupados, as construções dos Esquecidos aparentemente também não eram casas, mais se assemelhavam a habitações, eram locais que usavam para se alimentarem e descansarem, pois até pouco tempo sequer eles necessitavam de um lugar para dormirem.

A Casa do Gramado não é limitada às paredes e cobertura que a constituí, dela também fazem parte: a varanda, na qual aqueles que lá moram descansam e se entretêm; o gramado que a rodeia também faz parte dela;  a trilha; as árvores e os arbustos.

Igualmente Franz, Valkíria, seus irmãos, os cachorros, os outros bichos e também os seres alados também fazem parte dela.

Mesmo quando estava no mundo dos Preocupados, aqueles que eventualmente encontravam a trilha e mesmo que só ouvissem as vozes das crianças ou dos bichos brincando, e os raros que a conseguiam ver, a ela, ou as crianças, mesmo que por um breve espaço de tempo, também, nesse, vinham a fazer parte dela.

Na Casa do Gramado, como no mundo dos Esquecidos praticamente não há utensílios, mas sempre há o necessário e, também igualmente, a floresta fornece àqueles que lá habitam ou por lá passam todo alimento e água que precisam.

Quando Franz terminou de circundar o gramado, os últimos vestígios de luz da Estrela Vermelha no horizonte havia desaparecido e, o céu estava repleto de estrelas, ainda que a noite estivesse escura.

Com passos lentos caminhou em direção à varanda, para partilhar a companhia de Valkíria e dos demais, como ela e os cachorros estava com muitas saudades de sua casa.

À medida que caminhava pelo gramado as árvores e arbustos se fechavam atrás dele, se aproximando da varanda, as sombras dessas deixava a varanda na total escuridão, não era possível visualizar qualquer vestígio das estrelas no céu.

Sentado ao lado de Valkíria no banco da varanda, Franz também se sentia cansado, se aninharam e entrelaçaram os dedos, olhando para o alto.

Gentilmente as árvores afastaram um pouco os seus galhos na direção em que eles olhavam, deixando uma pequena abertura, por traz dessa, brilhava intensamente a Grande Estrela Azul, emitindo uma tênue luz azul, envolvendo a todos que estavam por caminhar no mundo dos sonhos.





Quando Franz e Valkíria acordaram o dia já estava claro, a luz da estrela vermelha era intensa.

No gramado os irmãos menores de Valkíria brincavam com os cachorros, assim como os outros bichos e seres alados que aos poucos acordavam.

Junto à varanda foram deixadas algumas frutas das árvores que circundavam a Casa do Gramado, para alimentar aqueles que as desejassem.

Depois de apreciarem as frutas Franz e Valkíria entraram na casa, tinham vontade de experimentar todos os espaços mágicos daquele mundo de encantos.

Franz se recordou de quando era criança e ainda vivia entre os Preocupados de ver a varanda se desenhar na parede do cômodo onde dormia e sentia-se flutuando adentrando a trilha que se desenhava para chegar ao seu mundo de encantos.

Talvez a parede do cômodo onde dormia tivesse alguma ligação com o mosaico constituído de pequenas pedras brancas existente nas Construções Circulares do mundo dos Esquecidos.

Enquanto Franz apreciava o interior da casa, Valkíria desejou caminhar nos arredores dela, queria apreciar toda a vida que aflorava ao redor, viu uma pequena abertura no limite do gramado com a floresta, achou que poderia ser a trilha, mas à medida que caminhava em sua direção a entrada da trilha se afastava e mudava de lugar.

Lembrou-se de quando ainda criança caminhava na companhia de Franz pela trilha, mas quando fazia isso, por mais que andassem, sempre viam entre os arbustos a varanda da casa, e nunca se afastavam o suficiente para que não mais ouvissem os menores brincando, seja no gramado ou na varanda.

Sentia que ela e Franz, assim como os menores, e toda a vida ao redor faziam parte daquele mundo de encantos.

Ao se voltar para casa, se deparou com Franz na varanda a apreciando, enquanto caminhava, andou lentamente em direção a ele e entrelaçaram os dedos. Olharam fixamente nos olhos, estavam lendo os pensamentos, tocando a alma, bem de leve, com a pontinha dos dedos.

