terça-feira, 9 de julho de 2013

Valkíria e Franz




A varanda sempre representa um lugar para se estar, para partilhar a presença, é onde Franz e Valkíria ficam nos finais de tarde, simplesmente sentindo.

Enquanto Valkíria descansa tranquilamente no banco, Franz permanece sentado no degrau que dá acesso à entrada casa. Ele está apreciando as árvores que ladeiam o gramado, em especial o Ipê Amarelo, em frente à janela do quarto onde descansam, quando estão no mundo dos sonhos, e nessa época do ano o ipê está todo florido.

Ainda se recorda do dia em que encontrou próximo à bifurcação a pequena muda, que com dificuldades tentava achar uns poucos raios do sol, em busca da vida.

Quando Franz a encontrou era tão pequenina que parecia minúscula na palma de sua mão, entre as raízes de grandes árvores, sem espaço para crescer.

Desejou ver a árvore toda florida ao despertar do mundo dos sonhos na companhia de Valkíria.

Ao sentir a presença de Valkíria e Franz na varanda, apreciando, o Freud-cão surgiu correndo da trilha que se desenha com os desejos, junto com ele Nick, o pequeno cachorro branco de Valkíria também veio partilhar a companhia.

Freud-cão se deteve onde Franz descansava, colocando a cabeça embaixo do braço dele, chamando-o para brincar, enquanto o pequeno cachorro branco, em um salto subiu no banco e se aninhou no colo de Valkíria, pedindo carícias.

No lado oposto da Casa do Gramado o sol se escondia entre as montanhas azuis, além das grandes árvores que ladeavam o gramado.

Franz e Freud-cão, brincavam no centro do gramado enquanto Valkíria acariciava o pequeno Nick.

Quando na linha do horizonte as estrelas começaram a surgir, lentamente Franz e seu cachorro se dirigiram à varanda, ao se sentar no banco, ao lado de Valkíria, Nick soltou um pequeno gemido de prazer.

Ficaram os quatro apreciando o Ipê Amarelo, enquanto a noite se avizinhava.

A Grande Estrela Azul, gradualmente aumentava o seu brilho, iluminando toda a varanda, o gramado, antes extenso agora tinha árvores em toda a sua extensão, se esticassem as mãos, Franz e Valkíria conseguiram tocar algumas flores do ipê.

As árvore só tinham deixado uma pequena fresta, por onde a luz da estrela azul iluminava agora as faces de Valkíria, Franz e seus cachorros.

Em transe ficaram flutuando no centro da varanda, envolvidos, entrelaçados.

Eram todos da mesma essência: Valkíria, Franz, os cachorros e toda a Casa do Gramado, fervilhando vida, em um mundo de sonhos.

A Varanda




Ela ocupa toda a frente da Casa do Gramado, no centro a porta de entrada, que dá acesso à sala da casa, há ainda uma janela de cada lado da porta, uma delas de um dos quartos e a outra da própria sala.

Na Casa do Gramado a porta da sala e as janelas ficam sempre abertas, só são encostadas nas noites quando está frio.

Quem vem do gramado para acessar a varanda, há um pequeno desnível, apenas dois degraus, com corrimãos dos dois lados, que envolvem toda a varanda, como se a estivesse abraçando.

A construção é toda de madeira, no chão através de pequenas frestas dá para ver a terra abaixo da casa, onde a vida fervilha.

Em frente à janela da sala fica o banco de balanço que habitualmente é ocupado por Valkíria e Franz, em especial nos finais de tarde, quando começa a anoitecer, é nesse momento que acima das grandes árvores que ladeiam o gramado que a Grande Estrela Azul brilha, muitas vezes tanto quanto a lua que costuma brilhar nesse momento do lado oposto da casa.

O Freud-cão dorme tranquilamente nesse momento que a noite já engole a luz do dia, muitas outras estrelas ocupam o horizonte, onde não são ofuscadas pela Estrela Azul, que brilha intensamente.

