domingo, 22 de dezembro de 2013

Estações.



Depois de ter caminhado até os limites da Vila do Pôr do Sol Franz encontrou uma pequena trilha muito fechada, com espaço só para uma pessoa, muitas vezes tinha que desviar o corpo da vegetação que exalava um leve perfume adocicado, para não machucá-la.

A luz da Estrela Branca que iluminava esse mundo que agora se aproximava da linha do horizonte mudava sutilmente sua cor mesclando o branco e um leve tom de lilás, só visível quando refletido em pequenas flores brancas que despontavam entre a vegetação.

No fim da trilha ao longe Franz avistou uma pequena construção que lhe era muito familiar nesse mundo, dotado de uma simplicidade que traz em si tudo aquilo que mais é necessário.

Refletiu por um instante toda a sua estada até então no Mundo das Estações e percebeu uma sutil semelhança com a Casa do Gramado e o Mundo dos Esquecidos, em nenhum momento se deparou com algo que não tivesse utilidade ou fosse excedente, mas ao mesmo tempo traziam em si tudo o que era necessário.

Sentiu estar no limite da Vila do Pôr do Sol, a construção que vira era uma pequena estação, a menor que já tinha visto, dotada apenas de uma pequena cobertura, no mesmo nível da rua, mas tão aconchegante como todas as demais.

Dentro dela olhando os trilhos à sua esquerda, ao longe entre duas montanhas avistou a pequena vila que tão bem o acolhera, já do lado direito os trilhos adentravam o que mais se assemelhava a uma pequena trilha e desapareciam logo após uma tênue curva em meio à vegetação.

Próximo à estação só algumas poucas casas, Franz sentiu a vida dentro delas, mas não percebeu a presença de nenhuma outra pessoa.

Em seu interior a estação dispunha de um pequeno balcão duas mesas redondas com cadeiras à sua volta, não faltavam nesse pequeno espaço o café, chá e umas poucas guloseimas.

O cheiro de café exalava por todo o ambiente, inda que não houvesse mais ninguém no espaço estava claro que alguma pessoa tinha acabado de prepará-lo e deixado lá para quem o desejasse, o aroma estava irresistível.

Depois de apreciar o café Franz se dirigiu à plataforma que tinha apenas um pequeno banco, lá deparou com um senhor que lhe pareceu familiar aguardando o próximo trem.

Era o senhor que tinha ficado com a sua pequena maleta quando se dirigiu à Grande Estação, sentiu que ele o aguardava, com um leve sorriso nos lábios o senhor apontou a Franz os seus pertences.

Franz chegou a segurar suas coisas nas mãos, espiou o seu interior, mas sentiu que não mais precisava delas, com um sorriso a devolveu ao senhor, que devolveu o sorriso, pegou a maleta e com passos lentos se afastou da plataforma e caminhou em direção a uma das casas que ficava próximo à Estação.

Franz ficou sozinho sentado no banco junto à plataforma, a luz da estrela agora com um tom lilás mais forte vinda de entre as montanhas deixava tudo em volta na escuridão.

A luz tem um aspecto curioso, a ausência dela nos deixa na escuridão porém quando mais forte traz em si a penumbra. A vegetação, antes de um verde intenso, quebrado pelo colorido de suas flores, agora apresentava um tom cinza escuro.

Não tardou e ouviu o som peculiar do trem que se aproximava, diferente dos que estava acostumado a ver esse dispunha de um único vagão, quando parou as poucas pessoas que estavam em seu interior desceram.

Com passos lentos e as mãos vazias Franz embarcou, todos os bancos estavam vazios e não havia mais ninguém na plataforma.

O trem ficou um longo tempo estacionado, mas nem por isso cansativo, a luz antes forte da estrela agora era mais branda, o que devolveu à vegetação o seu verde intenso.

Após o blim-blom característico as duas únicas portas se fecharam e lentamente o trem se moveu em direção à curva que adentrava a vegetação no que mais se assemelhava a uma trilha, da janela se esticasse o braço Franz poderia tocar a vegetação.

O trem se movia lentamente, aparentemente com o desejo de não danificar as plantas à sua volta.

O entardecer no Mundo das Estações era extenso, a luz da estrela podia ser vista no horizonte, mesmo após muito tempo ela ter desaparecido.

Após o que pareceria horas no Mundo dos Preocupados o trem diminuiu ainda mais a sua velocidade até parar totalmente e abrir as portas, mas aqui como no mundo dos Esquecidos aparentemente o tempo não trazia qualquer preocupação.

Onde estava não havia estação, mas à frente não havia mais trilhos, os Preocupados teriam a impressão de estar em meio ao nada, mas Franz sentia estar em casa.

Do cubículo na frente do vagão, desceu o seu condutor que se dirigiu ao outro extremo dele, ao cruzar com Franz mostrou um leve sorriso nos lábios e entrou novamente no trem no seu lado oposto.

As portas se fecharam e mais uma vez, lentamente, agora apenas com o seu condutor foi-se afastando.

Franz seguiu a Trilha há muito familiar, entre as árvores sentiu o movimento de alguém que caminhava junto com ele com passos firmes, era o Freud-cão que viera recepcioná-lo.

Mais alguns instantes e se deparou junto ao gramado, na varanda acomodada no banco com seu pequeno cachorro branco aos pés Valkíria parecia esperá-lo, acima das grandes árvores às costas de Franz a Estrela Azul já brilhava intensamente, iluminando a varanda e a face de sua amada.

Na entrada da varanda se envolveram em um abraço, entrelaçando as almas, flutuando, em direção à Estrela da qual são partes.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Janelas.



Janelas são curiosas, elas sempre ligam dois mundos.

- Boa noite Franz, estava com saudades de você.

- Você me encontrou minha doce Valkíria e eu estava te esperando.

- O que está apreciando Além da Janela.

- Sei que você está em algum lugar do outro lado, desejo te alcançar, tocar bem de leve, com a pontinha dos dedos.

- Também é o meu desejo.

- Aqui no jardim, sentado no banco, fico apreciando essa velha casa, do outro lado da janela, sinto a sua presença, mas quando entro na casa tudo que percebo são ruínas.

- Muitas vezes também te observo no jardim, mas é diferente de quando saio da casa, com árvores e o gramado aparado, quando te vejo sentado, fazendo seus desenhos enxergo um jardim abandonado, tomado pelo mato, mas quando saio para ir em seu encontro, percebo o jardim cuidado e o banco que ocupa vazio.

- Parece que estamos vivendo em tempos diferentes, mas sinto haver uma trilha que une nossos corações, mesmo quando estamos em tempos diferentes.

- Desejo passear com você por essa trilha, desenhada pela nossa estrela, a Grande Estrela Azul, de mãos dadas, olhando nos olhos, lendo pensamentos.

sábado, 30 de novembro de 2013

A Estrela Azul.



Lá eu você e ele não deixam de ser nós, sem com isso deixar de ser.

Brilha no infinito, onde o espaço se encontra com o tempo, lá espaço é tempo e tempo é espaço, o antes pode estar acontecendo agora e muitas vezes o depois já aconteceu.

Todos que dela saem em um raio de luz azul levam o seu eu no coração, não deixando com isso de ir junto com o nós.

Ela habita o infinito e seus raios de luz viajam até mundos que residem nos extremos do Universo e, assim ao mesmo tempo que brilha no infinito, brilha também no centro.

Pois tudo que habita o Universo se encontra em seu centro e ao mesmo tempo espalhado em seus extremos.

Cada raio de luz azul traz em si a essência da estrela que o projetou, deixando uma tênue trilha que une seu coração à sua essência.

E essa essência desenha o caminho que leva de volta à sua origem, onde o eu, o você e ele não deixam de ser nós, sem com isso deixar de ser.

domingo, 17 de novembro de 2013

Um Novo Anjo



Quando os primeiros raios de sol começaram a iluminar a varanda lentamente Valkíria flutuou em direção à trilha.

Franz ainda dormia profundamente, estava habitando o mundo dos sonhos.

Com o movimento Freud-cão despertou e junto com ele o pequeno cachorro branco de Valkíria, com eles um pequeno anjo que viera se juntar aos demais durante a noite quente.

Na noite anterior Valkíria e Franz adormeceram na varanda, aninhados, envoltos pela magia que rodeia a Casa do Gramado e das árvores que ficam junto à varanda quando eles adormecem, entre as folhas das árvores a luz da Grande Estrela Azul transpassava, iluminando brandamente a varanda e envolvendo aqueles que nela passeavam de mãos dadas no mundo dos sonhos.

Quando a noite atingiu seu ápice a luz azul iluminou um pequeno arbusto que balançava, o movimento fez com que Freud-cão empinasse suas orelhas e olhasse atentamente o arbusto se balançando, não havia qualquer brisa ou vento, só o ar quente, parado, da madrugada.

A Estrela Azul desenhou uma tênue trilha ligando o pequeno arbusto aos poucos degraus que davam acesso à varanda.

