Como Valkíria, Franz também se sentia cansado e sonolento, sentiu que não havia mais o que fazer naquele dia, queria encontrar Valkíria, mas sabia que à noite seria difícil.
Saiu uma última vez à rua, a noite já tinha chegado, mas o céu era muito brilhante, sabia que nem todos os pontos brilhantes eram estrelas, o céu que apreciava era muito diferente do mundo que conhecia.
Sentiu-se maravilhado diante de tanto brilho, só estranhou não ver sinal da Grande Estrela Azul, sentiu que se pudesse vê-la em algum lugar isso o ajudaria a encontrar Valkíria, mesmo sendo noite o céu estava ofuscado por tanto brilho.
No horizonte pode ver riscos no céu, eram meteoritos que rasgavam a atmosfera daquele mundo misterioso.
Voltou para a casa e em um canto dela procurou adormecer, não demorou e o seu cachorro que o acompanhava veio se aninhar próximo a ele.
Achou que talvez no mundo dos sonhos sua amada pudesse encontrá-lo.
Desejou intensamente estar com Valkíria, em seus pensamentos e sentimentos sabia que ela estaria com ele, de mãos dadas, caminhando bem lentamente, olhando nos olhos, lendo os pensamentos, a caminho do infinito, lá onde o espaço se encontra com o tempo, onde a Grande Estrela Azul brilha intensamente.
Praticamente sem sentir Valkíria se debruçou em cima da mesa, o sono era intenso, sem se dar conta adormeceu profundamente, assim que terminou de comer algumas frutas com muita água.
Os Esquecidos que ocupavam a casa ficaram assustados, não sabiam o que fazer, não estavam compreendendo o que acontecia com Valkíria.
O movimento dos Esquecidos deixou o pequeno cachorro de Valkíria apreensivo, ele se aninhou junto a ela e tentava afastar quem se aproximava, mas ele também estava muito cansado, e acabou por adormecer aos pés de Valkíria.
Logo o ocorrido na casa se espalhou entre os Esquecidos, que em grupos vinham de todos os lados, não entendiam o que estava acontecendo.
Ainda que Valkíria fosse uma visita, eles já não a reconheciam como tal, para eles Valkíria não deixava de ser mais uma habitante de seu mundo.
Logo um sonho veio habitar a mente de Valkíria, as imagens da noite anterior, quando descia o caminho de pedras foram as primeiras a surgir, junto veio o sentimento de voltar à Casa do Gramado, mas ela escorregava, o caminho era muito íngreme e ela não conseguia retornar.
Na seqüência viu-se entre os esquecidos, além de notar que eles estavam sempre atentos aos céu, também chamou a sua atenção que ainda que andassem juntos, eles não conversavam, só eventualmente desviavam o olhar do céu e olhavam-se, muitas vezes nos olhos e, para eles aparentemente os olhares já diziam tudo que era necessário.
Ainda em seu sonho, mais uma vez Valkíria se viu caminhando nas calçadas de pedras, mas era como se ela flutuasse, chamou a sua atenção, em especial, as construções circulares que tinham nos centros dos vilarejos, sentiu que deveria ir até essas construções, mas despertou.
Ao acordar muitos Esquecidos estavam ao seu redor, parece que desejavam cuidar dela, mas não sabiam como fazer isso.
Ainda que aparentemente o sonho tenha sido breve, muito tempo tinha se passado, o dia já tinha amanhecido, notou que as pessoas que agora estavam na casa não eram as mesmas que a tinham trazido, nem aquelas que lá estavam quando chegou, ainda que fossem todos visualmente estranhos, os sentimentos, em especial a gratidão, parece que continuava a fervilhar na casa e nos arredores.
Mais uma vez lhe ofereceram água e frutas, também não faltou alimentos para o pequeno cachorro de Valkíria, que continuava aninhado junto a ela.
Logo algumas pessoas começaram a sair pelas ruas, enquanto outras entravam na casa, parece que só entravam para descansarem, se alimentar e tomar água.
Valkíria também saiu, o cachorro a acompanhou, estava pedindo colo, não demorou e um pequeno grupo de Esquecidos se juntou a ela.
Franz adormeceu profundamente, não demorou e os sonhos vieram lhe fazer companhia.
Como Valkíria as imagens que presenciou durante o dia fervilhavam em sua mente, sentiu-se caminhando em uma cidade estranha, deserta, um sentimento de angústia tomou conta de seu sonho.
Queria encontrar o caminho para a Casa do Gramado e estar junto a Valkíria e ao seu mundo de sonhos, mas por mais que caminhasse pelas ruas de pedras lisas, totalmente desertas, não achava o caminho de volta.
Sentiu-se sozinho em um mundo estranho.
A imagem de meteoritos rasgando o céu surgiu em seu sonho, uma vez apagada a chama no céu escuro pensou ter visto uma tênue luz azul.