Em um sobressalto Freud-cão salta para o interior da casa e, curioso espia todos os seus espaços, lentamente retorna para o local onde antes estava adormecido.

Nick, o pequeno cachorro branco de Valkíria levanta a cabeça e fica observando a cena, também se levanta e com preguiça se aninha junto ao cão de Franz para assim partilharem o calor.

A presença de Franz e Valkíria ficam impregnadas na casa, mesmo quando eles se encontram do lado oposto da trilha, eles são feitos da mesma essência de tudo que compõe a Casa do Gramado.

Lembranças de Franz




Quando criança foram muitas as vezes que Franz caminhou pela trilha que ligava o lugar onde vivia no mundo dos Preocupados e a Casa do Gramado, mas nem sempre caminhava pela trilha que queria, algumas vezes andava pela trilha desejada.


A trilha que se desenhava estava ali para unir os corações de Valkíria e Franz.

Em uma dessas caminhadas Franz sentiu estar em uma trilha diferente quando estava à procura da Casa do Gramado, sentia que sempre que desejava bastava alguns passos e a clareira onde se encontrava a casa surgia, dessa vez já se sentia cansado, a trilha era acidentada, às vezes precisava se segurar em algum arbusto para poder caminhar, diferente da trilha que estava habituado a percorrer, algumas vezes ela era extensa, mas nunca oferecia dificuldades maiores para nela caminhar.

Quando pensava em voltar aos braços de seu mundo conhecido, que sempre o acolhia, mesmo permeado pelas preocupações, no final de uma reta conseguia ver um galpão, todo construído com pedaços de madeira.

Andou até próximo à sua porta, em seu interior, um senhor já idoso, lixava uma pequena tábua que estava apoiada em uma bancada.

Franz permaneceu por uns instantes à porta observando, em nada o lugar se assemelhava à Casa do Gramado, mas não deixava também de ser convidativo.

Sem se dar por conta percebeu que o senhor que trabalhava a madeira momentaneamente interrompera o seu trabalho e, também se deixou olhar nos olhos do pequeno Franz, parado diante da porta do galpão.

O senhor ao perceber a cena abaixou a cabeça e retornou ao seu trabalho. Lentamente Franz adentrou o galpão, ao fundo havia uma pequena mesa, nela havia um prato em seu centro com pequenos pedaços de pão de milho em seu interior. Franz sentou-se à mesa e continuou observando atentamente o trabalho do senhor, ao lado da mesa tinha ainda um pequeno fogão com chá e café para ser aquecido.

Por um longo tempo Franz ficou apenas observando, apreciando o trabalho que senhor, que por várias vezes dirigiu o olhar à mesa e à criança que se distraia com pequenos pedaços de madeira, deixados ao acaso em uma estante próxima à mesa.

Ao terminar de lixar a tábua o senhor pegou uma outra que se encontrava na bancada e as emparelhou, por um tempo as observou denotando uma certa incompreensão, elas tinham tamanhos diferentes, pensativo mediu as duas, confirmando aquilo que seus olhos já tinham apontado. Aparentemente desapontado deixou as duas tábuas em cima da bancada.

Nitidamente ficou à procura de algo que não estava encontrando, apalpou toda a parte superior da bancada, às vezes olhava para o chão, até que abriu uma gaveta e nela encontrou um pequeno lápis.

No momento seguinte passou a assobiar enquanto apoiou a tábua menor em cima da maior e, com o lápis fez um risco marcando a tábua maior deixando a referência para que ficasse do tamanho da menor.

Continuou seu assobio e desviou o olhar par Franz, que agora se deliciava com um pedaço do bolo de milho.

Lentamente se dirigiu à mesa parando em frente ao fogão aqueceu o café e o chá, vindo a se sentar ao lado de Franz, antes disso apanhou na estante duas xícaras e nelas despejou o chá e café agora aquecidos.

Ofereceu o chá a Franz e junto com o café também apreciou um pedaço do bolo de milho que estava no prato.