Do arbusto um pequeno anjo de quatro patas andou em direção à varanda ao chegar aos degraus que davam acesso à varanda emitiu um leve choro, mesmo em pé não conseguia subir.

Freud-cão que estava bem próximo se levantou e o pegou pelo pescoço, colocando-o aninhado entre ele e o pequeno cachorro branco de Valkíria que agora, com carinha de gente que está com soneira tinha despertado.

Cheirou o pequeno visitante e todos voltaram a dormir profundamente.

Pela manhã, quando Valkíria flutuava em direção à trilha Freud-cão logo despertou, seguido do pequeno visitante, e andando lentamente a acompanharam.

O pequeno cachorro branco também despertou, mas ainda com sono, observou o movimento e antes que chegassem à entrada da trilha voltou ao mundo dos sonhos.

Ao chegar na entrada da trilha Freud-cão parou e ficou observando Valkíria que a adentrava flutuando.

Ela estava em transe com os olhos abertos, mas ainda no mundo dos sonhos, fitando o infinito.

O pequeno visitante acompanhou em passos lentos a Valkíria.

Quando desapareceram na trilha, Freud-cão que tinha parado na entrada dela voltou em passos lentos à varanda, não queria despertar aqueles que ainda habitavam o mundo dos sonhos.

Valkíria



Sentada no banco da varanda da Casa do Gramado Valkíria aprecia o entardecer, na linha do horizonte atrás das montanhas a Grande Estrela Azul é a primeira a surgir.

Brincando no centro do gramado, entre a varanda e as árvores ao fundo seu pequeno cachorro branco, Nick, brinca, tentando pegar os últimos raios de sol que passam entre as folhas das árvores e refletem no grama.

Exceto por esses poucos raios de luz todo o gramado já se encontra na sombra das grandes árvores, mas toda a varanda está tomada por uma intensa luz alaranjada, que não chega a aquecer, mas ofusca a visão de Valkíria.

Já Nick, no gramado, voltado para a varanda observa atentamente Valkíria, sentada no banco apreciando a noite que se avizinha.

Com a luz mais branda ao apreciar o chão de madeira Valkíria aprecia os pequenos riscos, desenhos que se formam nessa e invadem o gramado, como se fossem pequenas trilhas.

Seguindo esses pequenos riscos até onde seus olhos alcançam ela percebe um deles, muito tênue que adentra entre as árvores, agora entre elas, já abaixo de suas copas o sol já abaixo do horizonte deixa uma densa luz vermelha que aos poucos vai-se apagando.

Com o céu deixando sua tonalidade escura se apagar, cedendo o lugar para a escuridão, Nick, deixa suas brincadeiras e corre em direção à varanda e se deita ao lado de Valkíria, emprestando dela o seu calor, seu pequeno cachorro aprecia especialmente cuidar dos sonhos de sua doce companheira.

Em transe Valkíria flutua, fica quase sem tocar no banco, Nick balbucia se sobe em seu colo, ele quer cuidar e emprestar o calor.

Lentamente se dirigem ao centro do gramado, pouco acima da copa das árvores, envoltos pela luz azul da Grande Estrela.

Valkíria dorme profundamente, sente que a trilha que viu desenhada no chão da varanda e adentrava o gramado até as grandes árvores é a que une seu coração a Franz, e esse estará chegando com os primeiros raios do sol.

domingo, 6 de outubro de 2013

Franz



Enquanto esteve entre os Preocupados Franz sempre teve predileção em apreciar o entardecer, é a hora que mais o fascina.

Em especial aqueles dias que anoitecem mais cedo, com o céu sem nuvens, ele gosta especialmente das muitas tonalidades de azul que o horizonte assume, até que à noite resta a escuridão, permeada por infinitos pontos brilhantes, que oferecem uma branda iluminação àqueles que apreciam a magia que a tudo envolve.

É quando o azul do céu assume tonalidades mais escuras que tem o hábito de apreciar chá quente com pão de milho, levemente aquecido.

Ao se alimentar prefere manter as luzes apagadas e apreciar o céu escurecer. Lentamente o tic-tac do relógio tem seu som abafado e diminuído até desaparecer, junto com o escurecer.

Os Preocupadas explicam o azul do céu com suas infinitas tonalidades, com algo que denominam de índice de refração da luz, são os raios do sol que ao atravessarem as muitas camadas de ar se dividem, formando essas tonalidades azuis.

O Sol mesmo, que durante o dia apresenta uma tonalidade amarelada, com o entardecer torna-se oras em um vermelho intenso, e outras vezes em uma tênue cor laranja.

Curioso que os Preocupados não têm o costume de se perguntar qual é a cor da Estrela que lhes dá a vida, possivelmente pensam que ela é amarela, se é isso, então por que o céu fica azul e no entardecer assume a cor avermelhada.

Olhando muito além do horizonte, lá no infinito, onde o espaço se encontra com o tempo, agora com o horizonte envolto na escuridão, nitidamente Franz aprecia a sua estrela. A Grande Estrela Azul, que o alimenta e o envolve, acredita que além da explicação dos Preocupados, o azul do céu, também se dá pela luz de sua estrela, que envolve toda a vida que dela emana.

Lentamente começa a flutuar, inicialmente até o centro da sala onde estava se alimentando, ao sair do chão seu dócil cachorro balbucia um leve som, Franz desvia seu olhar a ele, que vem se aninhar, também envolto pela luz azul.

Aos poucos flutuam em direção à janela e se deslocam noite adentro para um outro lugar, não muito distante margeado por montanhas, magias e muitas árvores.

Franz e seu dócil cão dormem profundamente envoltos pela luz de sua estrela, sentem que os primeiros raios do sol trarão com eles Valkíria que brandamente virá despertá-los de uma noite de sonhos.

domingo, 8 de setembro de 2013

Freud-cão



Antes de ir à padaria parei em casa para apreciar meu cantinho, o céu tinha uma tonalidade azul-escuro, anunciando a noite que se avizinhava, pela fresta do portão que dá vistas à rua ao alto um pequeno traço do céu, a lua refletindo apenas um pequeno filete à sombra desse mundo que habitamos, o mundo dos Preocupados.

Acima da lua A Grande Estrela Azul brilha intensamente, desenhando a Trilha de acesso à Casa do Gramado.

No caminho da padaria, por uma rua deserta, com Valkíria ocupando todos os seus pensamentos e sentimentos, Franz se senta em um muro do jardim de um prédio, e aprecia a lua que brilha intensamente.

Do outro lado da rua, a poucos metros um grande cachorro, sozinho, para e observa atentamente a cena por um breve instante e desaparece.

Ao olhar novamente já não mais é possível identificar a rua, do outro lado da calçada, o verde escuro das Grandes Árvores divide dois mundos.

Quando estava entre os Preocupados, sempre foi muito difícil caminhar com o Freud-cão pelas ruas, ele sempre puxava com muita força quem o tentava conduzir, muitas vezes machucando as mãos de Franz que o tentava segurar e, também ferindo o próprio pescoço pelo esforço que fazia.

Olhando o outro lado da calçada agora ficava esclarecido, Freud-cão não nasceu para ser conduzido, nem tampouco para viver entre os Preocupados, ainda que se o deixassem fazer as próprias escolhas convivia muito bem eles.

Entre as Grandes Árvores do outro lado da calçada, uma pequena fresta, a Trilha que se desenha, ao chegar perto, ao fundo Franz percebeu Freud-cão caminhando tranquilamente entre as árvores, esse é o mundo dele, livre, solto, sem amarras, mas sempre acha um caminho através da Trilha para apreciar aqueles que gosta, quando não estão na Casa do Gramado.

No interior da Trilha, agora no escuro, só o brilho da Grande Estrela Azul adentra brandamente.

Em um breve olhar Freud-cão olha nos olhos de Franz, convidando-o, mas sente que não será acompanhado e desaparece na Trilha.

Num breve olhar Franz sente as Grandes Árvores do outro lado da calçada se apagarem dando lugar às casas que sempre ali estiveram.

Em direção à padaria Franz sente Freud-cão na varanda da Casa do Gramado, descansando junto com Nick, outros anjos e muitos seres encantados.

A Floresta

A floresta é o elemento de transição é ela que delimita o Mundo dos Preocupados e a Casa do Gramado, mas ela se encontra nos limites do mundo de Valkíria.

É um lugar que só existe para aqueles que a sabem preservar, aqueles que ainda mantém contato com a sua essência.

Para esses ela sempre se encontra próxima, às vezes há alguns passos, ou uma simples caminhada, ela existe só àqueles que sabem apreciar a própria essência.

Algumas vezes ela surge como um pequeno jardim na frente de algumas casas, outras em uma praça ou em um pequeno parque. Ainda há aqueles que conseguem entrar em contato com ela em um pequeno vaso disposto em algum lugar especial da própria casa ou de algum ambiente que habita.

