terça-feira, 11 de outubro de 2011

Somos Sonhos - Parte III





Após capturarem Franz os perplexos se afastaram momentaneamente, precisavam pensar sobre as suas dúvidas e, tanto Franz quanto Valkíria pareciam exaustos, ofereceram alimentação e água e acharam por bem deixar que eles descansassem.

Tentaram se comunicar e queriam deixar claro que não tinham intenção de prejudicá-los, mas a comunicação era difícil, já não falavam mais a mesma língua e, no geral, para Franz e Valkíria, como ocorria nas trilhas, na maioria das vezes a simples presença, um olhar, já diziam tudo que era necessário.

Com a lógica do pensamento desenvolvida no mundo dos perplexos, os sentimentos foram sendo reprimidos e assim se distanciando cada vez mais da própria essência da vida, eram incapazes de perceber que as respostas que buscavam estavam neles próprios, como deixaram de dormir, igualmente deixaram de sonhar e com isso os sentimentos deixaram de fazer parte de sua existência.

Assim a comunicação com Franz e Valkíria se tornava impossível, pois eles eram movidos pelos sentimentos, seus sentimentos e atitudes eram decorrentes daquilo que sentiam.

Já os perplexos tinham o seu modo de vida guiado pelos pensamentos, por isso viviam criando coisas inúteis, que consumiam e por elas eram consumidos, estavam buscando respostas sobre o imenso congestionamento que em decorrência modificou o modo de vida deles, mas não se davam conta de que essa mudança do modo de vida não tinha relação com o fenômeno ocorrido, e sim quando começaram a reprimir seus sentimentos e isso tinha se iniciado muito antes de o congestionamento ocorrer.

As respostas que buscavam não podiam ser encontradas no pensamento, precisavam voltar a sentir e isso só poderia ser alcançado através dos sonhos, mas eles não mais dormiam.

Quando deixaram Franz e Valkíria, eles estavam exaustos e não demorou começaram a dormir profundamente, os perplexos que assistiam não conseguiam entender o que acontecia com eles, mas por bem resolveram deixá-los sós.

Um leve brilho, um cintilar, envolveu os dois, tão leve que os perplexos não se deram conta, voltaram a se entrelaçar no princípio ainda que os perplexos não se dessem conta eles sequer estavam tocando o chão da gaiola de vidro, estavam voltando a flutuar à medida que a noite foi avançando eles foram se elevando até o centro da gaiola, gradualmente o cintilar ao redor deles foi se ampliando.



Um sensação de estranhamento ocorreu aos perplexos que estiveram próximos a Franz e Valkíria, perceberam haver diferenças significativas entre o modo deles ser e o modo dos dois, sabiam que a diferença era significativa, mas não conseguiam se dar conta de quais eram essas diferenças.

Há muito tempo tinham percebido que havia algo de errado na forma como conduziam a própria vida, mas esse sentimento como praticamente todos os demais tinham sido reprimidos de suas existências.

Até se defrontarem com Franz e Valkíria não tinham se dado conta de quão triste era a existência deles, essa tristeza estava lá presente o tempo todo, mas estavam sempre ocupados com seus próprios pensamentos e, quanto mais achavam que estavam pensando, mais seus sentimentos ficavam reprimidos.

Na realidade se os perplexos pensassem há muito teriam se dado conta de que eles próprios eram a fonte de seus problemas, o que faziam na prática era criar ciclos viciosos de pensamentos, eles buscavam conforto e segurança entre outras coisas e para atingir seus objetivos estavam sempre criando mecanismos cada vez mais complexos para satisfazer o que achavam necessários na eles.

Mas não se davam conta de que os esforços para atingirem as sua falsas sensações de conforto e segurança eram demasiado extenuantes e gastavam com isso muito mais energia do que dispunham, se olhassem para si próprios se dariam conta de que as suas necessidades nunca poderiam ser saciadas com os mecanismos dispendiosos e inúteis que todos os dias criavam, atualizavam e descartavam.

As necessidades deles se encontravam neles próprios e não nas inutilidades que insistiam em criar, quando se defrontaram com Franz e Valkíria perceberam que tudo o que eles necessitavam estava neles próprios, mas essa idéia era por demais complexa para a compreensão deles.

À medida que a noite avançava Franz e Valkíria começaram a flutuar no centro da gaiola de vidro onde estavam confinados e o brilho que irradiava deles se ampliava a cada instante, quem os visse teria a impressão de que eles olhavam para o vazio, para um ponto no horizonte, perdido na escuridão, no meio da noite o brilho que emanava deles era tão intenso que os perplexos tiveram a impressão que o dia já há algum tempo tinha amanhecido, mas a luz que tudo iluminava não vinha do sol e sim de onde eles estavam confinados.



No meio da noite depois de muito discutirem os perplexos começaram a ficar com dúvidas em relação a Franz e Valkíria, já não sabiam dizer se eles teriam as respostas, afinal não faziam idéia do que perguntar a eles.

Os perplexos tinham essa peculiaridade, estavam sempre em busca de respostas, mas tinham uma imensa dificuldade em saber quais eram as perguntas.

Diante desse paradoxo chegaram à conclusão de que dificilmente Valkíria ou Franz poderiam ajudá-los, e resolveram abrir a gaiola que construíram para eles e deixar que fossem embora, se assim desejassem, mas quando se aproximaram do compartimento do prédio onde estavam confinados o brilho que emanava deles era tão intenso que os cegaram.

Não tiveram escolha além de se afastarem e ficaram com a sensação de que tinham cometido um grande erro, um sentimento de angustia tinha invadido o peito daqueles que puderam presenciar o brilho que emanava dos dois.

Era uma sensação estranha, em um instante se deram conta da imensa tristeza que habitava as suas existências.

Não conseguiam achar explicações, há tanto tempo tinham reprimido seus sentimentos e agora se sentiam invadidos por esse sentimento de angustia, vazio.