Por um longo momento permaneceram apenas se olhando apreciando aquela guloseima.

Ao se darem conta já estava entardecendo, a luz do sol se aproximando do horizonte agora adentrava o galpão.

Franz se levantou com calma e lentamente se dirigiu à porta, o senhor também levantou e se voltou às suas tábuas depositadas na bancada.

Na porta Franz parou por uns instantes e voltou seu olhar ao senhor que agora cerrava a tábua que tinha ficado ligeiramente maior, ao notar que era observado interrompeu seu trabalho e também voltou seu olhar a Franz.

Refletindo sobre o noite que se avizinhava Franz caminhou da porta em direção à trilha, nesse momento o senhor veio à porta e ficou olhou para Franz que lentamente desaparecia ao caminhar em direção ao mundo dos Preocupados.

Saudades de você minha doce Valkíria.

domingo, 7 de julho de 2013

A Bifurcação.




Quando ainda vivia entre os preocupados, em uma tarde fria de inverno Franz fazia esboços de uma antiga casa que logo seria demolida para a construção de um grande prédio. Essa simples idéia o incomodava profundamente, observando via uma construção maravilhosa, um lugar a ser restaurado.

Uma leve dor de cabeça que se iniciará do lado esquerdo de sua testa lentamente se espalhava por toda a sua fronte, ao mesmo tempo que causava um certo alívio na dimensão da dor também se tornava um incomodo ainda maior, pois ainda que a dor diminuísse ela agora ocupava uma parcela maior de sua cabaça.

O som agudo de uma buzina momentaneamente desviou sua atenção e, naquele momento achou que essa dor era oriunda dos ruídos dos automóveis que em grande quantidade circulava pela rua, estragando a paisagem, sujando e espalhando barulhos por onde passavam.

Voltou a se concentrar no que fazia e agora os ruídos pareciam distantes, quase desaparecendo e com esses também se esvaecia sua dor de cabeça.

Estava atento à grande janela em frente ao que um dia tinha sido um grande jardim, pensou nas árvores e flores que um dia lá vicejaram, agora só restava uma grande árvore, um ipê cujos galhos se estendiam em cima do telhado da casa, bem no centro e, entre restos de construção lá depositado uma vegetação rala vicejava.

Agora olhando o interior da sala, onde várias vezes vira uma adolescente sentada em um pequeno sofá, se distraindo com livros, via o pequeno sofá velho e puído com o estofamento rasgado e por traz desse a escada que dava acesso ao piso superior da casa, um dia esplendorosa, mas que agora parecia precária, apodrecida, que em breve cairia com a demolição da casa.

Fixo à janela o local ocupado pela escada lentamente se transformava em uma trilha cercada por uma densa floresta, seguindo-a lentamente com os olhos, percebeu que os sons vindos da rua desapareceram totalmente, deixando em seu lugar o total silêncio, só eventualmente quebrado pelo som de uma alguma folha que se desprendia das árvores vindo a se depositar no chão, permitindo que a vida se prolifere.

No caminho se deteve em frente à pequena bifurcação há muito conhecida, a vegetação era tão densa que só conseguia ver uns poucos metros adiante dela.

Ficou por horas observando, sentindo a vida que fervilhava ao seu redor, até sentir o frio percorrer seus braços e se espalhar por todo o corpo, ao olhar para o alto, a Grande Estrela Azul brilhava intensamente entre os galhos das árvores.

Um leve tremor percorreu seu corpo, já era noite nada mais poderia fazer nesse dia, ao menos onde estava, pensou em retornar ao seu pequeno apartamento e continuar seus esboços.

Ao dirigir um último olhar à janela pôde ver Valkíria, fechando o seu livro e se dirigindo à escada, agora com brilho de nova, lentamente a viu subindo se dirigindo ao que supôs ser o quarto dela.

Caminhando em direção ao seu apartamento sentiu que a Casa seria restaurada.