Os preocupados começaram a perder de vista as suas florestas, quando começaram a pensar que o mundo que os rodeava nada mais era do que uma fonte no princípio inesgotável de recursos para manter a existência deles.

Mais tarde vieram a descobrir que essa fonte não era inesgotável, ela tinha seus limites, assim, começaram a tomar atitudes, as quais denominavam de sustentáveis, e muitos começaram a se designar como protetores do meio ambiente.

Ainda que achassem estar conseguindo alguns poucos resultados, na prática tudo que estavam obtendo era uma pequena redução no ritmo da destruição das florestas e consequentemente de suas próprias essências.

Muitas vezes criaram jardins, às vezes parques inteiros, outras insistiam em manter árvores adoecidas em pequenas calçadas tomadas pelo concreto, mas ainda que alguns chegassem a perceber ser eles próprios que faziam com que essas árvores adoecessem, e evidentemente também adoeciam a si próprios.

Raros eram aqueles que notavam a magia por traz das florestas, mesmo quando ela ocupava só um pequeno vaso. Os jardins e parques que criavam só sobreviviam com o constante trabalho de manutenção dos preocupados, muito diferente das florestas.

A densa floresta que rodeava a Casa do Gramado não necessitava de cuidados, ela se mantinha a si própria, ainda era fonte de recursos não só a Valkíria e aqueles que com ela partilhavam a casa, mas também a muitos outros que habitavam a trilha.

Esses não tinham o hábito, diferente dos preocupados, de subtrair nada do que a floresta produzia, simplesmente sentiam gratidão em aceitar o que ela lhes oferecia.

Na Casa do Gramado não havia nada de excedente, por outro lado, tinham em abundância tudo quanto necessitavam, o mesmo ocorria a todos que habitavam a trilha.

A Estrela Azul

Uma leve brisa balança a cortina da janela, anunciando o fim do entardecer que se aproxima. É chegado o momento de se acomodar na varanda e aproveitar a energia que alimenta a vida.

No horizonte permeado pelas Montanhas Azuis que em seus pés, nessa época do ano se encontra rodeada pelos Ipês amarelos que parecem fechar todos os caminhos para as suas entranhas.

Defronte à varanda da Casa do Gramado entre os ipês uma tênue linha começa a se desenhar, mostrando o caminho para se chegar ao coração das montanhas.

Com o anoitecer a estrela mais brilhante, a de luz azul ilumina a tênue trilha que leva ao coração das montanhas se unindo aos corações de Valkíria e Franz, que agora flutuam no centro do gramado em direção à trilha que inicia entre os ipês.

Franz e Valkíria, agora em transe, na trilha quase que totalmente fechada pelas grandes árvores, flutuam lentamente em direção ao coração da montanha.

A escuridão da trilha só é quebrada pela luz azul da grande estrela que transpassa entre as folhas das árvores, fornecendo uma leve iluminação, cálida, para que assim não chegue a interferir no transe em que ambos se encontram.

No meio da noite, Franz e Valkíria chegam ao coração da montanha, uma pequena clareira, agora permeada pela luz azul que de tão intensa ofusca a lua cheia, que agora ilumina o lado oposto da montanha.

Do outro lado a lua também apresenta um brilho tão intenso que para aqueles que não conhecem o mundo das trilhas, faz com que o brilho da estrela azul se pareça com o das outras estrelas, talvez só com um pouco mais de luminosidade que as demais, mas nada que atraia mais as atenções.

A grande estrela azul só mostra a sua luminosidades àqueles que se sentem como parte das trilhas, parte do todo, desse infinito Universo, vivo, pulsante.

Na pequena clareira no coração das montanhas, a grande estrela azul brilha intensamente no centro do céu, levando Valkíria e Franz a flutuarem, agora acima das montanhas, tão alto, que se não estivessem em transe poderiam ver tanto a Casa do Gramado quanto o pequeno apartamento que Franz usava para dormir, lá no mundo dos preocupados, ainda que eles estivessem separados por um breve lapso de tempo.

A energia que vinha da estrela azul e chegava e esse mundo distante é o suficiente para estreitar o breve intervalo de tempo entre Franz e Valkíria, quando esses se encontravam no mundo do sonhos.

Ao amanhecer à medida que a luz do sol começasse a ofuscar a grande estrela azul Franz voltaria ao mundo dos preocupados, enquanto Valkíria calmamente iria fazer companhia aos seus irmãos lá na Casa do Gramado.

Ao acordar, Valkíria e Franz teriam acumulado energia o suficiente proveniente da estrela da qual um dia se desprenderam para se manterem juntos, ainda que vivendo em tempos diferentes, para eles o sonho era um lugar em que esse intervalo de tempo podia ser rompido.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Valkíria e Franz




A varanda sempre representa um lugar para se estar, para partilhar a presença, é onde Franz e Valkíria ficam nos finais de tarde, simplesmente sentindo.

Enquanto Valkíria descansa tranquilamente no banco, Franz permanece sentado no degrau que dá acesso à entrada casa. Ele está apreciando as árvores que ladeiam o gramado, em especial o Ipê Amarelo, em frente à janela do quarto onde descansam, quando estão no mundo dos sonhos, e nessa época do ano o ipê está todo florido.

Ainda se recorda do dia em que encontrou próximo à bifurcação a pequena muda, que com dificuldades tentava achar uns poucos raios do sol, em busca da vida.

Quando Franz a encontrou era tão pequenina que parecia minúscula na palma de sua mão, entre as raízes de grandes árvores, sem espaço para crescer.

Desejou ver a árvore toda florida ao despertar do mundo dos sonhos na companhia de Valkíria.

Ao sentir a presença de Valkíria e Franz na varanda, apreciando, o Freud-cão surgiu correndo da trilha que se desenha com os desejos, junto com ele Nick, o pequeno cachorro branco de Valkíria também veio partilhar a companhia.

Freud-cão se deteve onde Franz descansava, colocando a cabeça embaixo do braço dele, chamando-o para brincar, enquanto o pequeno cachorro branco, em um salto subiu no banco e se aninhou no colo de Valkíria, pedindo carícias.

No lado oposto da Casa do Gramado o sol se escondia entre as montanhas azuis, além das grandes árvores que ladeavam o gramado.

Franz e Freud-cão, brincavam no centro do gramado enquanto Valkíria acariciava o pequeno Nick.

Quando na linha do horizonte as estrelas começaram a surgir, lentamente Franz e seu cachorro se dirigiram à varanda, ao se sentar no banco, ao lado de Valkíria, Nick soltou um pequeno gemido de prazer.

Ficaram os quatro apreciando o Ipê Amarelo, enquanto a noite se avizinhava.

A Grande Estrela Azul, gradualmente aumentava o seu brilho, iluminando toda a varanda, o gramado, antes extenso agora tinha árvores em toda a sua extensão, se esticassem as mãos, Franz e Valkíria conseguiram tocar algumas flores do ipê.

As árvore só tinham deixado uma pequena fresta, por onde a luz da estrela azul iluminava agora as faces de Valkíria, Franz e seus cachorros.

Em transe ficaram flutuando no centro da varanda, envolvidos, entrelaçados.

Eram todos da mesma essência: Valkíria, Franz, os cachorros e toda a Casa do Gramado, fervilhando vida, em um mundo de sonhos.

A Varanda




Ela ocupa toda a frente da Casa do Gramado, no centro a porta de entrada, que dá acesso à sala da casa, há ainda uma janela de cada lado da porta, uma delas de um dos quartos e a outra da própria sala.

Na Casa do Gramado a porta da sala e as janelas ficam sempre abertas, só são encostadas nas noites quando está frio.

Quem vem do gramado para acessar a varanda, há um pequeno desnível, apenas dois degraus, com corrimãos dos dois lados, que envolvem toda a varanda, como se a estivesse abraçando.

A construção é toda de madeira, no chão através de pequenas frestas dá para ver a terra abaixo da casa, onde a vida fervilha.

Em frente à janela da sala fica o banco de balanço que habitualmente é ocupado por Valkíria e Franz, em especial nos finais de tarde, quando começa a anoitecer, é nesse momento que acima das grandes árvores que ladeiam o gramado que a Grande Estrela Azul brilha, muitas vezes tanto quanto a lua que costuma brilhar nesse momento do lado oposto da casa.

O Freud-cão dorme tranquilamente nesse momento que a noite já engole a luz do dia, muitas outras estrelas ocupam o horizonte, onde não são ofuscadas pela Estrela Azul, que brilha intensamente.

Em um sobressalto Freud-cão salta para o interior da casa e, curioso espia todos os seus espaços, lentamente retorna para o local onde antes estava adormecido.

Nick, o pequeno cachorro branco de Valkíria levanta a cabeça e fica observando a cena, também se levanta e com preguiça se aninha junto ao cão de Franz para assim partilharem o calor.