Quando olhavam para si próprios era isso que viam, o vazio, não demorou para perceberem que essa sensação era conseqüência do que viam na gaiola onde Franz e Valkíria se encontravam confinados, o vazio era deles e não poderia ser preenchido por nada que estivesse fora deles.

Decidiram libertar os dois, mas o brilho os impedia de se aproximar, achavam que com o amanhecer, a luz do sol iria atenuar esse brilho e assim poderiam abrir a gaiola.

Nesse momento não tinham mais o que fazer.

À medida que a noite avançava, agora há algumas horas do amanhecer, o ponto vazio do céu que fascinara Franz e Valkíria tinha desaparecido no horizonte e gradualmente o brilho que emanava deles foi se atenuando, mas ainda dormiam profundamente, ainda que permanecessem na gaiola podiam desfrutar de uma liberdade de dimensões que os perplexos jamais tinham se dado conta de que seria possível.



Tão logo amanheceu o dia os perplexos se dirigiram ao local onde Franz e Valkíria estavam confinados, como imaginavam o brilho que emanava deles já não era tão intenso, mas quando se aproximaram já não tinham mais a quem libertar, encontraram os dois entrelaçados ao lado da gaiola de vidro que continuava lacrada.

Ambos flutuavam no centro do compartimento onde tinham sido deixados e aparentemente não se davam conta de que os perplexos haviam se aproximado, olhavam-se nos olhos, pareciam ler os pensamentos um do outro, estavam acariciando as almas, de leve, com a ponta dos dedos, quase sem tocar.

Lentamente se dirigiram para a grande janela de vidro da sala onde se encontravam, que como a gaiola também estava lacrada, mas a atravessaram como se nada houvesse entre eles e o vazio.

Ainda lentamente, começaram a se dirigir para a antiga avenida aos pés dos enormes edifícios que foram reaproveitados e ampliados pelos perplexos, atravessaram as inúmeras armadilhas construídas pelos perplexos com a finalidade de capturá-los, da mesma forma que passaram pela gaiola e depois pela janela do local onde estavam confinados, mas dessa vez não estavam tentando escapar dos perplexos.

Flutuavam lentamente, como se desejassem ser seguidos.

Com dificuldades os perplexos precisaram sair de suas imensas edificações e se dirigirem para as antigas avenidas de sua cidade, há muito abandonadas, depois que tinha ocorrido o congestionamento que alterou o modo de vida deles.

Franz e Valkíria continuaram lentamente flutuando no centro das antigas avenidas, agora tomadas por escombros dos antigos veículos que no passado eram utilizados para a locomoção das pessoas, quando os perplexos ainda eram um espécie em formação.

Pela primeira vez a geração atual dos perplexos se deu conta da imensidão de lixo que a sua cultura produzia, estavam há tanto tempo confinados em seus edifícios que não percebiam o mal que produziam ao mundo que os rodeava.

Tinham muitas dificuldades em caminhar pelos escombros que eles mesmos criaram, ainda que seu modo de vida tivesse sido alterado eles continuaram a produzir um sem fim de máquinas e objetos que achavam servir para a manutenção de suas vidas, e quando esses perdiam a sua finalidade eram jogados pelas janelas e se acumulavam no chão, junto aos seus antigos veículos ainda em estágio de decomposição.

A natureza ainda levaria séculos para decompor a imensidão de lixo inútil que eles produziam e esse lixo se acumulava em velocidade superior à que a natureza conseguia decompô-los, assim a cada dia se acumulavam mais.

Para não se defrontarem com o estrago que faziam, os perplexos adquiriram o hábito de não olhar o que estavam fazendo, por isso viviam confinados em seus espaços, à medida que os escombros aumentavam de proporção eles erguiam andares ainda mais altos para se distanciarem do estrago que eles mesmos produziam, assim ficavam com a sensação de que esse estrago não existia.

Uma vez Valkíria, quando olhava pela janela de sua antiga casa, na época em que auxiliava crianças que tinham dificuldades na escola, percebeu que algumas delas tinham essa peculiaridade, em estágios muito primitivos quando se sentiam amedrontadas por alguma coisa, fechavam os olhos e assim não viam o que as amedrontavam dessa forma achavam que aquilo que as estavam assustando simplesmente deixariam de existir.

Os perplexos se encontravam em um estágio tão primitivo de existência que ainda se recusavam a encarar aquilo que eles mesmos produziam e, por não enxergarem deduziam que o mau que criavam não existia.

Em parte a angústia e dúvidas que os perseguiam estavam relacionadas ao mau que produziam a si próprios e ao mundo que enganosamente achavam ser deles.

Ainda não tinham se dado conta de que eram só partes desse mundo, que nada nele lhes pertencia e, quando se dessem conta disso mais uma vez seu modo de vida teria que mudar, drasticamente.

De alguma forma estavam corretos ao tentarem encontrar em Valkíria e Franz respostas, pois em sua sociedade ninguém mais conseguia se ver como parte do Universo que os rodeava e, só os dois tinham a possibilidade de expor a eles que poderia haver um outro modo de ser.



Valkíria e Franz continuaram lentamente flutuando pelas antigas avenidas que antes de os perplexos se formarem como uma cultura eram utilizadas para se deslocarem com seus antigos veículos.

Eles iam para a periferia da cidade, há muito abandonada, dado a dificuldade de locomoção, continuassem nesse ritmo logo alcançariam a imensa floresta no limite da cidade dos perplexos, mas esse não era o destino deles.

Pela primeira vez sabiam para onde estavam se deslocando, tinham como objetivo a casa que muitas gerações atrás tinha sido a residência de Valkíria, lá estavam os registros mais importantes que a cultura que tinha cindido, dando origem ao mundo dos perplexos e ao daqueles que foram habitar as trilhas, tinham deixado como herança.