Flutuaram levemente até a entrada da trilha, os dois cachorros os acompanharam até ali, mas pararam e emitiram um leve uivo, eles pararam e olharam, e voltaram na direção deles. Os cachorros queriam ficar, desejavam brincar com os menores e os outros que faziam parte de seu mundo.

Depois de receberem carícias os dois cachorros foram para a varanda e ficaram observando Franz e Valkíria desaparecem na trilha, que se fechou por traz deles, assim que a adentraram.

Ao chegarem à bifurcação ainda ouviam os menores e os cachorros brincando.

A trilha nesse momento era um caminho reto, além da bifurcação a vegetação rareava, cedendo seu lugar a um caminho de pedras brancas, brilhantes.

No fim do caminho de pedras Valkíria e Franz chegaram no interior da Construção Circular, estavam em transe com os olhares fixos no mosaico branco, em seu centro viam claramente a Casa do Gramado, os menores e seus cachorros brincando alegremente.

Lentamente a Casa do Gramado e toda a magia que a rodeia se tornou uma leve mancha no mosaico branco, desaparecendo quase que totalmente à medida que Valkíria e Franz saiam de seu transe.

Do lado de fora da Construção Circular a Estrela Vermelha desse estranho mundo brilhava intensamente, agora os Esquecidos só caminhavam pelas ruas de pedras nas primeiras horas do dia e pouco antes do anoitecer.





Os Encantos estão em todos os lugares, quando se tem olhos para eles.

Valkíria e Franz ficaram por um longo tempo refletindo em frente ao mosaico branco, sentiram que a Casa do Gramado sempre esteve ao alcance deles, bastava seguir os desejos.

Foram caminhar do lado de fora da Construção Circular, as ruas que circundavam estavam desertas. A Estrela Vermelha brilhava intensamente.

Sentaram-se à sombra próximo à entrada, a mancha escura no interior da estrela chamava a atenção, não demorou e alguns dos Esquecidos vieram partilhar a companhia. Trouxeram com eles, frutas e água.

Ficaram descansando até próximo ao anoitecer, ao redor deles os Esquecidos juntavam pequenas pedras coloridas, e com elas faziam pequenas figuras no chão, enquanto a noite não chegava.

Quando já estava anoitecendo Franz e Valkíria desejaram olhar os mosaicos do lado externo da construção, a maioria mostrava o céu estrelado. Franz achou que se tratavam de mapas, aparentemente mostravam a localização do mundo dos Esquecidos no Universo.

Revelavam a noite e o movimento das estrelas nessa.

No lado oposto da entrada, via-se o dia amanhecendo, e com a luminosidade gradualmente as estrelas se apagavam no céu, cedendo seu lugar a uma grande estrela brilhante de luz amarela.

Valkíria sentiu que os mosaicos revelavam o céu em um tempo longínquo, antes de parte dos Esquecidos terem se lançado às estrelas.

À medida que caminhavam os mosaicos que se seguiam mostrava a estrela de luz amarela mudando gradualmente de cor inicialmente para um tom alaranjado até chegar ao vermelho intenso.

As próximas mostravam a estrela aumentando as suas dimensões, até que uma mancha escura também passou a aumentar de tamanho em seu interior.

Os mosaicos que se seguiam tinham um céu escuro, praticamente sem estrelas, mostravam uma parte do Universo vazia, fria, sentiram que o mosaico que seguia a esse era o de pedras brancas.

Valkíria se sentiu confusa, não enxergava o significado dos mosaicos, mas Franz percebeu que os mosaicos mostravam as transformações pelas quais a estrela do mundo dos Esquecidos passava.

Olhando para estrela que agora se punha no horizonte ele soube que em breve o mundo dos Esquecidos poderia deixar de existir.





Mesmo quando a Estrela Vermelha já não mais podia ser vista no horizonte, a sua luz ainda podia ser vista brilhando intensamente até quase a metade do céu do Mundo dos Esquecidos, do lado oposto um outro ponto brilhava intensamente era a Grande Estrela Azul.

O céu antes povoado de infinitos corpos estelares nas redondezas, além das inúmeras estrelas mais distantes, agora parecia vazio, só o reflexo das duas grandes estrelas podiam ser vistas nesse momento.

À medida que a luz remanescente da Estrela Vermelha gradualmente diminuía a sua intensidade, as demais estrelas daquela parte do Universo começavam a brilhar e a iluminar a noite.