A presença de Franz e Valkíria ficam impregnadas na casa, mesmo quando eles se encontram do lado oposto da trilha, eles são feitos da mesma essência de tudo que compõe a Casa do Gramado.

Lembranças de Franz




Quando criança foram muitas as vezes que Franz caminhou pela trilha que ligava o lugar onde vivia no mundo dos Preocupados e a Casa do Gramado, mas nem sempre caminhava pela trilha que queria, algumas vezes andava pela trilha desejada.


A trilha que se desenhava estava ali para unir os corações de Valkíria e Franz.

Em uma dessas caminhadas Franz sentiu estar em uma trilha diferente quando estava à procura da Casa do Gramado, sentia que sempre que desejava bastava alguns passos e a clareira onde se encontrava a casa surgia, dessa vez já se sentia cansado, a trilha era acidentada, às vezes precisava se segurar em algum arbusto para poder caminhar, diferente da trilha que estava habituado a percorrer, algumas vezes ela era extensa, mas nunca oferecia dificuldades maiores para nela caminhar.

Quando pensava em voltar aos braços de seu mundo conhecido, que sempre o acolhia, mesmo permeado pelas preocupações, no final de uma reta conseguia ver um galpão, todo construído com pedaços de madeira.

Andou até próximo à sua porta, em seu interior, um senhor já idoso, lixava uma pequena tábua que estava apoiada em uma bancada.

Franz permaneceu por uns instantes à porta observando, em nada o lugar se assemelhava à Casa do Gramado, mas não deixava também de ser convidativo.

Sem se dar por conta percebeu que o senhor que trabalhava a madeira momentaneamente interrompera o seu trabalho e, também se deixou olhar nos olhos do pequeno Franz, parado diante da porta do galpão.

O senhor ao perceber a cena abaixou a cabeça e retornou ao seu trabalho. Lentamente Franz adentrou o galpão, ao fundo havia uma pequena mesa, nela havia um prato em seu centro com pequenos pedaços de pão de milho em seu interior. Franz sentou-se à mesa e continuou observando atentamente o trabalho do senhor, ao lado da mesa tinha ainda um pequeno fogão com chá e café para ser aquecido.

Por um longo tempo Franz ficou apenas observando, apreciando o trabalho que senhor, que por várias vezes dirigiu o olhar à mesa e à criança que se distraia com pequenos pedaços de madeira, deixados ao acaso em uma estante próxima à mesa.

Ao terminar de lixar a tábua o senhor pegou uma outra que se encontrava na bancada e as emparelhou, por um tempo as observou denotando uma certa incompreensão, elas tinham tamanhos diferentes, pensativo mediu as duas, confirmando aquilo que seus olhos já tinham apontado. Aparentemente desapontado deixou as duas tábuas em cima da bancada.

Nitidamente ficou à procura de algo que não estava encontrando, apalpou toda a parte superior da bancada, às vezes olhava para o chão, até que abriu uma gaveta e nela encontrou um pequeno lápis.

No momento seguinte passou a assobiar enquanto apoiou a tábua menor em cima da maior e, com o lápis fez um risco marcando a tábua maior deixando a referência para que ficasse do tamanho da menor.

Continuou seu assobio e desviou o olhar par Franz, que agora se deliciava com um pedaço do bolo de milho.

Lentamente se dirigiu à mesa parando em frente ao fogão aqueceu o café e o chá, vindo a se sentar ao lado de Franz, antes disso apanhou na estante duas xícaras e nelas despejou o chá e café agora aquecidos.

Ofereceu o chá a Franz e junto com o café também apreciou um pedaço do bolo de milho que estava no prato.

Por um longo momento permaneceram apenas se olhando apreciando aquela guloseima.

Ao se darem conta já estava entardecendo, a luz do sol se aproximando do horizonte agora adentrava o galpão.

Franz se levantou com calma e lentamente se dirigiu à porta, o senhor também levantou e se voltou às suas tábuas depositadas na bancada.

Na porta Franz parou por uns instantes e voltou seu olhar ao senhor que agora cerrava a tábua que tinha ficado ligeiramente maior, ao notar que era observado interrompeu seu trabalho e também voltou seu olhar a Franz.

Refletindo sobre o noite que se avizinhava Franz caminhou da porta em direção à trilha, nesse momento o senhor veio à porta e ficou olhou para Franz que lentamente desaparecia ao caminhar em direção ao mundo dos Preocupados.

Saudades de você minha doce Valkíria.

domingo, 7 de julho de 2013

A Bifurcação.




Quando ainda vivia entre os preocupados, em uma tarde fria de inverno Franz fazia esboços de uma antiga casa que logo seria demolida para a construção de um grande prédio. Essa simples idéia o incomodava profundamente, observando via uma construção maravilhosa, um lugar a ser restaurado.

Uma leve dor de cabeça que se iniciará do lado esquerdo de sua testa lentamente se espalhava por toda a sua fronte, ao mesmo tempo que causava um certo alívio na dimensão da dor também se tornava um incomodo ainda maior, pois ainda que a dor diminuísse ela agora ocupava uma parcela maior de sua cabaça.

O som agudo de uma buzina momentaneamente desviou sua atenção e, naquele momento achou que essa dor era oriunda dos ruídos dos automóveis que em grande quantidade circulava pela rua, estragando a paisagem, sujando e espalhando barulhos por onde passavam.

Voltou a se concentrar no que fazia e agora os ruídos pareciam distantes, quase desaparecendo e com esses também se esvaecia sua dor de cabeça.

Estava atento à grande janela em frente ao que um dia tinha sido um grande jardim, pensou nas árvores e flores que um dia lá vicejaram, agora só restava uma grande árvore, um ipê cujos galhos se estendiam em cima do telhado da casa, bem no centro e, entre restos de construção lá depositado uma vegetação rala vicejava.

Agora olhando o interior da sala, onde várias vezes vira uma adolescente sentada em um pequeno sofá, se distraindo com livros, via o pequeno sofá velho e puído com o estofamento rasgado e por traz desse a escada que dava acesso ao piso superior da casa, um dia esplendorosa, mas que agora parecia precária, apodrecida, que em breve cairia com a demolição da casa.

Fixo à janela o local ocupado pela escada lentamente se transformava em uma trilha cercada por uma densa floresta, seguindo-a lentamente com os olhos, percebeu que os sons vindos da rua desapareceram totalmente, deixando em seu lugar o total silêncio, só eventualmente quebrado pelo som de uma alguma folha que se desprendia das árvores vindo a se depositar no chão, permitindo que a vida se prolifere.

No caminho se deteve em frente à pequena bifurcação há muito conhecida, a vegetação era tão densa que só conseguia ver uns poucos metros adiante dela.

Ficou por horas observando, sentindo a vida que fervilhava ao seu redor, até sentir o frio percorrer seus braços e se espalhar por todo o corpo, ao olhar para o alto, a Grande Estrela Azul brilhava intensamente entre os galhos das árvores.

Um leve tremor percorreu seu corpo, já era noite nada mais poderia fazer nesse dia, ao menos onde estava, pensou em retornar ao seu pequeno apartamento e continuar seus esboços.

Ao dirigir um último olhar à janela pôde ver Valkíria, fechando o seu livro e se dirigindo à escada, agora com brilho de nova, lentamente a viu subindo se dirigindo ao que supôs ser o quarto dela.

Caminhando em direção ao seu apartamento sentiu que a Casa seria restaurada.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Estações.




As estações são repletas de peculiaridades entre elas: enquanto algo que parte deixa um espaço para o novo que chega.

Franz sentia-se sonolento, entre um cochilo e outro era despertado ainda que brevemente pelo blim-blom da estação de trens, que em sua seqüência anunciava chegadas e partidas.

Estações são fascinantes: pessoas chegando, outras partindo enquanto outras aguardam.

Há aqueles que aguardam os que chegam, enquanto outros aguardam aqueles que têm hora para partir.

Muitos só acompanham enquanto outros aguardam por companhia e ainda há aqueles que aguardam pela despedida de suas companhias.

Aqueles que partem também aguardam pelo momento da chegada, e muitas vezes nessa, podem desfrutar de novas companhias.

Franz simplesmente aguardava, talvez por algo esquecido em seu emaranhado de lembranças.

Cansado de esperar, se dirigiu ao saguão da estação, ao iniciar seus passos, foi chamado a atenção por alguém que estava próximo, tinha deixado sua pequena maleta de mão com uns poucos pertences, dos quais não fazia idéia do que seriam.

Sabia que tudo que necessitava sempre esteve presente em seus pensamentos e, principalmente em seu coração.

Curioso como as pessoas que passam pelas estações habitualmente trazem junto a si, grandes malas, parece que carregam parte de si mesmos para onde vão.

Ao se aproximar do beiral se deparou com um emaranhado de linhas, tão semelhante ao emaranhado de lembranças que agora tentava se recordar.