Franz e Valkíria quando confinados, enquanto se olhavam nos olhos lendo os pensamentos, chegaram à conclusão de o por que terem ficado no mundo dos perplexos, o que tinham de mais importante era mostrar a herança que tinha sido destinada a eles.

Depois disso não iam habitar nem as trilhas nem o mundo dos perplexos.



Quando entraram na casa, uma frase parecia faiscar nos olhos de Valkíria: “Franz, eu te encontrei.” Em resposta Valkíria pôde ler nos olhos de Franz: “Sim meu amor, eu estava a sua espera.”

A casa ainda que abandonada há muito tempo estava intacta, Franz a tinha recuperado com muito amor, fez para que durasse para sempre e o sempre nunca acaba.

Havia muita poeira entre os inúmeros livros e anotações deixadas por Valkíria em uma outra época e depois preservados e recuperados por Franz, era um material precioso tinha que ser guardado para a eternidade.

Sabiam que logo os perplexos chegariam, mas uma vez mais poderiam desfrutar de alguns momentos juntos, se acarinhando na poltrona que ficava em frente à grande janela da sala, que dava vistas para o jardim.

Ficaram se acarinhando longamente, olhando nos olhos, lendo os pensamentos, quando já estava anoitecendo puderam mais uma vez ver o caminho estreito no jardim, o último acesso ainda existente para o mundo das trilhas.

Quando a lua já apontava no horizonte resolveram seguir pela trilha, queriam uma vez mais passear pela imensa floresta agora inacessível aos perplexos.

Atravessaram o jardim da casa lentamente no último caminho que dava acesso ao mundo das trilhas, agora sabiam que os perplexos conseguiriam achar a casa e as anotações que Valkíria e seu médico tinham deixado como herança às pessoas, que seriam um caminho, uma trilha, para que elas pudessem achar explicações para o estado de angústia em que viviam e, assim teriam a possibilidade de parar de procurar respostas às suas questões no mundo externo, e voltarem a si próprias, pois as respostas de que necessitavam só nelas podiam ser encontradas.

Aqueles que habitavam as trilhas há muito tinham chegado a essa conclusão e, assim, não tinham dificuldades em viver envolvidos pelo mundo que os rodeava.

Levaria algumas horas ainda para os perplexos chegarem à casa, quando Valkíria e Franz desapareceram na trilha que se iniciava no jardim e que se fechava por traz deles à medida que adentravam na floresta.

Quando chegassem à casa os perplexos não mais teriam acesso a Franz e Valkíria, exceto pelas anotações e livros que foram a eles deixados como herança.

No meio da noite Franz e Valkíria já tinham chegado a um emaranhado de trilhas que formava um outro mundo, muito diferente do dos perplexos.

A lua brilhava intensamente e, entre as árvores se formavam algumas clareiras, cobertas por um ralo gramado, aparado e muito bem cuidado, no centro de uma dessas clareiras encontraram um gramado, rodeado por imensas árvores, uma pequena casa provida de uma varanda com uma cadeira, parecia estar a espera deles.

Sentaram-se para descansar, não demorou e alguns cachorros e gatos, entre outros bichos se aproximaram deles, nitidamente pediam carícias. As pessoas que habitavam as trilhas também não demoraram a surgir, se acomodaram no gramado e juntos com Franz e Valkíria ficaram apreciando a imensa lua que brilhava intensamente e as estrelas.

Não denotaram qualquer curiosidade em relação a Franz e Valkíria, mas visivelmente os receberam muito bem, estavam todos envolvidos, as pessoas, o gramado, os bichos, a casa e as árvores que os ladeavam.



Franz e Valkíria estavam cansados e não demorou para que viessem a dormir, ainda que vivessem no mundo dos sonhos seja acordados ou dormindo, era durante o sono que seus sonhos mais coloridos afloravam.

Todos que partilhavam o gramado ao redor da casa em solidariedade se uniram a Franz e Valkíria, inclusive os bichos que partilhavam com eles a varanda.

Quando os seres estão envolvidos seus sonhos se entrelaçam e aquecem o coração como se estivessem acariciando as almas, bem de leve, com a ponta dos dedos, quase sem tocar.

À medida que todos iam em direção ao mundo dos sonhos as árvores em redor do gramado começaram a aproximar seus galhos das pessoas e da varanda da casa, envolvendo todos e filtrando levemente a luz do luar e das estrelas deixando assim que os sonhos fluíssem nas sombras da noite.

Quando a lua já se encontrava na parte de traz da casa, alguns galhos de árvore defronte à varanda se abriram para o espaço vazio. Valkíria foi brandamente despertada de seu sono profundo, estava deitada nos braços de Franz e ficou por um longo tempo contemplando o que para todos os demais seria o vazio.

Algum tempo depois Franz também despertou, lentamente, aos poucos entrelaçaram os dedos, depois de olharem-se profundamente nos olhos.

Após alguns instantes Franz deixou de sentir o peso de Valkíria em seus braços, ela estava flutuando e, aparentemente em sono profundo, ainda que continuasse com os olhos fixos no vazio.

Aos poucos foram se elevando ficaram algum tempo imóveis pouco acima da casa, olhavam com ternura todos os seres que dormiam profundamente no gramado, todos estavam sonhando, estavam envolvidos, entrelaçados.

De cada ser que sonhava no gramado, um leve halo de energia fluía deles, formando um vórtice, com Franz e Valkíria em seu centro.

Agora flutuavam pouco acima das árvores mais altas, de onde estavam fitaram brevemente o emaranhado de trilhas que formava um mundo de sonhos, estavam no centro da imensa floresta, puderam ver muitas clareiras com gramados semelhantes ao que usaram para descansar, mas onde estavam era a única clareira provida de uma casa com varanda.