Pela primeira vez Franz e Valkíria se deram conta de que o Mundo dos Esquecidos não tinha uma lua. Recordaram-se de quando habitavam o Mundo dos Preocupados, quando a Lua partilhava o seu brilho com a Estrela Azul.

A noite já havia atingido seu ápice e ao fundo, no horizonte uma pequena mancha avermelhada ainda brilhava, no centro do céu uma luz azulada, intensa, vinha do infinito e envolvia toda a face, agora escura do planeta.

Valkíria olhava intensamente nos olhos de Franz, podiam ler os pensamentos, tocavam a alma, bem de leve, com a pontinha dos dedos.

Estavam em transe começaram a flutuar e a se elevar da superfície do planeta.

Os Esquecidos com suas pequenas pedras coloridas construíam mais mosaicos, descrevendo os dois flutuando se dirigindo para além da atmosfera de seu mundo.

Muito alto, sem a interferência da atmosfera e da poeira que envolvia o planeta inicialmente ficaram com os olhos ofuscados pelo intenso brilho da Estrela Vermelha, podiam ver a sua pulsação, nuvens de energia viajavam pelo vácuo e os atingiam.

Não fosse a luz azul de sua estrela os envolvendo se mesclariam a essas nuvens se seriam lançados para as profundezas do Universo, mas estavam protegidos, envolvidos, pela Estrela Azul.

A mancha escura no centro da estrela estava imensa só o Mundo dos Esquecidos ainda a orbitava. Toda a região em volta estava vazia.

Lentamente Franz e Valkíria voltaram as suas faces em direção à Grande Estrela Azul, estavam se alimentando.

Nas montanhas tudo que envolve a Casa do Gramado estava em sono profundo, de onde estavam a mancha vermelha que agora nunca desaparecia no Mundo dos Esquecidos parecia ser maior.

Como Franz e Valkíria a Casa do Gramado também começou a flutuar em direção ao local onde eles agora estavam, ela estava se projetando para o vazio, deixando esse mundo que por um longo tempo a abrigou.

A Casa do Gramado flutuou para muito além de onde Franz e Valkíria estavam, ficou a meio caminho entre o Mundo dos Esquecidos e a Estrela Vermelha. 





Assim que o dia clareou lentamente Valkíria e Franz foram descendo à superfície do Mundo dos Esquecidos, em frente à Construção Circular que já estavam habituados a freqüentar.

A Casa do Gramado tinha permanecido a meio caminho, entre a estrela e o planeta.

Quando olharam para o céu viram uma luz lilás envolvendo toda a superfície do planeta, era a mescla da luz vermelha da estrela que alimentava o Mundo dos Esquecidos e da luz azul, proveniente da Grande Estrela que envolvia a Casa do Gramado, agora orbitando o planeta.

O Mundo dos Esquecidos não mais conseguiria sobreviver à radiação que agora emanava de sua estrela. A Grande Estrela Azul estava protegendo a vida que lá fervilhava.

Franz e Valkíria se detiveram em frente à entrada da Construção Circular, estavam fascinados pela luz que envolvia aquele mundo, sentiram que não mais poderiam permanecer ali por muito tempo, mas ao mesmo tempo sentiam um dilema, não podiam deixar aqueles que os acolheram.

Sabiam que se alojassem em sua casa, na Casa do Gramado, lá estariam protegidos e poderiam retornar à sua estrela, mas sentiam que no momento em que fizessem isso a vida no mundo dos Esquecidos poderia desaparecer.

Estavam vivendo um dilema, percebiam que não mais podiam ficar nesse mundo, mas ao mesmo tempo não desejavam ir embora dele.

Os Esquecidos tinham grande facilidade em absorver as alterações que afetavam o seu mundo, a mudança nas cores do céu para eles tinha sido mais uma dádiva, um presente da vida a eles.

Em seus olhares Valkíria sentiu que eles sabiam o que estava para ocorrer ao seu mundo, a proteção que a Estrela Azul e a Casa do Gramado estava proporcionando a eles representava mais um presente que a vida lhes proporcionava, alguns dias a mais para desfrutar o maior presente que as estrelas podem proporcionar: a vida.