Sem qualquer referência, inutilmente tentava se lembrar onde estava, o que fazia ali, de onde tinha vindo, ou até mesmo para onde estava indo.

Só tinha perguntas, mas não conseguia uma única resposta sequer.

Próximo à plataforma de embarque pôde observar um mapa, o local era repleto de linhas de trens, mas nenhum nome lhe parecia familiar.

Cansado procurou um lugar que pudesse tomar um café.





Não tardou em encontrar um pequeno balcão, lá havia vários tipos de cafés e chás, também não faltavam uns pequenos doces e salgados, mas não havia ninguém para atender.

Tampouco encontrou um caixa que lhe pudesse vender algum tipo de ticket para trocar pelo desejado café e, ao vasculhar os bolsos notou não haver sequer uma moeda para trocar pelo café.

Caminhando novamente em direção ao balcão notou que algumas pessoas pegavam o que desejavam, sempre tomando o cuidado para deixar tudo em seu devido lugar, mantendo o espaço limpo e organizado.

Sem jeito pegou um café e o apreciou, lentamente, com prazer, ao lado do balcão percebeu haver uma pequena pia em que as pessoas lavavam os utensílios que usavam, colocando-os de volta no lugar apropriado.

Uma moça que tinha se sentado próxima a ele o interrompeu, pedindo que passasse uma pequena bandeja com guloseimas, ao atender ela lhe perguntou: porque não experimenta, está uma delícia.

Agradecido perguntou se ela sabia onde estavam. Sorrindo respondeu, você não sabe, próximos à Grande Estação, de onde partem todos os trens, daqui onde estamos não há como ir para outro lugar.

Em seguida ela levantou-se, lavou e guardou sua pequena xícara e se dirigiu à plataforma de embarque.

Ainda confuso, Franz continuou pensativo e dirigiu-se a um parapeito na estação com a intenção de procurar nas proximidades por algum lugar conhecido.

Ao se aproximar ficou impressionado, infinitas linhas de trens cortavam toda a paisagem, no horizonte uma imensa estação, onde todas as linhas convergiam.





Confuso Franz retornou ao saguão onde muitos esperavam, acomodou-se em um banco com espaço para duas pessoas que estava vazio.

Nesse momento queria simplesmente apreciar o lugar, ao seu lado uma pequena mesinha anexa ao banco que ocupava, era um pequeno espaço para pequenas bagagens de mão.

Observou o chão do local, mesmo com o intenso movimento era impecavelmente limpo, mesmo com vai e vem das pessoas, tudo parecia estar no lugar certo.

À sua frente uma grande plataforma de embarque, de onde estava podia observar os trens chegando e partindo, com uma infinidade de pessoas embarcando ou descendo dos trens.

Estava confuso, queria saber as horas, mas em nenhum lugar à vista havia um relógio, do lado de fora da estação parecia ser noite ainda, mas tinha a impressão de que em breve o dia iria amanhecer.

Decidiu esperar pelo raiar do dia para embarcar para a Grande Estação que tinha visto do parapeito, já que esse era o único caminho a seguir, mas preferiu esperar que o dia amanhecesse para partir, os trens que ali passavam eram freqüentes, não mais que alguns minutos de intervalo entre um e outro.

Em nenhum lugar da estação conseguiu ver um guichê ou algo parecido que vendesse passagens, nem tampouco havia qualquer tipo de barragem ou controle para que as pessoas entrassem ou saíssem da estação, todos que ali circulavam tinham livre acesso aos trens. As pessoas iam e vinham.

Lembrou-se do Mundo dos Preocupados, eles tinham o costume de registrar em suas regras sociais que as pessoas tinham o direito de irem e virem, por outro lado era muito comum no mundo deles barragens dos mais diversos tipos que limitavam o direito que frisavam que todos tinham.

Imerso em seus pensamentos o tempo passou, e com ele trouxe a luz da manhã.

Franz não tinha percebido que a abóboda que cobria a estação era transparente, através dela pode apreciar um céu de tom lilás, quase branco, no horizonte apreciou o sol que estava nascendo, uma Grande Estrela que luz branca, que agora iluminava brandamente todo o horizonte, trazendo consigo um leve calor que aquecia a todos.

Por um breve instante aqueles que estavam na estação se aproximaram dos parapeitos e ficaram apreciando mais um dia que estava surgindo.

Quando a estrela ocupou um espaço pouco acima da linha do horizonte aos poucos as pessoas voltaram a embarcar nos trens.

Franz sentiu que era o momento de ele também embarcar, quando se levantou e apanhou sua pequena maleta de mão, um senhor que tinha ocupado o lugar ao seu lado o interrompeu dizendo: Não se preocupe, se desejar pode deixar os seus pertences, que a gente guarda para você.

Sem questionar Franz deixou sua pequena maleta na mesinha, agradeceu, e lentamente caminhou em direção à plataforma de embarque.






Muitas vezes parece que as pessoas têm uma representação de si nas coisas que possuem, que carregam, nas roupas que usam; como se essas coisas fossem partes delas próprias.

Algumas vezes ainda essas coisas atingem ápices extremos, suas casas, seus trabalhos; chegam a impregnar suas personalidades, às vezes até outras pessoas passam também a ser consideradas como posses, e ai deixam de ser pessoas e se tornam coisas também.

Nesse processo as pessoas que transformaram outros em coisas, também se tornam coisas, assim suas vidas se transformam em um fluxo contínuo de possuir e trocar coisas.

Franz não tinha idéia do que havia em sua pequena maleta, mas sentia que as coisas nela contidas não eram ele, ou sequer parte dele, não sabia se um dia voltaria a ter a pequena maleta em suas mãos, nem se um dia saberia o que nela estava contido.

Sabia que ao embarcar no trem um novo mundo se desvelaria e tudo que precisava estava contido nele próprio, naquilo que ele conhecia e, principalmente no que sentia.

À medida que se aproximava da plataforma de embarque o movimento de pessoas aumentava, ao olhar para a abóboda da estação notou que o dia estava totalmente claro, o céu que nas primeiras horas da manhã mostrava uma coloração lilás bem clara, agora era todo branco, entre a linha do horizonte e o meio do céu à sua frente, a estrela de luz branca brilhava intensamente.

Próximo à plataforma de embarque, agora as pessoas caminhavam lentamente, devido essa estar completamente cheia, algumas vezes olhavam-se nos olhos e esboçavam um leve sorriso.

Quando um trem partia, as pessoas paravam, por não haver espaço para caminharem mais adiante, não tinham pressa, bastava uns instantes a mais e o próximo trem já chegaria.

Após alguns trens terem parado na plataforma e partirem com todas as suas poltronas ocupadas Franz chegou à frente da plataforma, no próximo ele embarcaria.

Quando o trem estava parando na plataforma Franz deu uma última olhada para traz, na entrada do saguão pôde ver o senhor que tinha dito que podia deixar sua pequena maleta, de longe olharam-se nos olhos, esboçando um leve sorriso.

Franz conseguiu um lugar na janela, quando todas as poltronas estavam ocupadas ouviu o blim-blom característico dos trens antes de fechar as portas.

Da janela ficou observando as feições das pessoas que aguardariam o próximo trem, lentamente começou a mover-se, ao olhar para o saguão não mais encontrou o senhor que tão gentilmente disse que podia deixar a sua pequena maleta.





- O que? Não entendi.

- Como assim? Franz foi enganado?

- O que quer dizer?

- Acha que o senhor que ficou com a maleta de Franz o enganou  para ficar com os pertences dele?

- De onde tirou essa idéia, não estou entendendo.

- Não, aquele senhor não enganou Franz, nem tampouco Franz é alguém que se deixa enganar.

- Porque acha que aquele senhor ou alguém iria querer  subtrair algo que pertença a outro?

- Não, aquele senhor só foi gentil, naquele momento a maleta não teria qualquer finalidade, se em algum momento ela for 
necessária ela irá reaparecer.





- Não, más intenções não fazem parte dos mundos que e

nvolvem a Casa do Gramado.




- Ah! Não, esse tipo de atitude, furtar coisas, era uma atitude 

muito comum por parte das parasitas, é com letra minúscula 

mesmo, no mundo dos Preocupados, antes do evento que se 

iniciou em Trilha dos Desejos.



- Depois desse evento as parasitas se extinguiram, e com elas
 as más intenções se foram.






Franz estava sentado distraído, olhando através da janela as pessoas que se aglomeravam junto à plataforma aguardando o próximo trem.

Depois de ouvir o blim-blom anunciando que as portas do trem seriam fechadas, teve a impressão de que as pessoas que aguardavam estavam se locomovendo para traz.

Curiosa essa impressão que os trens nos passam, às vezes temos a nítida impressão de que ele está parado e é a paisagem que está se movendo, é que eles começam a se mover bem devagarzinho e depois aumentam a velocidade gradualmente.

Aos poucos foi saindo da estação, do lado de fora a vegetação começava a surgir, no início bem rala, mas logo à frente já dava para ver uma densa floresta que envolvia os trilhos.