Em uma de suas infâncias várias vezes Franz visitou essa casa, na época ele não sabia, mas já estava em busca de si mesmo, de sua essência.

Um lampejo de lembrança, um fragmento de sonho de um passado distante veio a sua mente, mas ficou sabendo que aqueles que o tinham acompanhado naquela sua existência no mundo das preocupações, agora habitavam o mundo das trilhas.

Das muitas clareiras onde outros também nesse momento dormiam profundamente também fluíram a eles o mesmo halo de energia que tinha se iniciado na Casa do Gramado, formando agora um vórtice gigantesco.

Franz e Valkíria começaram a flutuar cada vez mais as camadas mais altas do planeta, quando já estavam muito distante da superfície puderam ver que o vórtice ocupava toda a metade do planeta que agora se encontrava na sombra de sua estrela.

Muito ao longe puderam ver mais uma vez o mundo dos perplexos, lá o dia estava amanhecendo, lendo os pensamentos se perguntaram se eles se dariam conta da importância da herança que lhes foi destinada.

Valkíria respondeu em voz branda a Franz, eles são livres, quando desejarem poderão abandonar a prisão que eles mesmos criaram e viver como aqueles que habitam as trilhas.

Valkíria frisou a importância da liberdade, é muito importante esse sentimento, pois quando as pessoas se sentem assim, e escolhem um caminho, eles o fazem por opção, vindo a se envolver e entrelaçar com ele, mas quando esses caminhos são impostos por parasitas, ou pelos próprios preocupados ou perplexos, sempre estarão buscando brechas para escapar desses caminhos impostos.

Franz voltou-se para Valkíria e disse: “Nunca flutuamos tão alto, estamos no limite da atmosfera, não podemos ir além disso.” Ele não sabia ainda, mas essa seria a última frase que diria, pois quando estão envolvidos, entrelaçados, um simples olhar pode dizer tudo que é necessário, a partir daí ler os pensamentos era toda a linguagem que necessitavam.

Valkíria fitou o fundo dos olhos de Franz e um campo de luz envolveu os dois, uma estrela de luz branca muito brilhante começou a atraí-los era dela agora a luz proveniente que os envolvia, lentamente começaram a se lançar no espaço vazio.

A estrela que alimentava o planeta que durante muito tempo habitaram lhes emprestaria energia o suficiente para se lançarem no espaço profundo em direção ao centro de galáxia.

Em poucos minutos chegaram a uma órbita muito próxima da estrela, com o calor Franz e Valkíria se expandiram e se entrelaçaram ainda mais, vindo a se tornar um único corpo, como o eram quando chegaram a esse sistema solar, quando foram separados ao adentrarem a atmosfera do terceiro planeta desse sistema, vindo a se mesclar com a vida que nele estava começando a brotar.



Quando chegaram a uma órbita muito próxima da estrela que emprestava sua energia para alimentar o planeta que habitaram quando a vida ainda estava se formando por lá, já estavam viajando na velocidade da luz, para quem pudesse vê-los, com a ajuda de telescópios potentes teria a impressão de que algum fragmento do sol havia se desprendido.

Agora iam se despedir desse sistema solar, tangenciaram uma última vez uma órbita tão próxima do sol que foram envolvidos por uma pequena quantidade plasma que lhes proporcionou energia o suficiente para atingirem o centro da galáxia.

A partir daí o ser formado pela fusão de Franz e Valkíria estaria só na imensidão da galáxia, em direção ao centro dela.

Estar só para Franz e Valkíria não é sinônimo de solidão, mas agora conseguiam entender ao menos em parte a solidão que os preocupados e os perplexos sentiam, enquanto cindidos também partilharam um pouco dessa solidão, mas como vieram das estrelas, eram formados da matéria e energia que as compõem, nunca deixaram de procurar pela sua essência, por saberem possuir a mesma essência não tinham dúvidas de que esse sentimento desapareceria quando conseguissem se envolver e entrelaçar.

Tanto os perplexos quanto os preocupados tinham esquecido a origem de sua própria essência e, à medida que buscavam complementar o vazio que habitava seus mundos internos com o que existia fora deles, mais o seu vazio existencial se ampliava, ampliando assim as suas angustias.

A herança deixada por Valkíria e Franz aos preocupados e perplexos era um caminho para que as pessoas deixassem de tentar ocupar o seu vazio existencial com o que subtraiam desnecessariamente do mundo externo, uma vez que com essa atitude tudo o que conseguiam era ampliar ainda mais o seu mal estar.

As anotações que Valkíria traduziu para o seu médico e posteriormente as ampliou e, uma geração posterior foi recuperada por Franz apontava os caminhos para que as pessoas pudessem encontrar a própria essência.

No caminho do centro da galáxia Franz e Valkíria desfrutaram do prazer da ausência do vazio, ainda que estivessem na solidão absoluta do espaço, tinham toda a companhia de que qualquer ser vivo necessita, a sua própria essência.

À medida que eram atraídos pelo centro da galáxia sua velocidade de deslocamento tendia ao infinito, iam para uma região tão densa em energia, que o tempo e o espaço se misturavam, envolviam-se, entrelaçavam-se.

Quando escaparam do campo gravitacional do centro da galáxia foram lançados ao vazio profundo do Universo, ficaram em transe olhando o vazio, um ponto além do infinito, onde o espaço se encontra com o tempo.

Quando despertados do sonho profundo o brilho de todas as galáxias há muito tinham ficado para traz, e a energia que os envolvia começava a se esvair, não demoraria e chegaria ao seu final.

No vazio, além do infinito um pequeno ponto de luz começou a atraí-los, era a estrela da qual um dia tinham sido originados, ela beirava o ponto de colapso, tinha absorvido todo o Universo que estava a sua volta, mas não havia mais nenhum quantum de energia que pudesse consumir para atingir esse colapso por um dia ter perdido um fragmento que escapou de seu campo gravitacional.