Alguns dos Esquecidos começaram a entrar na Construção Circular, traziam com eles frutas e a preciosa água, Franz e Valkíria se sentiam convidados por eles para partilhar.

Quando estavam à mesa Valkíria lembrou-se dos irmãos menores, os cachorros e toda a vida que fervilhava na Casa do Gramado, no centro do céu à frente da Estrela Vermelha pode ver um ponto de luz azul intensa, sabia que era a sua casa, flutuando muito alto no céu, sentiu que todos lá dormiam profundamente.

Sentiu vontade de ter seu pequeno cachorro nos braços. Lá no alto, na Casa do Gramado, o pequeno cachorro de Valkíria despertou brevemente se aninhou ao lado do maior de Franz que também despertou com o movimento e voltaram a dormir profundamente, todos estavam abrigados nas sombras das grandes árvores, se protegendo da luz vinda da Estrela Vermelha.

Franz e Valkíria foram se alimentar junto com os Esquecidos, enquanto se nutriam Valkíria olhou ao chão, embaixo da mesa antes coberta pela poeira percebeu que havia algumas manchas coloridas, sentiu que no chão também havia um mosaico.

domingo, 4 de novembro de 2012

Esquecidos - Parte VIII.





Valkíria e Franz não se deram conta do tempo que ficaram apreciando essa seqüência de mosaicos, que mostrava a história dos Esquecidos, o trajeto que os levou de um mundo permeado pela tecnologia e pelas máquinas ao estágio de vida que agora se encontravam, mas sentiam que essa era apenas uma face da história deles, imaginaram que muito ainda havia a ser revelado.

Eles estavam cansados, desceram até o andar inferior da construção circular, a noite começava a envolver a face do mundo na qual agora se encontravam.

Sentaram-se próximos à grande porta de entrada.

Curiosa as construções dos Esquecidos, as portas só representavam uma passagem, que ligava o mundo interior ao exterior, nada no mundo deles era fechado ou guardado.

Os alimentos que colhiam eram sempre o necessário para o consumo, assim como a água, nunca tinham excessos nem falta, a vida sempre os presenteavam com tudo que eles precisavam.

Enquanto Valkíria e Franz apreciavam a estrela dos Esquecidos, agora avermelhada se escondendo no horizonte, e inúmeras outras, pequenos pontos brilhantes que começavam a brilhar no céu escuro, aqueles que se alimentavam na grande mesa, no centro da construção levaram a eles muitas frutas e a preciosa água que os nutriam.

Os Esquecidos estavam envolvendo Franz e Valkíria e seus dois cachorros, que junto com eles também partilhavam a água e as frutas.

Os poucos grupos que caminhavam pelas calçadas ainda olhando para o céu, ao perceberem o movimento enfrente à construção circular, se juntavam a eles.

Aos poucos todos entraram em transe, um mundo intermediário entre o estar acordados e o mundo dos sonhos.

A luz azul que vinha da Grande Estrela, agora era intensa, sua nuance se intensificava com eles envoltos na sombra da construção circular, o céu como sempre estava permeado por estrelas.

Os Esquecidos aos poucos estavam deixando de olhar para o céu, a cada dia que passava mais eles se olhavam nos olhos, eles sentiam as mudanças que ocorriam à sua volta.

Há tempos as pedras que vinham do céu não mais caiam na superfície do planeta, essas que muitas vezes colocavam a vida deles em risco e destruíam as suas construções, fazendo com que eles trabalhassem incessantemente reconstruindo-as.

Em um último momento às portas do mundo dos sonhos, um pensamento percorreu a mente de Valkíria, desde que tinham chegado a esse mundo viu muitos lugares assolados pelas pedras que caiam do céu, mas nunca tinha visto nenhum vestígio da destruição que elas causavam nas construções circulares, ainda que essas fossem as maiores nas cidades dos Esquecidos.

Valkíria e Franz começaram a flutuar, o grande cachorro de Franz se levantou nas pernas traseiras tocando-o, junto ao pequeno de Valkíria, eles se aninharam a eles, flutuaram tão alto, que foram muito além da atmosfera do planeta.

A luz azul proveniente da Grande Estrela que fluía através deles estava envolvendo toda a superfície do planeta dos Esquecidos, todos que agora se encontravam na face escura do planeta agora dormiam profundamente.