Uma dúvida veio a pairar em sua mente, sabia estar sonhando, e os acontecimentos recentes fervilhavam, mas ficou em dúvida, não se recordava da luz azul ter surgido após a passagem dos meteoritos.
Entrou em um estado de sono profundo, sua respiração era profunda e prolongada, no momento subseqüente viu-se em uma grande sala com uma mesa retangular em seu centro e várias pessoas ao seu redor, Valkíria dormia debruçada na mesa e seu dócil cachorrinho estava a seus pés, também dormindo.
Franz sentiu a inquietação daqueles que estavam ao redor de Valkíria, pareciam querer ajudar, mas não entendiam o que estava acontecendo.
Por outro lado achava importante dizer a Valkíria, ainda que não soubesse o por quê, que tinha visto um breve lampejo da luz azul, depois da passagem dos meteoritos, mas ele mesmo tinha dúvidas se tinha visto a luz.
Queria se aproximar mais de Valkíria, mas tinha dificuldades, naquele momento eram muitas as pessoas ao seu redor, mas sentiu que de alguma forma tinha estado perto dela, em seu sonho talvez ela o percebesse e assim, logo ela poderia mais uma vez encontrá-lo.
O cachorro de Franz que também tinha adormecido próximo a ele acordou e se sentiu inquieto, insistentemente mexeu em Franz para despertá-lo.
Franz também pensou ter ouvido ruídos do lado de fora da casa, já tinha amanhecido, mas quando saiu à rua ela estava deserta.
Sentiu que a presença de Valkíria estava impregnada em todo o seu redor, em toda a casa, e mesmo do lado de fora sentiu o perfume delicado de lavanda, que Valkíria sempre usava.
Valkíria estava se mesclando aos esquecidos, notou que havia mais pessoas do que tinha percebido anteriormente, andavam sempre juntos, em pequenos grupos, mas ainda que tivessem o habito de ficarem juntos, as pessoas dos grupos estavam sempre se alternando.
À medida que participava do cotidiano dos Esquecidos, Valkíria confirmou a sua impressão inicial de que eles não se comunicavam pela fala, praticamente não emitiam nenhum ruído além dos passos resvalando as calçadas de pedras lisas.
Os Esquecidos sempre estavam atentos aos céus, Valkíria não compreendia, mas percebia que eles a estranhavam por sempre olhar às pessoas, especialmente em seus olhos.
Aparentemente a comunicação entre os esquecidos prevalecia pelos olhares, quando desviavam ainda que rapidamente os olhares do céu, olhavam-se nos olhos, nesses episódios um leve sorriso brotava de suas faces, mas no instante seguinte já voltavam os olhares para o céu.
Muitas vezes um simples olhar, a presença, já dizem tudo o que é necessário.
Quando olhou novamente à sua volta Valkíria notou que nenhuma das pessoas que caminhavam com ela era conhecida, ela estranhava, mas para os Esquecidos isso não trazia qualquer incomodo.
Quando se deu conta o grupo de pessoas à sua volta se desfez, alguns entraram em uma das inúmeras casas, enquanto outros foram colher algumas frutas das árvores próximas.
Mais uma vez, Valkíria se viu sozinha, mas não demorou para que outros se juntassem a ela, chamou a atenção dela a atenção que os esquecidos tinham ao colher as frutas, tomavam extremo cuidado para não pisar ou danificar qualquer pequena planta que estivesse no chão, bem como ao retirar as frutas das árvores, o sentimento de gratidão deles transbordava em seus olhos.
Ela se lembrou daqueles que foram viver nas trilhas após o evento que se iniciou em “Trilha dos Desejos”.
Já estava anoitecendo, Valkíria se sentia cansada, mas ainda não compreendia o funcionamento desse estranho mundo, sentia que devia entrar em uma das casas, se alimentar, descansar e dormir um pouco, talvez os sonhos clareassem as suas idéias, mas sentiu-se atraída pelas construções circulares nos centros das vilas, achou que talvez nelas encontrasse respostas.
Quando deu por si, mais uma vez se viu só e resolveu ir à construção circular mais próxima, o dia já estava findando e Valkíria sentiu uma leve tontura, estava cansada, o dia tinha sido quente e resolveu sentar-se e respirar fundo esperando que a tontura passasse, não demorou e os Esquecidos a rodearam e a levaram para a casa mais próxima.
O dia já era claro quando Franz despertou e saiu para as ruas de pedras lisas. Atento, seu cachorro o acompanhou.
Não demorou e se deparou com pessoas que caminhavam pelas ruas de forma peculiar, sempre olhando para o céu.