Agora Franz e Valkíria estavam de volta, com energia o suficiente para fecundar a sua estrela. Um novo Universo começaria a se formar, onde o Espaço - Franz, partilhava o encontro com o Tempo - Valkíria.




Dedico à Marion, que está sempre ao meu lado, me estimulando, incentivando e principalmente me encantando.

Somos Sonhos - Parte II







À medida que anoitecia muitos dos que ainda estavam perplexos diante do imenso congestionamento começaram a se dar conta da impossibilidade de continuarem vivendo nas cidades, e quando não mais conseguíamos ver nossos colegas, dado a escuridão da noite e por eles a essa altura já terem adentrado na imensa floresta, que muitos dos perplexos se deram conta de que esse era o melhor caminho a seguir.

Uma imensa fila de pessoas começou a se formar e eles caminhavam no sentido da floresta e das trilhas, como se tivessem saído de um estado de êxtase, nesse momento estavam rejeitando tudo que uma cultura enlouquecida tinha produzido no sentido de se desprender do único mundo que conheciam, começavam a se perceber como um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante.

Enquanto caminhavam o tempo retrocedia, os limites das cidades pareciam cada vez mais próximos enquanto a floresta se ampliava, primeiro ocupando o lugar de casas, depois suprimindo ruas e avenidas, as plantas estavam começando até a crescer e invadir os espaços dos prédios.

Um mundo novo estava se formando, mas ele não seria para todos, só tinha espaço para aqueles que conseguiam sair do estado de êxtase desencadeado pela cultura que achava ter aprendido que não fazia parte do todo, que acreditavam que esse mundo só existia para servir às suas falsas necessidades.

Nesse novo mundo só teria lugar para aqueles que se sentissem como parte dele.



Quando o dia estava por amanhecer as ruas estavam desertas, era difícil determinar os limites da cidade e da imensa floresta que parecia engolí-la.

Os perplexos tinham abandonado definitivamente suas máquinas, agora como sempre foram, totalmente inúteis, desnecessárias, um monumento destinado a uma cultura egoísta que se considerava maior do que o próprio Universo que a continha. Suas máquinas agora apodreciam, seriam uma ferida que levaria séculos para se cicatrizar, até que pudessem se reintegrar à natureza de onde nunca deviam ter sido subtraídas.

Nesse momento Franz e Valkíria flutuavam mais alto do que jamais Franz tinha conseguido em seus sonhos, os quais aparentemente Valkíria sempre tivera conhecimento, ainda que nunca tivessem sido verbalizados a ela.

Nitidamente entre eles as palavras pareciam desnecessárias, olhavam tão profundamente um nos olhos do outro que podiam tocar as almas, de leve, como se fosse com a ponta dos dedos, em um tempo muito remoto tinham sido uma única partícula, que tinha se desprendido de uma estrela muito distante que habitava uma outra galáxia, isso fazia com que para eles, muitas vezes as palavras fossem desnecessárias, a simples presença, um leve olhar, já continham em si todos os significados que eram necessários.

Os perplexos que não se deram conta da necessidade de procurarem pelas trilhas, agora se aglutinavam nos imensos prédios que um dia sua cultura no ímpeto de seu egoísmo haviam construído, parece que tinham a necessidade de alcançarem os céus, por isso construíam máquinas que voavam e edifícios tão altos.

Eram tão perplexos que nunca conseguiram se dar conta de que os caminhos para chegarem aos céus, às estrelas, nunca poderia ser atingido com aquelas máquinas ou construções, se olhassem para si próprios, para o seu interior, conseguiriam perceber que eram constituídos da mesma matéria e energia da qual são formadas as estrelas, e assim as direções para se chegar a elas se desenhariam.

Da forma como faziam mesmo que as estrelas pudessem ser alcançadas simplesmente esticando as mãos através de suas janelas, não se dariam conta de serem partes delas, se queimariam, seriam até consumidos por elas, mas continuariam milênios luz distantes de sua essência. 



Gradualmente as trilhas  que em algum momento foram extensões das antigas ruas e avenidas das antigas cidades que adentravam a floresta foram se fechando por uma densa vegetação, muito antes de as antigas máquinas dos perplexos serem reintegradas à natureza, esses caminhos se fechariam definitivamente.

Nesse meio tempo os perplexos começavam a se readaptar a uma nova forma de vida, os meios de locomoção até então conhecidos seriam totalmente abandonados, isso implicava em uma remodelação das suas cidades.

Não demorou em acharem caminhos para que eles reaproveitassem suas antigas construções, como tinham dificuldades em se integrar à natureza da qual faziam parte. Esse era um conceito do qual sempre tiveram dificuldades em entender, tanto os preocupados quanto os perplexos, não conseguiam perceber a singularidade existente entre o ser e o mundo, por isso desperdiçavam tantos esforços no sentido de transformar o ambiente.

Habitar as trilhas implicava na integração entre o ser e o ambiente, chegando ao limite de não haver distinção entre um e outro, muitas vezes para essa integração ocorrer o necessário era simplesmente não fazer e, assim ser e mundo se complementariam cedendo um ao outro tudo o que era preciso.

Em sua ânsia de modificar o mundo na intenção de obter um conforto maior, tanto os perplexos quanto os preocupados gastavam tanta energia, que o pouco conforto que conseguiam obter era muito inferior à quantidade de energia que dispendiam.

Com a dificuldade em se transportarem e também aquilo que produziam, os perplexos mudaram os paradigmas de seu modo de existir, assim tudo o que produziam deixava de ser transportado para outros lugares logo passaram a confeccionar tudo o que necessitavam nos próprios lugares que habitavam.

Assim habitavam, trabalhavam e viviam no mesmo lugar, inicialmente aproveitaram suas antigas construções, e buscaram caminhos para integrá- las, muitos corredores foram construídos, ligando os antigos prédios, outras vezes ligavam um prédio ao outro, construindo um terceiro no meio.