Na altura em que agora flutuavam, Franz, Valkíria e seus dois cachorros eram iluminados simultaneamente pela Grande Estrela Azul e pela Estrela Avermelhada, que alimentava o mundo dos Esquecidos.

Eles não dormiam e ao mesmo tempo não se sentiam acordados.

No mundo dos Preocupados as pessoas não se davam conta desse, que para eles não passava de um breve instante, eles simplesmente adentravam o mundo dos sonhos quando sonolentos ou cansados, para eles, em sua maioria o sono tinha por função propiciar o descanso.

Já os Esquecidos só agora estavam reencontrando os caminhos que levam ao mundo dos sonhos.

Ambos não se davam conta de que o mundo que habitavam não deixava de ser um reflexo do que ocorria nos sonhos.

Os Preocupados tinham imensa dificuldade em compreender e principalmente em sentir o mundo que habitavam, tanto aquele que existia fora deles, quanto ao que estava em seus interiores, tinham uma vida cindida entre algo que achavam ser o real e o que ocorria nos sonhos.

Já os Esquecidos, chegaram à condição na qual se encontravam por justamente terem perdido o contato com o mundo dos sonhos, à medida que deixaram de dormir suas lembranças, mesmo as mais simples, as do cotidiano deixaram de permear e dar vida aos sonhos, que com sua magia alimentava as memórias deles.

As poucas lembranças que os Esquecidos conseguiam reter se limitavam a um cotidiano, com a finalidade de manter a sua existência, deixando o imaginário deles com uma vida esvaziada. É nos sonhos que imaginário cria sentidos à própria existência.

Valkíria, Franz e tudo que ladeia a Casa do Gramado, praticamente não distinguem o que ocorre no mundo dos sonhos e no mundo que os Preocupados acham ser o mundo real, antes de dormir eles passam um longo tempo em transe, uma condição intermediária entre o dormir e o estar acordado, é nesse tempo que para eles ocorrem as elaborações que depois vão alimentar e dar vida aos sonhos, o mesmo ocorre nos momentos que precedem o acordar e, assim, os desejos que se realizam nos sonhos, advindos dos momentos que ocorrem antes de dormir, os acompanham para depois dar vida e encantos aos momentos que sucedem o acordar.

Franz e Valkíria e os cachorros estavam sonolentos, pouco antes de dormirem sentiram que a Estrela Vermelha estava crescendo rapidamente.





Envolvidos pela luz vermelha da estrela que alimenta o mundo dos Esquecidos, Franz e Valkíria sentiram que foi ela quem os desviou do caminho que os estava levando à Grande Estrela Azul e os trazido a esse planeta.

À medida que o dia amanhecia Franz, Valkíria e seus cachorros desceram lentamente à superfície do planeta, enfrente à construção circular que nos últimos dias estavam habitando, lentamente os Esquecidos foram acordando, em volta a eles uma densa luz avermelhada envolvia todos os arredores da construção.

Em passos lentos adentraram a construção circular, enquanto todos procuravam por um lugar à mesa, desejavam se alimentar. Valkíria mais uma vez se deteve em frente ao mosaico branco, os dois cachorros ficaram ao lado dela, partilhando a companhia.

Valkíria ainda estava em transe, ela não só estava apreciando o mosaico, seus pensamentos e sentimentos se transportaram a ele.

Ela se viu caminhando entre as pedras brancas do mosaico, formavam uma trilha de pedras, lembrou-se do dia em que chegou a esse planeta, conseguiu divisar nitidamente a montanha em que a Casa do Gramado há algum tempo tinha descido a esse planeta.

Continuou caminhando pela trilha de pedras, mas quando se deu conta já estava flutuando sobre ela. Valkíria sentia saudades de seu mundo de encantos.

Atrás de si a trilha se fechava, formando uma imensa floresta de pedras, desejou estar junto com os irmãos menores e toda a magia que envolvia a Casa do Gramado.

No alto da montanha se deparou com as árvores que lhe eram familiares, além dela o gramado. Na varanda da casa, rodeados por inúmeros seres mágicos seus irmãos dormiam profundamente.

A fada que a tinha acompanhado em seus primeiros passos nesse mundo veio lhe fazer companhia, ficou flutuando ao lado dela.