Todo movimento tem essa peculiaridade observada nos trens, ele é sempre em relação a alguma coisa. Em relação ao trem Franz estava parado, já em relação àqueles que estavam na plataforma estava se locomovendo.

Aqueles que estavam na plataforma estavam parados em relação à estação, já em relação ao trem havia um movimento.

O mesmo trem que estava parado em relação a Franz e àqueles que tinham embarcado apresentava movimento em relação àqueles que aguardavam na estação.

O tempo muitas vezes apresenta a mesma característica às vezes temos a impressão de que ele parou em relação a algumas coisas e, quando comparado com outros parâmetros parece se deslocar muito rapidamente.

Nesse mundo a pressa era um termo desconhecido e, por isso todos tinham muito tempo. Um simples café podia ser apreciado por horas e, ao mesmo tempo longos percursos podiam ser traçados aparentemente em poucos instantes, mesmo quando esses levavam dias para serem traçados.

Lentamente o trem adentrava em uma densa floresta.





À frente os trilhos se assemelhavam muito às trilhas que estiveram presentes em praticamente toda a existência de Franz.

Esse foi um momento em que Franz se sentiu muito à vontade, a sensação de estranhamento que o estava acompanhando desaparecera, inda que não soubesse a origem dessa sensação, para ele era como se estivesse em sua Casa.

Na floresta tinha a impressão de que o trem se deslocava ainda mais lentamente, sentia como se as árvores o estivessem tocando, bem de leve, como se fossem carícias, elas envolviam os trilhos e o trem.

Sentia que por trás da árvores a vida fervilhava, tinha a impressão de que aqueles que habitavam aquele lugar se escondiam quando ouviam o som do trem se aproximando.

Ao olhar detidamente entre as árvores sentiu que estava se locomovendo muito lentamente, teve a impressão de que o trem quase que chegava a parar com  a intenção de que todos pudessem apreciar a vida que fervilhava.

Repentinamente sua atenção foi desviada por alguém no banco à frente que falou um pouco mais alto, mas não conseguiu distinguir o que a pessoa tinha dito, mas ao desviar mais uma vez o olhar para Além da Janela teve a nítida impressão de ter visto uma adolescente sentada em um sofá apreciando um livro.

Mais uma vez voltou o olhar para o interior do trem e percebeu que esse se deslocava velozmente pelos trilhos, praticamente deslizava emitindo um tênue ruído característico, agradável de se ouvir.

Agora prestando atenção ao vagão em que estava notou que todos os acentos estavam ocupados, quando a pessoa que estava sentada ao seu lado o interrompeu dizendo: Você me acompanha, aceita um café, continuou dizendo que ainda demoraria para chegarem à Grande Estação.

Agradecido Franz o acompanhou, foram até um outro vagão que dispunha de café e uma variedade de petiscos, uma música de fundo agradável distraia aqueles que lá se encontraram.

Enquanto apreciava o café com um pequeno bolo de milho, dirigiu o olhar à janela e mais uma vez teve a sensação de que o trem diminuía a velocidade, chegando quase a parar, entre as árvores, praticamente invisível pôde ver um grande cachorro de coloração preta e bege, ele estava com as orelhas empinadas, olhando diretamente nos olhos de Franz.

Com um sorriso nos lábios, a pessoa que o tinha convidado para o café falou bem baixo para Franz: O que a gente sente são os nossos desejos.





Até então Franz não tinha se dado conta, o trem dispunha de um vagão exclusivo para distrair aqueles que viajavam, o que tornava o percurso muito agradável, nesse vagão algumas pessoas se distraiam ouvindo música, enquanto outras passavam o tempo conversando.

Além do café podiam apreciar uma variedade de chás, também não faltavam frutas e outras guloseimas.

Aqueles que aproveitavam o espaço sempre tinham o cuidado de deixar tudo limpo e organizado quando voltavam às sua poltronas, para que outros pudessem desfrutar a viagem com o mesmo prazer que apreciavam.

Franz continuava entretido com a paisagem e as grandes árvores que envolviam os trilhos, sentia a vida fervilhando dentro e fora do trem.

Sentia que entre as árvores havia trilhas que se entrelaçavam e essas tinham uma estreita relação com sua vida e com o que amava.

Apreciando uma pequena brecha pôde ver uma delas, seguindo-a com o olhar viu uma pequena clareira forrada por um grande gramado, no centro havia uma pequena casa com uma varanda e um banco de madeira com lugar para duas pessoas.

Sentia-se hipnotizado, quase adentrando o mundo dos sonhos e, muito ao longe ouviu o blim-blom do trem, anunciando que faltavam alguns minutos para chegarem à Grande Estação.

Aos poucos aqueles que ocupavam o vagão destinado à distração voltaram à suas poltronas, quando deu por si se viu sozinho no vagão, ao olhar para a janela sentiu que o trem estava parado, olhando entre as árvores mais uma vez se deparou com o cachorro que olhava fixamente em seus olhos.

Franz sabia que estavam entrelaçados, eram feitos da mesma essência.

Em passos lentos voltou à sua poltrona, do lado de fora, a densa floresta cedia seu lugar para uma pequena vegetação rala.





Gradualmente a vegetação que até então observava pela janela foi desaparecendo, cedendo seu lugar a inúmeros trilhos que desembocavam em uma imensa Construção Circular, era para lá seguiam todos os trens.

Já dentro da Estação o trem ainda andou por mais alguns minutos. O blim-blom anunciava para todos aguardassem sentados até que parasse totalmente na plataforma.

Calmamente todos permaneciam em seus assentos, aguardando, de relance em uma das plataformas Franz teve a impressão de ver, em uma delas, o senhor que tão gentilmente sugeriu que deixasse sua pequena maleta, mas quando voltou os olhos para o mesmo lugar não mais o viu.

Tão logo o trem parou as pessoas começaram a se levantar e se dirigir às portas de saída, enquanto do lado oposto outras aguardavam para poderem embarcar.

A Estação tinha dimensões gigantescas, Franz ficou observando a plataforma onde desembarcou até que se esvaziasse, só restando umas poucas pessoas.

O prédio tinha muitos andares, imaginou que do lado externo houvesse uma grande cidade, mas logo perceberia estar enganado.

Sentia-se perdido, sem uma direção definida.

Inda que muitas vezes Franz tivesse vivido em lugares com grandes concentrações de pessoas, habitualmente se sentia deslocado nesses lugares.

O tumulto, o barulho, o deixavam desorientado, no geral se sentia mais à vontade em lugares pequenos onde as pessoas caminhavam lentamente e tinham o hábito de ficarem em frente às suas casas, conversando, ou simplesmente apreciando a paisagem ou o vai e vem das pessoas.

A Grande Estação, apesar de haver muitas pessoas em princípio o deixou um pouco desorientado, mas diferente de outros lugares tumultuados, nesse logo ele se sentiu à vontade.

Ao se deparar com a plataforma vazia procurou as escadas e se dirigiu aos andares superiores da estação, sentiu que o dia estava chegando à sua metade.





Não demorou muito e Franz percebeu que o local onde acabara de desembarcar não diferenciava, exceto pelas dimensões, da estação que até então tinha conhecido.

Inda que se sentisse deslocado em cidades grandes sentiu curiosidade em conhecer os arredores.

Com calma subiu até os andares superiores, achou que assim conseguiria ter uma visão de onde se encontrava.

O andar superior da Grande Estação era muito amplo, de certa forma se assemelhava a um jardim, muitas plantas e bancos espalhados em todo o espaço, sentiu que era um lugar destinado às pessoas que aguardavam por algum motivo.

Além dele, só umas poucas pessoas estavam lá, a impressão que lhe veio é que o lugar era desproporcional ao número de pessoas que lá estavam, ainda assim era agradável e, como os demais, mesmo os lugares cheios, o que lhe sobressaia à imaginação é que as pessoas não tinham pressa, se havia algo que caracterizasse aqueles que frequentavam as Estações e os Trens era a calma.

Ao se aproximar do parapeito a expectativa de Franz se esvaneceu, não havia uma cidade no lugar, ali a Estação era o centro, só havia umas pequenas construções ao redor, e muitos trilhos, em todas as direções, com trens chegando e partindo.

Uma pessoa se aproximou de Franz e em confidência disse, aqui é só um lugar para se refletir sobre o ir e vir, é bom vir aqui para pensar e apreciar.

Franz olhou ao céu e percebeu que o dia já ia além de sua metade, o sol desse mundo agora indicava que a tarde se iniciara.

Cordialmente a moça que se dirigiu a Franz perguntou se ele aceitava ir se alimentar com ela, ao olhar em seus olhos, sentiu saudades, mas não sabia nomear a origem desse sentimento.

Com gratidão aceitou a companhia.