Curioso Franz os imitou por alguns instantes, a iluminação era intensa, não conseguia precisar ao certo qual era a estrela mais próxima, eram muitos os pontos brilhantes no céu, diferente do lugar em que até então tinha habitado, que durante o dia apenas uma estrela de luz amarelada brilhava e, aquelas que via à noite, apesar de inúmeras estavam distantes, exceto a Grande Estrela Azul, que apesar de ser a mais distante de todas, tinha um brilho que sobressaia às demais.
Em um ímpeto Franz tentou se comunicar com os Esquecidos, desejava saber se tinham conhecimento de Valkíria e saber onde estava, mas foi recebido com estranhamento, eles não o entendiam.
Não demorou e o levaram para uma das casas, muito parecida com a que ele tinha dormido na noite anterior, logo trouxeram água e frutas, Franz teve a impressão que achavam que ele desejava se alimentar.
Logo aqueles que o trouxeram à casa saíram novamente às ruas, enquanto outros se juntaram a ele, na grande mesa no centro da casa, a qual sempre era suprida com água e frutas.
Franz estranhou que nenhum deles emitiam qualquer palavra, por outro lado parecia que se comunicavam intensamente através dos olhares.
O cachorro de Franz também estranhava o movimento, mas não se afastava dele, não faltou quem o acarinhasse e também oferecesse água e alimentos.
A fraternidade entre todos transbordava, o que deixou o cachorro de Franz totalmente tranqüilo e aceitava com gratidão o que lhe ofereciam.
Como Valkíria, Franz também não estava compreendendo esse mundo.
Após um ligeiro descanso Valkíria estava determinada a ir conhecer as construções circulares presentes nos centros das vilas.
Quando se levantou pegou seu pequeno cachorro nos braços e ele se aninhou a ela.
Dois dos esquecidos que estavam à mesa ao notar que Valkíria havia se levantado se juntaram a ela e se dirigiram às ruas, como já tinha notado ser um hábito dos Esquecidos em poucos instantes um pequeno grupo já estava montado, sempre ficavam juntos.
Ao se aproximar da construção circular algumas pessoas do grupo continuaram caminhando pelas ruas, e outras que estavam próximas ocuparam o seu lugar.
Na entrada da construção havia uma grande entrada em forma de arco, sem nenhum sinal de qualquer tipo de portão, no interior Valkíria se deparou com tipo de pátio de grandes proporções, em seu centro, como nas casas havia uma grande mesa que a exemplo das casas estava repleta de frutas e água, para quem desejasse, ao redor da mesa alguns esquecidos se alimentavam.
Pouco além do pátio havia uma escada em formato de caracol, que sem qualquer dúvida dava acesso às partes superiores da construção.
O grupo que estava com Valkíria se dispersou totalmente, alguns voltaram às ruas, enquanto outros, se dirigiram à escada.
Logo aqueles que estavam à mesa nitidamente com os olhares a convidaram para partilhar as frutas com eles, Valkíria aceitou, mas não desejava se alimentar, só aceitou um pouco de água com gratidão.
Seguido alguns minutos Valkíria se dirigiu às escadas, foi seguida por seu cachorro e por alguns que tinham acabado de se alimentar.
As paredes que circundavam as escadas eram de pedras, como a totalidade das construções no mundo dos esquecidos, mas aqui ela teve a impressão de que eram mais lisas, ainda que estivessem cobertas por poeira. Valkíria teve a impressão de que por baixo da poeira havia algum tipo de inscrição, desenhos... Forjados na própria pedra, mas o excesso de poeira a deixou em dúvida.
O vão da escada não era muito largo de forma que não mais que duas pessoas conseguiam andar lado a lado, como enquanto subia, outros desciam, pela primeira vez desde que estava entre os Esquecidos, ela conseguia caminhar sem alguém ao seu lado.
Valkíria se sentia grata pela companhia e carinho com que era tratada, mas em alguns momentos sentia necessidade de estar na companhia de si mesmo. Em um outro mundo ela tinha notado que a melhor companhia da qual podia dispor era a companhia de si própria.
Ao chegar ao topo da construção se deparou em um tipo de salão a céu aberto, ao seu redor, debruçados no parapeito da construção, vários dos Esquecidos olhavam ainda mais atentamente que aqueles que andavam nas ruas para o céu.
O pequeno grupo que estava junto a Valkíria ocupou os poucos lugares vagos no parapeito e ficaram como que estivessem de vigília, igual aos demais, olhando para o céu.
Valkíria resolveu descer, continuava com um entendimento restrito desse mundo, alguns que já estavam junto ao parapeito quando chegou se juntaram a ela.
Ficou com a impressão de que se pudesse entender as inscrições que achou que haviam nas paredes daquela construção conseguiria algumas respostas sobre esse mundo, desejou estar ao lado de Franz, sabia que ele teria mais facilidade em entender as inscrições, se elas estivessem lá, embaixo da poeira.
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