Valkíria desejou que Franz estivesse nesse momento ao seu lado, para juntos partilharem seu mundo de encantos.

O movimento ao redor da mesa a despertou brandamente, olhou novamente o mosaico branco, nitidamente enxergou a Casa do Gramado, com todos os seus encantos em seu centro, sentiu que tudo que rodeava a sua casa dormia profundamente.

Ao ocupar a mesa junto aos demais e desfrutar as frutas e a preciosa água Valkíria se sentiu grata à Estrela Vermelha, por ela ter emprestado a sua energia para levá-la de volta, mesmo que brevemente ao seu mundo de encantos.





Como os demais Valkíria também sentia fome, lentamente saiu do transe e se juntou a Franz, para com ele partilhar as frutas e a água.

Nesse momento a mesa tinha se esvaziado, apenas Franz ficou para lhe fazer companhia, enquanto se alimentava trocavam olhares, para eles um simples olhar, a presença, traziam em si todos os conteúdos que eram necessários.

Os dois cachorros se juntaram a eles, estavam pedindo carícias e agrados.

Enquanto desfrutava as frutas Valkíria continuou fixada no mosaico de pedras brancas, sabia ainda haver muitos que ainda não tinha construído significados, e que esses eram passiveis de múltiplas interpretações, mas a sensação de que ainda faltava algo persistia em seus pensamentos.

Ao terminar de se alimentar subiu com Franz ao andar superior e apreciar os mosaicos de lá.

Eram todos muito parecidos, mostravam as construções circulares à noite, alguns deles mostravam ancestrais dos Esquecidos entrando nelas, aparentemente para lá passarem a noite.

Eles se deitavam junto às paredes no andar superior em distâncias idênticas uns dos outros, todos olhando para o céu, à medida que adormeciam uma tênue luz vermelha se projetava deles dirigindo-se ao centro da construção e a envolvendo completamente.

Outros mosaicos mostravam a luz que eles projetavam e entrelaçando com outras vindas das demais construções, envolvendo toda a superfície do planeta.

Um outro conjunto de mosaicos mostrava os asteróides vindos do espaço se desviando quando se aproximavam da luz vermelha que ia para além da atmosfera.

Franz e Valkíria se entreolharam, os Esquecidos que agora habitavam o planeta não tinham compreendido a função das Construções Circulares.

Elas canalizavam a energia dos sonhos, envolvendo a superfície do planeta e assim protegendo-o dessa área conturbada do Universo.

Quando chegaram a esse mundo, os Esquecidos usavam as Construções Circulares como um observatório, apenas para se prevenirem em relação aos inúmeros meteoros que constantemente caiam do céu.

Como tinham deixado de dormir, não mais sonhavam, e assim o planeta ficou vulnerável aos inúmeros meteoros existentes nas proximidades.

Valkíria e Franz ficaram intrigados, o que teria levado os Esquecidos a deixarem de dormir, à medida que liam os mosaicos mais dúvidas surgiam.





Em uma época remota quando Valkíria ainda vivia com os Preocupados e, só tinha contato com Franz através da janela de uma pequena sala na qual costuma passar as tardes entretida com seus livros, ela aprendera que havia uma estreita relação entre a memória e o sono.

Naquele mundo, ainda que todos dormissem, aqueles que não conseguiam ter um bom sono habitualmente tinham as suas memórias confusas ou prejudicadas.

Os Esquecidos, antes de terem tido contato com Valkíria e Franz tinham passado gerações sem ter contato com o mundo dos sonhos, ainda que aparentemente vivessem bem sem dormir, suas lembranças se limitavam ao cotidiano, não mais do que os momentos contidos em pouco mais de um dia.

Valkíria estava confusa, os mosaicos do andar superior da construção circular mostravam que em um longínquo passado os sonhos tiveram um papel fundamental na vida deles e, em nenhum lugar achou vestígios do que os levou a deixar de dormir.

Estava começando a acreditar que uma parte de história deles talvez não tivesse sido contada.

Ficou se perguntando o que os teria levado a deixar de dormir e, assim, permitir que o planeta deles ficasse desprotegido.

Ela e Franz percorreram rapidamente todos os mosaicos existentes no piso superior, mas aparentemente nenhum deles contava essa parte da história.