As construções atingiam dimensões nunca antes conhecidas, às vezes parecia que conseguiram atingir os céus.

Franz e Valkíria começavam a sentir dificuldades para flutuar entre os imensos edifícios que a cada dia ficavam maiores.

Os perplexos sentiam-se incomodados com a presença dos dois, sentiam a necessidade de capturá-los, tinham a impressão de que havia alguma relação entre eles e o estranho fenômeno que os assolou, achavam que eles teriam respostas, mas o que ainda não tinham percebido é que desconheciam as perguntas.



Eventualmente Valkíria e Franz usavam os andares mais altos das antigas construções dos perplexos para descansarem e dormirem, quando dormiam às vezes sonhavam com o tempo em que habitavam uma imensidão vazia, escura e fria, iluminada brandamente por uma infinidade de pequenos pontos de luz, muito distantes espalhados por todos os lados, sabiam que um dia tinham se desprendido de um desses pontos, muito brilhante localizado no limite onde o espaço se encontra com o tempo.

Até que um dia entraram no campo gravitacional de um planeta azul, ainda em formação em que a vida estava fervilhando, crescendo e se transformando, mas ao adentrarem a atmosfera do planeta, a pequena partícula da qual se originaram se dividiu em duas, vindo a cair em partes diferentes e distantes do planeta.

A partir daí passaram a integrar e partilhar esse planeta vivo, pulsante, com a divisão da partícula suas memórias também foram divididas e fragmentadas, várias vezes estiveram próximos de se encontrarem e assim montar o imenso quebra-cabeças que poderia explicar quem eles eram e suas origens.

Certa vez estiveram muito próximos, chegaram a habitar a mesma casa, mas estavam separados por um breve lapso de tempo o que os impediu naquele momento de juntar os fragmentos que os compunham.

Nessa ocasião Franz trabalhava com os preocupados seu sonho era restaurar antigas construções e reavivar as memórias e a cultura daqueles que as construíram.

Já Valkíria tinha vivido cerca de um século antes, na época suas memórias fragmentadas deixavam seu corpo doente, o médico que a tratara tinha utilizado uma técnica nova, que estava começando a ser utilizada em um continente distante, técnica essa que mais tarde viria a se imortalizar.

Posteriormente Valkíria herdou desse médico suas anotações e publicações daqueles que construíram esse novo tipo de tratamento. Valkíria se apaixonou pelo método e dedicou sua vida no sentido de registrar e preservar essa memória.

Depois que ela deixou aquela existência o seu trabalho gradualmente foi caindo no esquecimento, só permanecendo na memória de uns poucos que tinham convivido com ela.

Praticamente um século depois Franz tinha recebido a incumbência de demolir a casa em que Valkíria tinha vivido para a construção de um edifício comercial, despersonalizado, mas que renderia lucros significativos às parasitas.

Nesse episódio eles quase conseguiram romper os lapso de tempo que os separavam, Franz redescobriu todo o trabalho de Valkíria e pessoas, que na época dele já eram idosas, mas que tinham se beneficiado do conhecimento dela.

Enquanto fazia seu projeto, Franz e Valkíria chegaram a se ver várias vezes, normalmente através de uma janela que do lado interior da casa dava vista para o jardim.

Com a ajuda daqueles que tinham convivido com Valkíria, foi possível evitar a demolição da casa, e transformá-la em um tipo de museu e centro de estudos e atendimentos a pessoas que necessitavam de ajuda.

Agora, passado mais de uma geração da época em que Franz e Valkíria se viam através de uma janela, separados por um lapso de tempo, eles tinham mais uma vez a oportunidade de se encontrarem, desde que foram separados ao adentrarem a atmosfera do planeta, jamais estiveram tão juntos, caso conseguissem se manter distanciados dos perplexos teriam a oportunidade de recompor as suas memórias.



Valkíria principalmente e Franz também, sentiam-se fascinados pelo mundo e emaranhado de trilhas que se formaram na densa floresta, mas à medida que conseguiam reviver suas memórias sentiam que o seu lugar não era nem nas trilhas nem nas cidades que os perplexos estavam reconstruindo, mas ainda que ameaçados sabiam que tinham algo muito importante a ser feito, mesmo que não soubessem ao certo do que se tratava.

Sabiam que se fossem viver nas trilhas seriam muito bem recebidos, na realidade aqueles que para lá se mudaram se sentiam gratos pelo estranho fenômeno que assolou seu antigo mundo.

Aqueles que foram viver nas trilhas no princípio de sua nova vida ficaram se questionando sobre o por que de antes terem se constituído daquela forma, seria tão mais simples não desperdiçar energia para transformar o mundo e simplesmente desfrutar o que ele tinha a oferecer.

Mas em muito pouco tempo deixaram de se questionar com coisas sem importância, essa era uma prática a ser abandonada, ela pertencia àqueles que viviam no mundo dos perplexos, nas trilhas acreditavam que as práticas inúteis desenvolvidas pelos perplexos deveriam cair no esquecimento.

Nas trilhas todo tipo de des-envolvimento era rejeitado, uma vez que à medida que ampliavam o nível de envolvimento entre eles próprios e o mundo que os rodeava, mais a vida os presenteava.

Já no mundo dos perplexos o desenvolvimento ocorria em um ritmo ainda mais acelerado que antes de ter ocorrido o imenso congestionamento, mas a cada vez que conseguiam resolver uma situação problema, a própria solução que tinham criado, acabava por desencadear uma série de outras situações tão ou mais problemáticas que a inicial.

Os perplexos estavam ficando obcecados com a idéia de capturar Franz e Valkíria, que ficavam flutuando entre os corredores formados pelo emaranhado de construções que a cada dia mais se agigantavam.

