terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Lembranças.




Trilhas são enigmáticas, elas se formam por vestígios deixados pelos corações daqueles que têm laços compostos por afinidades.





A tênue luz azul que envolvia o mundo dos Esquecidos gradualmente foi perdendo a sua cor tornando-se transparente, parte dessa luz se esvaiu para o ponto onde antes brilhava a Estrela Vermelha e o que restou da luz azul veio a envolver a Casa do Gramado, que de tão densa não permitia àqueles que lá habitavam ver qualquer coisa além de sua atmosfera.

Na Casa do Gramado apenas Valkíria estava levemente desperta, em um estado intermediário entre o sono profundo e o momento que precede o despertar, em seu colo seu pequeno cachorro mexeu-se e após emitir um leve ruído se aninhou novamente em seu colo e voltou a dormir.

Valkíria sentiu que a sua casa tinha acabado de se desprender do Mundo dos Esquecidos.

Por um breve espaço de tempo experimentou o sentimento que predominava no Mundo dos Preocupados, mas como a luz azul que estava envolvendo o mundo deles, protegendo-os se esvaiu, igualmente seu sentimento de preocupação seguiu o mesmo caminho.

Ela sentia que eram as estrelas que estavam desenhando os caminhos, seja do Mundo dos Preocupados ou da Casa do Gramado e, agora o que restou da Estrela Vermelha precisava dos Esquecidos para que essa pudesse continuar a descrever a sua história.

Igualmente a Casa do Gramado deveria retornar à Grande Estrela Azul.

Em um facho de luz e à sua velocidade a Casa do Gramado foi arrastada para as profundezas do Universo, em direção à sua origem, lentamente a densa luz azul que a envolvia foi-se esvaindo, tornando-se mais clara.

Valkíria apertou a mão de Franz fazendo-o como ela, despertar brandamente, com isso o grande cachorro de Franz também acordou e empinou as orelhas, que atento sentou-se no chão, entre eles, sentindo o calor que vinha de seus corpos.

Franz voltou seu olhar para o céu acompanhado por Valkíria, por trás das folhas das grandes árvores puderam apreciar um céu repleto de estrelas.

Ao olharem-se nos olhos sentiram que não mais estavam juntos com os Esquecidos, mas em seus corações foram deixados vestígios de trilhas, pelas quais poderiam caminhar sempre que houvesse desejo, deles ou dos Esquecidos.






O Mundo dos Esquecidos emitia uma tênue luz branca no espaço vazio, essa luz era o reflexo daqueles que nas Construções Circulares dormiam profundamente

Era o único ponto de luz flutuando em um Universo escuro vazio.

Muito distante o ponto escuro onde antes brilhava a Estrela Vermelha destoava na escuridão, tinha atraído para si tudo que havia: os corpos celestes, as estrelas, planetas e até mesmo a própria luz.

E inda que muito distante lentamente tirava o Mundo dos Esquecidos de seu ponto de equilíbrio, também atraindo-o para si.

Num último impulso a Grande Estrela Azul cedeu um facho de luz, denso, uma trilha, unindo o Mundo dos Esquecidos, ao ponto que em sua essência ainda era a Estrela Vermelha.

Em um breve lapso de tempo, menos que um instante o Mundo dos Esquecidos foi sugado, desaparecendo no que restou da estrela que alimentava a sua vida.

O tempo tem suas peculiaridades, se de algum lugar a cena pudesse ser presenciada, ter-se-ia a impressão de que a luz no Mundo dos Esquecidos havia cessando instantaneamente, mas para aqueles que dormiam profundamente nas Construções Circulares o tempo simplesmente tinha congelado, os sonhos deles perdurariam por toda uma eternidade.

Em seu coração, na Casa do Gramado, Valkíria e Franz sentiram o instante em que o Mundo dos Esquecidos foi sugado pela estrela deles, mas no aparente vazio deixado pela Estrela Vermelha o tempo não mais fluía, ele tinha parado.

No momento, muito distante, todos na Casa do Gramado estavam despertando, viajavam agora rapidamente em um Universo estrelado, no outro extremo do infinito também envolta pelo escuro a Grande Estrela Azul brilhava intensamente.

Franz, Valkíria, seus irmãos menores e os cachorros foram passear pela trilha, encontraram muitos conhecidos, acordando brandamente, com a preguiça peculiar daqueles que despertam sem pressa, para apreciarem um dia, sem hora marcada para acabar.

Todos estavam apreciando o céu, no sentido em que viajavam, onde no extremo se encontrava a Grande Estrela Azul podiam apreciar um céu estrelado, mas no lado oposto onde antes brilhava a Estrela Vermelha, agora só havia o escuro, o Mundo dos Esquecidos estava além do que podia ser visto em qualquer lugar do Universo.

No coração de Valkíria e Franz pairava o vazio, enquanto contornavam a trilha, os dois cachorros denotavam sentirem esse vazio, chamavam a atenção para si, pedindo carícias.

Cada ser que encontravam na trilha ao acordarem os seguiam, sentiam saudades, desejo de partilhar, apreciavam detalhadamente dos dois extremos: o estrelado e o vazio.

No final do dia ao retornarem à casa, todos ficaram de frente à Grande Estrela Azul, entrando em transe, flutuando lentamente até a varanda.

Franz e Valkíria ocuparam a cadeira de balanço há muito conhecida, na posição em que estavam viam um céu dividido; de um lado habitava o vazio e do outro um Universo estrelado.

O gramado estava repleto de seres, todos que habitavam esse mundo de encantos, estavam sonolentos após um longo dia de caminhada, um a um adormeceram.