Sabia ainda existir inúmeros mosaicos a serem interpretados e que eles traziam em si múltiplos sentidos, mas de alguma forma sentia que eles não trariam esse tipo de informação.

Já estava quase anoitecendo, muitas estrelas já brilhavam intensamente, no horizonte a estrela vermelha se pondo produzia um brilho alaranjado que ainda iluminava praticamente toda a face do planeta voltada ela, a estrela vermelha estava imensa, ocupava praticamente todo o horizonte.

Desceram lentamente as escadas em direção à mesa no piso inferior, seus dois cachorros os acompanhavam, queriam participar de tudo, o pequeno de Valkíria estava pedindo colo e carícias.

Os mosaicos na parede ao redor da escada mostrava os Esquecidos se despedindo daqueles que se lançaram às estrelas.

Na mesa Valkíria ficou de frente para o mosaico branco enquanto se alimentava e apreciava a água aos poucos voltou a entrar em transe.





Enquanto se alimentava Valkíria mais uma vez se sentiu caminhando entre as pedras brancas do mosaico, as inúmeras tonalidades de branco formavam sombras e imagens difusas.

Na parte superior do mosaico conseguia distinguir inúmeras espaçonaves dos Esquecidos que deixaram o planeta desaparecendo entre as nuvens, se projetando no Universo vazio indo para muito além das estrelas que podiam ser vistas.

Na linha do chão onde caminhava aqueles que ficaram denotavam um vazio em seus semblantes, vazio esse deixado por aqueles que partiram, pois sentiam que parte de tudo que até então tinham constituído estava deixando o mundo que habitavam.

Agora olhando para o alto do mosaico só via o vazio permeado pelos múltiplos pontos brilhantes das estrelas e corpos celestes que ocupavam o céu, aqueles que ficaram não mais deixaram de olhar para cima, no início talvez à procura de algum ponto em movimento mostrando o caminho seguido por aqueles que se foram.

Depois continuaram olhando à procura de objetos que poderiam cair na superfície de seu mundo.

Em seus semblantes Valkíria lia nas sombras das minúsculas pedras brancas, que os Esquecidos que ficaram deixaram de desejar os sonhos, parece que queriam apagar de sua memória o dia em que aqueles com quem conviviam partiram.

Valkíria sentiu ser essa uma forma de amenizar as saudades e assim buscaram o esquecimento, deixando de sonhar e  constituírem suas recordações.





Quando saiu do transe todos os Esquecidos que agora habitavam a construção circular dormiam profundamente, apenas Franz e os dois cachorros permaneceram acordados, aguardando por ela.

Os olhos de Valkíria ardiam, pela diferença de luminosidade, habitualmente não nos damos conta de quantas tonalidades de branco podem existir, as nuances, sombras que podem formar quando nos detemos a olhar um espaço branco.

Em seu transe ao se fixar no mosaico constituído de pequenas pedras brancas Valkíria trazia à tona pequenos detalhes que não tinha se dado conta em seu cotidiano e assim criava sentidos onde até então predominava dúvidas.

O silêncio, assim como o vazio do mosaico branco permite àqueles que neles adentrarem a ampliação dos sentimentos e pensamentos, tanto em relação a si próprios quando ao mundo que nos rodeia.

A noite estava escura, era a mais escura que presenciavam desde que chegaram a esse mundo, antes de irem ao mundo dos sonhos desejaram subir ao piso superior da construção circular.

Lá, Franz e Valkíria se depararam com uma cena peculiar, os Esquecidos dormiam profundamente, exatamente na mesma posição descrita nos mosaicos que tinha visto durante o dia, de cada um deles era projetada uma tênue luz vermelha que se tornava densa ao se entrelaçar com a luz advinda de outros que também dormiam.

No céu brilhavam muitas estrelas, um tênue brilho, muito distante em um espaço vazio, nitidamente identificaram o brilho da Estrela Azul.

Franz, Valkíria e seus dois cachorros entraram em transe, fixados nela, flutuaram muito alto, muito além da atmosfera do planeta, lá observaram antes de irem ao mundo dos sonhos, os inúmeros corpos celestes que rodeavam o planeta estavam sendo capturados pela Estrela Vermelha, que pulsava intensamente no espaço vazio.

Pequenos meteoros não mais cairiam na superfície do mundo dos Esquecidos.