Os dois estavam ficando cansados, no princípio havia uma infinidade de prédios vazios, principalmente nos andares mais altos, mas agora estava praticamente tudo ocupado pelos perplexos e suas máquinas, estava ficando difícil encontrar um lugar em que pudessem descansar e dormir e, de alguma forma eles sabiam que as respostas do que ainda os mantinham no mundo dos perplexos só poderiam ser encontradas nos sonhos, enquanto dormiam.



Ficar flutuando era gratificante para Valkíria e Franz, mas eles tinham consciência da intenção dos perplexos, que ainda estavam envoltos nos conceitos e preconceitos de seu antigo mundo, diferente do que ocorria nas trilhas, eles tinham uma imensa dificuldade em conviver com seres que fossem diferentes deles, seja na aparência ou nos modos de pensar, sentir e agir.

Franz e Valkíria não tinham nenhuma relação com o estranho fenômeno que tinha assolado o mundo dos perplexos, mas eram os únicos diferentes que ainda viviam entre eles.

Essa diferença atraia a atenção dos perplexos que estavam sempre à procura de uma forma para capturá-los, com a intenção de obterem respostas sobre o fenômeno que tinha alterado o seu mundo e o seu jeito de ser, ainda que não tivessem a menor idéia de quais seriam as perguntas a serem feitas, se em algum momento se dessem conta de quais eram as perguntas, não teriam dificuldades em encontrar as repostas, para isso eles não necessitavam de Franz ou Valkíria.

Diferente do que ocorria nas trilhas, os perplexos não se davam conta de que as respostas que podiam amenizar as suas angústias estavam neles próprios, essas jamais seriam encontradas em outros seres ou lugares.

Por muito tempo ainda os perplexos sofreriam com os efeitos de seu des-envolvimento, que os levava à ruptura entre eles e o mundo que os rodeava, estavam tão obcecados com seu modo de vida e não percebiam que quanto mais se des-envolviam, mais se afastavam de sua própria essência.

Nas trilhas não havia ruptura entre ser e mundo, quando parte deles deixaram de ser perplexos e para lá se mudaram perceberam que faziam parte de um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante. E à medida que se envolviam entre eles próprios e o mundo que os rodeava mais se aproximavam da própria essência.

As dúvidas que ainda permeavam a vida de Valkíria e Franz não poderiam ser desfeitas nem nas trilhas nem no mundo dos perplexos, eles sabiam disso, também sabiam que só no mundo dos sonhos elas podiam ser desfeitas e para isso precisavam dormir, no estágio em que estavam ainda que pudessem sonhar enquanto flutuassem, não conseguiam ir acima dos prédios mais altos e, assim corriam riscos de serem capturados pelas inúmeras redes que os perplexos tinham confeccionados para essa finalidade, assim, para poderem sonhar eles procuravam os andares altos de prédios que achavam estar abandonados, ainda que tomassem cuidados, essa prática estava em vias de os levarem à sua captura.



O fato que ocorreu na seqüência fez com que Valkíria e Franz se afastassem do núcleo onde viviam os perplexos.

À noite adentraram um antigo prédio que aparentava estar vazio, para poderem dormir e se voltar para os seus sonhos, sabiam que os caminhos que tinham a trilhar poderia deixar resquícios aos perplexos para que eles tivessem a possibilidade de deixar o seu estado de perplexidade.

Mas há muito eles estavam sendo espionados, os perplexos já sabiam que não podiam surgir para eles inesperadamente, pois isso os espantariam levando-os a fugir, assim armaram uma armadilha.

Pela manhã Valkíria ainda dormia profundamente. Franz já desperto se levantou e foi ver o sol nascer em uma outra ala do prédio, quando tinha se afastado um pouco da sala onde tinham dormido a porta se fechou abruptamente.

No momento em que Franz se deu conta vários perplexos estavam tentando cercá-lo, e Valkíria tinha ficado trancada no quarto onde tinham dormido.

Ainda que com alguma dificuldade Franz conseguiu escapulir por uma das janelas, quebrando-a, mas Valkíria tinha ficado indefesa, até então a capacidade de flutuar pertencia a Franz, ela só o acompanhava.

Valkíria estava indefesa, nesse momento sozinha, presa e assustada, por ter seu sono interrompido.

Felizmente os perplexos não tinham conhecimento de que só Franz tinha a capacidade de flutuar, assim se cercaram de cuidados para se aproximar dela e evitar que ela também encontrasse alguma janela para escapulir. A sala onde estava presa se encontrava no centro do prédio, distante das janelas.

Os perplexos não tinham a intenção de prejudicá-los, na realidade, eles  sempre tiveram muitas dificuldades para saberem o que desejavam, suas vidas eram permeadas por ansiedades e angústias, isso os impediam de voltarem-se a si mesmo, uma vez que essa atitude os levariam ao encontro de suas ansiedades e conseqüentes angústias, assim sempre buscavam soluções para as suas próprias questões fora se si mesmos, enganando-se a si próprios, pois assim não se deparavam diretamente com seus fantasmas e sofrimentos, mas esse ciclo vicioso só provocava um sofrimento ainda maior.

Nem Franz, nem Valkíria tinham as respostas para questões que eles sequer imaginavam quais seriam as perguntas, nem tampouco as questões dos perplexos estavam relacionadas com o estranho fenômeno que desencadeou o imenso congestionamento que transformou profundamente o modo de ser deles, nisso sim estava a fonte de sofrimento dos perplexos.

Mas para chegar a isso eles precisavam deixar que seus sentimentos viessem à tona e usassem seus pensamentos para constituir uma lógica que desse sentido ao que sentiam e na seqüência criar um emaranhado de atitudes que fossem coerentes com o que sentiam e pensavam.