A pequena irmã de Valkíria quis dividir um espaço no banco, junto também a Franz e ao pequeno cachorro que ocupava o outro extremo do banco.

A pequena, com os olhos fixos no centro do vazio, sentiu um reflexo de brilho em seus olhos. Valkíria estava atenta à pequena irmã que demorava a dormir, e sentiu que esse era o brilho do Mundo dos Esquecidos, iluminando o vazio.





Para aqueles que se encontravam distantes, como na Casa do Gramado e em outros mundos na região povoada pelas estrelas em um breve lapso de tempo a região escura do Universo estava para se transformar, mas para aqueles que sonhavam no mundo dos Esquecidos, se estivessem acordados poderia ter transcorrido infinitas gerações.

Na Casa do Gramado todos estavam no estado intermediário entre a sonolência e o estar acordados, estavam cansados, depois de um longo dia de caminhada pelas trilhas, no qual os seres encantados que habitavam aquele mundo tinham se reencontrado e partilhado a presença.

Na varanda apenas Valkíria, Franz e os dois cachorros ainda mantinham os olhos semi abertos, apreciavam a todos que agora descansavam no gramado e arredores.

Nos olhos de Valkíria um leve brilho de uma luz vinda do infinito refletiu em seus olhos, ao olhar para o alto ela sentiu o brilho vindo de onde antes um dia tinha brilhado a Estrela Vermelha.

Com os olhos fixos naquele ponto, isolado, imerso na escuridão ela viu nascer uma pequena estrela de luz branca e, em poucos instantes outras começaram a surgir.

Valkíria sentiu que quando acordassem, no dia seguinte aquela região escura do Universo estaria repleta de estrelas, os Esquecidos seriam encontrados por uma delas, que cederia a energia dela para que a vida no mundo deles continuasse a florescer.





Um minúsculo ponto de luz escapou do centro da região mais escura de onde antes brilhou com intensidade a Estrela Vermelha.

De tão pequeno não podia ser visto, nem por aqueles que agora descansavam na varanda da Casa do Gramado, mas já adormecida Valkíria sentiu o mundo dos Esquecidos sendo lançado para um local muito distante de onde até então estavam, que de tão denso nem a luz podia escapar.

Atrás do mundo dos Esquecidos infinitas estrelas começaram a brilhar, muitas delas indo na mesma direção do mundo deles.

A região antes escura aos poucos começava a brilhar intensamente.

Uma pequena Estrela de luz branca, agora muito distante de onde tinha surgido seguiu de perto o mundo dos Esquecidos e, nas profundezas do Universo agora o iluminava.

No dia seguinte eles começariam a despertar.





Quando Franz, Valkíria e todos que habitam a Casa do Gramado despertaram a região escura não mais estava lá, todo o céu estava repleto de estrelas.

E um ponto muito distante, onde os olhos não podem alcançar Valkíria sentiu uma pequena estrela de luz branca pulsar, ela estava em compasso com o seu coração.

Valkíria sentiu que na trilha da Casa do Gramado sempre haveria uma porta que se ligaria ao mundo que agora orbitava a pequena estrela de luz branca.

Gradualmente os Esquecidos começaram a despertar, um por vez, em silêncio, para não acordar aqueles que ainda estavam sonhando. À medida que despertavam se dirigiam à mesa, no andar inferior das Construções Circulares.

Aqueles que tinham se levantado primeiro já tinham trazido frutas e água, para eles próprios e também para aqueles que aos poucos despertavam.

Sentiam fome e também sede depois de uma longa noite de sono.

Tão logo acabavam de se alimentar saiam às ruas já conhecidas, lembranças começavam a fervilhar.

Do lado de fora se depararam com um céu azul limpo, só com algumas poucas nuvens brancas, muito distantes no horizonte, onde habitava um grande oceano, que continha a preciosa água limpa que os nutria.

Agora pouco acima das nuvens a estrela de luz branca começava a brilhar e a alimentar o mundo dos Esquecidos.

Diferente do mundo em que viviam, antes de Franz e Valkíria virem partilhar a vida com eles, em seu céu, durante o dia apenas a Estrela de Luz Branca poderia ser apreciada, mas suas noites seriam presenteadas por um céu cheio de brilho das infinitas estrelas que emprestam a sua luz àqueles que se permitem caminhar até o Mundo dos Sonhos.

Eles sabiam que em um desses pontos brilhantes, próximo ao  infinito habitava uma imensa estrela de luz azul que alimenta a Casa do Gramado, com toda a vida e magia que permeia aquele mundo, em seus corações sentiam que sempre haveria uma porta em uma trilha, unindo o mundo deles à casa de Valkíria.

Agora eles procuravam por pequenas pedras, as quais seu mundo tinha em abundância, davam preferência em especial para as esverdeadas.

Junto à entrada das Construções Circulares estavam confeccionando mosaicos coloridos, um pouco ao lado da entrada, para não ficar na passagem. 

Aos poucos a Casa do Gramado começava a se desenhar, na varanda, olhando para o céu, Franz, Valkíria, os dois cachorros ao lado deles e inúmeros seres alados, descansavam apreciando as estrelas.

Na Casa do Gramado todos estavam sonolentos, agora voltados para o outro extremo do horizonte flutuavam, entre eles e a Grande Estrela Azul apenas o vazio, envoltos por um caminho de infinitas estrelas.

Valkíria pensava nos dias em que tinha habitado uma casa com uma grande janela voltada para o jardim, onde costumava ler antes de adormecer.

Olhando nos olhos de Franz, docemente pediu, dorme pensando para a gente se encontrar.

Franz com um olhar respondeu você me encontrou amor, e eu estava te esperando, vamos juntos, até o infinito, lá onde o espaço se encontra com o tempo.

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