Enquanto se alimentava e partilhava a companhia com a moça que o convidara Franz aos poucos recordava-se de um mundo distante em que as pessoas caminhavam sempre olhando para o céu e, quando cansadas se recolhiam em alguma casa para se alimentar com frutas que a vida graciosamente lhes cediam e a preciosa água.

Sentiu saudades daquelas pessoas, desejou saber o que tinha ocorrido a elas, mas sentia-se confuso, às vezes tinha a impressão de que aquelas lembranças faziam parte de um sonho.

Estava em devaneio apreciando suas lembranças, quando foi desperto pela moça que o acompanhava.

Ela estava perguntando para onde ele desejava ir. Franz não sabia o que dizer e respondeu que imagina que onde se encontrava a Grande Estação deveria haver uma cidade, mas ao olhar nos arredores só viu umas poucas construções e muitos trens chegando e partindo e parecia que as pessoas só passavam por ali para mudarem de direção.

A moça sorria e disse que era assim mesmo, muitas vezes simplesmente não há para onde ir, e quando isso acontece talvez a melhor solução seja simplesmente ir.

Já terminando de se alimentar disse a Franz, por que não experimenta a linha do Pôr do Sol, são só dois andares abaixo, nesse horário a paisagem fica especialmente bonita.

Gentilmente ela pediu licença e se despediu, mas antes tomou o cuidado de arrumar a mesa onde tinha acabado de se alimentar e em uma pia que havia ao lado tomou o cuidado de deixar tudo limpo e guardou tudo o que utilizou.

Franz agradeceu e permaneceu mais alguns instantes à mesa, ainda estava apreciando a sua sobremesa, quando terminou repetiu os passos de sua gentil companhia e deixou tudo limpo e organizado.

Desejou colaborar de alguma forma com aqueles que forneciam a alimentação,transporte e tudo o mais, mas não sabia como, estava achando curioso a forma como as coisas aconteciam nas Estações, ainda que até o momento só tinha andado por duas delas. Sentia que ainda estava distante de conhece-las.

Resolver seguir a sugestão, desceu os dois andares, a plataforma de embarque estava cheia, já estava entardecendo, mais uma vez achou curiosa a peculiar calma das pessoas que aguardavam o próximo trem, percebeu que não conseguiria embarcar no primeiro trem pela quantidade de pessoas que aguardavam, assim como outros sentou-se para aguardar.

Em alguns minutos o trem começou a se aproximar, quando abriu as portas, depois do desembarque daqueles que acabaram de chegar na Grande Estação, aqueles que aguardavam em pé entraram e foram ocupando os acentos, quando a plataforma esvaziou, aqueles que estavam sentados se levantaram e ocuparam a frente da plataforma.

Ainda havia alguns acentos vazios, quando se aproximou da plataforma um senhor ofereceu a Franz o lugar para que ele embarcasse.

Agradecido Franz ocupou um lugar junto à janela e ficou apreciando o vai e vem das pessoas, ficou se perguntando por quê essa era a Linha do Pôr do Sol.

Quando o trem começou a se mover com um aceno agradeceu ao senhor que lhe oferecera o lugar.





Lentamente o trem começou a se afastar da plataforma onde Franz embarcara. Ele ficou pensativo enquanto observava as faces das pessoas que ficaram aguardando o próximo que em mais alguns minutos iria estacionar para que aqueles que ficaram aguardando embarcassem.

Já fora da estação cruzou com outro que entrava na estação, ao olhar pela janela sentiu como se o tempo tivesse parado, pôde ver claramente aqueles que agora chegavam no local de onde acabara de sair.

Ficou pensativo, o que levava as pessoas a ir e vir, em um outro mundo do qual tinha apenas lapsos de memória lhe diriam que seu questionamento não tinha sentido, obviamente as pessoas estavam tomando conta da própria vida, indo ou voltando de seu trabalho, se dirigindo às suas casas, ou visitando pessoas, comprando ou vendendo coisas.

Franz sabia disso, mas sentia que nesse mundo nenhuma dessas colocações faziam sentido, tudo isso não deixava de ser aquilo que habita a superfície daquilo que somos, refletindo não conseguia identificar o que o estava levando a procurar outros lugares, sentia que parte do que era estava encoberto por algo.

Da mesma forma que aqueles que davam as respostas óbvias de alguma forma também sabiam que essas simplesmente ocultavam aquilo que de fato é importante.

Franz sentia que na vida a maioria das coisas importantes eram simples, mas muito distantes do óbvio, percebeu que o importante agora era ir, pois assim quando fosse o momento o simples se traduziria à sua frente.

O trem se distanciava do movimento da Grande Estação, à frente uma cadeia de montanhas, envolvidas por uma densa floresta se desenhava.





Não demorou para que Franz entendesse o nome dessa linha de trem que agora percorria, o sol desse mundo agora se posicionava pouco acima de uma cadeia de montanhas que ocupava o horizonte.

A luminosidade da estrela escurecia tudo que havia em volta, o verde da vegetação e da floresta ao fundo assumia um tom marrom escuro, só as silhuetas das grandes árvores podiam ser vistas.

Em um olhar breve para o lado oposto, para evitar a luminosidade que por alguns instantes o cegara, teve a impressão de que o trem estava parado, para que todos pudessem apreciar o espetáculo que se desenrolava.

No lado oposto uma vegetação rala provida de um verde intenso com algumas grandes árvores, praticamente envolviam o trem.

Um pouco mais ao fundo, junto às árvores, deitados na grama viu dois cachorros que descansavam, aparentemente depois de terem brincado intensamente.

Nitidamente eles olhavam para o interior do trem, para o lugar que Franz ocupava.

Pensando Franz achou a cena familiar, mas no momento não se lembrava da relação que havia entre ele e os dois cachorros, que aparentemente o observava.

Ao desviar o olhar para o lado oposto, onde podia apreciar o pôr do sol, sentiu o movimento do trem em direção à cadeia de montanhas.

Agora sentia o trem diminuir brandamente a sua velocidade, pois deslizava por uma subida íngreme em direção às montanhas, à frente conseguia distinguir a serra entre as montanhas, um caminho cheio de curvas, a cena que o sol desenhava era deslumbrante.

Todos no trem permaneciam em silêncio apreciando a cena que se desenhava.





Quando o trem atingiu o topo da serra o sol começava a se esconder na linha do horizonte, deixando acima de si uma intensa luminosidade lilás, iluminando o caminho daqueles que seguiam viagem.

Ao olhar para o lado oposto, lá no infinito, onde o espaço se encontra com o tempo, Franz observou uma estrela que no momento parecia pequenina, mas que emitia uma intensa luz azul, era a primeira a surgir no firmamento, e estava iluminando brandamente a face de todos que apreciavam o pôr do sol.

As estrelas são a fonte de vida de todo esse Universo e elas estão nos presenteando todo o tempo, um sentimento que emergia de todos que apreciavam esse instante permeado pela magia era a gratidão, pelo presente que estavam recebendo.

Lentamente o trem começou a descer a serra, de encontro ao ponto onde o sol derramava seus últimos raios de luz nesse dia.

À medida que a luminosidade abrandava, ao longe, aqueles que estavam no trem podiam apreciar uma pequena vila, incrustada entre pequenas montanhas e grandes árvores.

Ao chegar em uma região reta e plana, serpenteado por uma vegetação rala com árvores ao fundo, Franz pôde observar um portal com os dizerem: Bem vindos à vila do Pôr do Sol.

Gradualmente o trem foi diminuindo a velocidade e após o blim-blom característico foi anunciado para que todos permanecessem sentados e que logo chegariam à estação.

Pela primeira vez desde que chegara a esse mundo Franz estava apreciando pela janela pequenas construções que nitidamente eram habitações espalhadas entre as árvores.

Lentamente o trem adentrou a estação e parou junto à plataforma.





Aos poucos as pessoas foram se levantando de seus acentos e caminharam em direção às portas do trem, uma a uma desembarcou indo em direção à plataforma e em seguida às saídas da estação.

Tão logo o desembarque ocorria, aqueles que aguardavam o trem se posicionaram para embarcar e seguir para outros caminhos.

Curiosa essa característica das estações, pessoas chegando e partindo, algumas simplesmente esperando, outras tantas só acompanhando.

Em alguns instantes a plataforma ficou vazia, aqueles que tinham chegado se dirigiram às saídas e aqueles aguardavam já tinham adentrado no trem e estavam esperando pela sua partida.

Franz caminhou lentamente, por um momento fitou os olhos de uma moça que estava embarcando, em retribuição ela  ofereceu um sorriso e uma breve frase: “No limite da vila perto das grandes árvores há um caminho.”

Ele a achou conhecida, mas não se recordava de onde.

Ficou parado por uns instantes, olhando para aqueles que ocupavam seus lugares nos vagões.

Logo ouviu o blim-blom característico, em um último olhar viu a moça com quem trocara olhares quando ela estava embarcando, distraída agora ela brincava com um pequeno cachorro branco que estava sentado em seu colo.