Muito antes de o estranho fenômeno que como conseqüência provocou o congestionamento que mudou de sobremaneira o modo de vida dos perplexos, seus sentimentos vinham aos poucos sendo reprimidos, e chegou há um ponto que provocou um colapso psíquico coletivo, caracterizado pela cisão entre os sentimentos e pensamentos, foi essa cisão que deu origem ao mundo dos perplexos.

Franz e Valkíria eram os únicos em que essa cisão não havia ocorrido, eles não pertenciam mais ao mundo dos perplexos.



Os perplexos não tiveram dificuldades maiores em aprisionar Valkíra, mas também não tinham nenhuma intenção de prejudicá-la, passado a tensão da captura estavam tentando se comunicar com ela, tentavam explicar que só estavam em busca de respostas e queriam que ela atraísse Franz, que não se afastava das proximidades de onde agora ela se encontrava em cativeiro.

Mas Valkíria não sabia o que responder na mesma proporção em que os perplexos não sabiam o que perguntar.

Em aparente desespero perguntaram o ela sobre os motivos de eles terem transformado o modo de vida do mundo que consideravam deles, mas Valkíria não sabia o que responder, a pergunta para ela não tinha qualquer sentido.

Ela não tinha idéia do que os perplexos consideram ser seus antigos modos de vida, essas eram lembranças tinham praticamente se apagado de sua memória, à medida que os conteúdos de seus sonhos dominavam seu psiquismo.

Quanto mais Valkíria e Franz se aprofundavam nos conteúdos presentes em seus sonhos, mais se aproximavam de sua essência e, assim, as dúvidas dos perplexos não faziam sentido a ela, pois na medida em que eles deixaram de sonhar, mais eles se separavam do mundo que os rodeava, como se fossem seres destacados dele, ainda mais cindidos do que antes de ocorrer o estranho fenômeno que deu origem ao imenso congestionamento que originou as mudanças de vida no mundo dos perplexos.

Já a segunda afirmativa presente no questionamento dos perplexos, tinha ainda menos sentido do que a pergunta inicial, quanto mais Valkíria e Franz se aproximavam de sua essência, menos tinha sentido considerar o mundo como algo possível de posse, uma vez que todos somos parte do todo, um Universo infinito, vivo, pulsante.

Depois de alguns dias de cativeiro, por mais que pensassem os perplexos não conseguiam elaborar nenhuma pergunta e, aparentemente Valkíria começava a adoecer, por mais que tentassem alimentá-la, na concepção deles ela nada aceitava e por isso achavam que ela estava adoecendo, não se davam conta de que os alimentos deles, não tinham qualquer finalidade a ela, para sobreviver ela precisava ficar exposta às estrelas, de onde vinha a energia que a supria.

Os perplexos começaram a se dar conta de que Valkíria não tinha como responder às suas questões, mas acreditavam que mantendo-a em cativeiro isso possibilitaria a captura de Franz e ele talvez tivesse as respostas.

Ela já não tinha mais energia para se movimentar, assim resolveram deixá-la próxima a uma janela envidraçada para que Franz pudesse vê-la, sabiam que ele tentaria libertá-la, e assim conseguiriam capturá-lo também. Talvez ele tivesse as respostas que desejavam.

Construíram uma gaiola de vidro muito resistente para abrigá-la, e a deixaram junto a uma grande janela para que Franz pudesse vê-la.

Estava anoitecendo, logo as estrelas tomariam conta do céu.



Quando Franz viu Valkíria próxima à janela ele não teve dúvidas se aproximou para se envolver com ela e voltassem a flutuar, tinha a intenção de se afastar do mundo dos perplexos definitivamente depois desse episódio, mas do lado de fora do prédio não era possível perceber que ela estava em uma gaiola de vidro.

Só quando chegou próximo à janela é que percebeu que Valkíria estava aprisionada, quando se viram se tocaram de leve apenas com o vidro da gaiola os separando, mas há muito Valkíria e Franz estavam entrelaçados, e quando tocaram as mãos apenas separados pelo vidro da gaiola, sentiram como se estivessem acariciando as próprias almas, eles estavam envolvidos, ainda que houvesse uma parede de vidro separando-os, suas almas podiam se entrelaçar.

Franz decidiu ficar ao lado de Valkíria, mesmo que isso implicasse em sua captura também, enquanto se olhavam e se tocavam através da parede de vidro a memória de Franz voltou ao tempo em que se viam pela janela de uma antiga casa que inicialmente seria demolida, mas posteriormente ele participou de sua recuperação, naquela época estava separado de Valkíria por um lapso de tempo e, ainda assim eles vieram a se encontrar, então não seria uma parede de vidro que iria separá-los.

Quando se tocaram, Valkíria se animou e sentiu a energia fluir em seu corpo, levantou-se lentamente para olhar Franz nos olhos, tinha acabado de anoitecer, ao longe no céu ela pôde ver um pequeno ponto de luz, aparentemente uma pequena estrela com um brilho cálido, de onde estavam, por outros ela só poderia ser vista por potentes telescópios, daqueles que giram na órbita do planeta, aparentemente Valkíria olhava para o vazio, mas a energia fluiu pelo seu corpo como nunca antes tinha ocorrido.

Ao longe os perplexos vislumbraram um brilho intenso vindo da gaiola onde Valkíria estava presa, eles não demoraram para surgir, dessa vez Franz não denotou qualquer esforço em tentar escapar, como ocorrido com Valkíria, também não tinham qualquer intenção de prejudicá-lo, só queriam respostas, ainda que continuassem sem qualquer idéia de quais seriam as perguntas.

Quando os perplexos se aproximaram, eles desviaram momentaneamente a atenção de Valkíria, e o brilho que emanava da gaiola cessou. Não tiveram dificuldades em aprisionar Franz, e resolveram deixá-lo junto com Valkíria, em breve tentariam mais uma vez se comunicar com eles, em busca de respostas.