Tão logo o trem iniciou seu movimento mais uma vez trocaram olhares e um leve sorriso.

Franz ficou parado, aguardando que o trem se afastasse da estação, depois de mais alguns instantes outras pessoas começaram a chegar e se espalhavam pela plataforma aguardando o próximo trem.

Distraído, se dirigiu à saída da estação, caminhava despreocupado, no saguão parou para apreciar um café, do local onde estava podia apreciar a calçada do lado oposto da estação da Vila do Pôr do Sol.

Pensativo ficou olhando para o vazio, do lado de fora já estava escuro, só algumas lâmpadas com uma iluminação branda iluminavam a rua.

Na esquina ao lado de uma árvore viu um grande cachorro de pelos curtos e escuros olhando fixamente para ele, teve a certeza de que era o mesmo que tinha visto quando estava no trem, descansando no gramado entre as árvores.

Limpou a mesa onde apreciara o café e se dirigiu às calçadas da Vila do Pôr do Sol, tão logo deixou tudo que usara limpo e organizado.

Ao chegar à rua sua face foi iluminada por uma tênue luz azul, vinda da maior estrela que podia ser vista no firmamento que agora estava próxima ao centro do céu.

Ficou apreciando por uns instantes, do outro lado da calçada, próximo à árvore o grande cachorro que sempre o acompanhava o aguardava pedindo carícias. Franz se aproximou e juntos ficaram apreciando a sua estrela, que brilhava intensamente.





Enquanto apreciava as estrelas e acarinhava o cachorro com quem agora partilhava a presença, não pôde deixar de pensar na moça que lhe dissera que no limite da vila havia um caminho.

Estava com dificuldades em relação ao seu pensamento de que a conhecia, percebia agora estar em um mundo que embora tivesse estabelecido alguns contatos ainda não tinha chegado a conhecer ninguém.

Por outro lado, olhando nos olhos do cachorro que agora o acompanhava, não tinha qualquer dúvida de que o conhecia há muito tempo, talvez desde sempre.

Sabia que na maioria das vezes um simples olhar, a presença, já traziam em si o que era necessário.

Ambos mantinham o olhar fixo no céu, muito distante, no ponto mais remoto sentiam a Grande Estrela Azul brilhando intensamente, a face de Franz e os olhos de seu cachorro refletiam a tênue luz azul vinda dela.

Aqueles que viviam no mundo das Estações quando viam os dois, procuravam no céu o que eles apreciavam, mas só conseguiam observar o vazio.

Franz imaginou se haveria algo além da estrela, mas a sua percepção terminava nela.

Ficou imaginando o que haveria de familiar de conhecido na moça que lhe dera o recado, achou que talvez essa resposta estivesse além da sua estrela, talvez todos tivessem vindo de lá desse minúsculo ponto que estava além da percepção, além do infinito, em um lugar onde o tempo ainda não existia.

Um intenso sentimento de felicidade percorreu todo o seu ser, quando percebeu-se ele e seu cachorro olhando-se fixamente nos olhos, sabiam ter vindo da estrela que iluminava as suas faces, ela brilhava para eles, sentiu haver outros a serem achados.

Ao levantar-se uma senhora o abordou:

- Você não gostaria de se alimentar e de um lugar onde possa descansar; você e seu amigo são muito bem vindos.





Franz estava cansado e aceitou com gratidão o convite, ao se levantar e caminhar junto com a senhora, o seu cachorro também o acompanhou.

Ao olhar em direção à Estação, só umas poucas pessoas caminhavam em direção a ela, os trens nunca paravam, ainda que seu fluxo diminuísse à noite.

Na centro da rua, Franz observou a existência de trilhos, aparentemente eles corriam por todos os caminhos.

À medida que se afastava da Estação Franz notou a existência de casas que ladeavam as ruas, essas, não teve duvida, representavam algum tipo de moradia, uma curiosidade é que todas tinham as suas portas abertas.

Não demorou e junto com a senhora que o tinha convidado adentrou em uma delas o ambiente soava familiar, ainda que não soubesse o motivo.

À frente uma pequena varanda, com um banco para descansar, do lado de dentro, na sala, uma mesa para umas poucas pessoas, lá havia alimentos, água e muitas frutas, mais ao fundo pôde perceber que existia dois quartos.

O cachorro de Franz permaneceu à porta, mas logo foi convidado pela senhora que os trouxera para também entrar, disse que já estava frio e o interior da casa era mais agradável.

Com um leve grunhido aceitou o convite com gratidão vindo a ficar ao lado deles. Logo a senhora ofereceu a ele água e um pouco de comida.

Além deles a casa estava vazia.

Enquanto se alimentavam a senhora dizia o quão era gratificante desfrutar a companhia daqueles que vinham conhecer a vila.

Depois de se alimentarem sentaram-se um pouco à varanda para apreciar a noite, enquanto conversavam um pequeno veículo se movia sobre os trilhos no meio da rua, em direção à Estação, em seu interior havia umas poucas pessoas sentadas em seus bancos.

Quando passou em frente à casa onde estava Franz teve a impressão de ver a moça que lhe disse que nos limites da vila havia um caminho, olharam-se nos olhos, quando o pequeno trem passou à porta.

Em tom de gratidão pela companhia a senhora ofereceu a Franz um pouco de água com mais algumas frutas e disse que se sentisse à vontade se desejasse dormir.

Retribuindo a gratidão aceitou ao se levantar seu cachorro o acompanhou, assim que recebeu dela um carinho nas orelhas.

Franz sentia-se flutuando enquanto se dirigia à cama, pensou que talvez estivesse em um sonho.





Franz... Você deseja algo, balbuciou Valkíria em seu ouvido e depois lhe trouxe um pouco de água.





Valkíria refletiu um pouco sobre a preciosa água que trouxera, lembrou-se dos Esquecidos e de quanto esses a prezavam, suas reservas eram como um santuário a ser preservado, sentiam o quanto ela era vital à sua existência, por isso habitavam locais distantes delas e a usavam com parcimônia, só o necessário.

Continuando sua reflexão Valkíria lembrou-se dos Preocupados, eles sabiam que a água era primordial, por isso sempre usavam os seus recursos para obterem uma água de melhor qualidade, para eles, não só a água como o mundo que os rodeava eram um bem a ser desfrutado.







Valkíria percebeu ser essa uma das grandes diferenças entre os povos: Os Esquecidos sentiam, enquanto os Preocupados procuravam saber, mas cada um a seu modo, buscavam pela vida.





Já na Casa do Gramado a vida simplesmente fluía.





Em seu banco, na varanda de sua casa, ao lado de Franz, que estava profundamente adormecido, Valkíria apreciou o céu, a Estrela Azul brilhava intensamente e, à medida que a tênue luz azul a envolvia, ela se espalhava por toda a Casa do Gramado, entre essa e a estrela, agora só havia o vazio.





Franz despertou quando a luz começou a adentrar o quarto onde dormia, o Freud-cão já tinha despertado, sentado ao lado da cama, olhava nos olhos de Franz, ele tinha passado toda a noite cuidando dos sonhos, sentiu a presença de Valkíria quando ela trouxe a água.

Ao se levantar o agradável cheiro de café ocupou todos os espaços da casa.

Junto com o Freud-cão foi à janela, era a primeira vez que apreciava o amanhecer na Vila do Pôr do Sol.

Ao fundo já iluminado pela luz do dia pôde apreciar as montanhas azuis que se erguiam no limite da vila, ficou por uns momentos apreciando, entre as montanhas um trem deslizava pelas suas linhas, escalando-as lentamente.

Franz sentiu que a luz da estrela desse mundo caminhava próxima à linha, ao entardecer ela se escondia por detrás dessas montanhas, onde agora via o trem desaparecendo entre as elas.

No centro da cozinha havia uma mesa para quatro pessoas que lhe pareceu familiar, ainda que não pudesse agora recordar de onde, lá havia café e um bolo de milho ainda quente, também não faltava guloseimas para o Freud-cão, que sempre o acompanhada, mas além deles a casa estava vazia.

Após se alimentar e deixar tudo arrumado, desejou conhecer a Vila do Pôr do Sol, desejou ficar na vila e partilhar a companhia com os que lá viviam.





Ao sair Franz notou que não havia fechadura para fechar a porta, essa era dotada unicamente de uma maçaneta de forma que todos podiam circular pela casa livremente, a porta visava tão somente impedir que o vento frio durante a noite entrasse na casa.

Ao se posicionar na varanda o Freud-cão deu um salto e se juntou a Franz, eles partilhavam a presença como se sempre tivessem estado juntos, depois de encostar a porta e se dirigir à rua, se depararam com um trem dotado de um único vagão indo na direção da estação onde desembarcara na noite anterior.

Quando olhou em seu interior notou que quase todos os assentos estavam ocupados, mas não houve tempo suficiente para identificar quem nele estivesse.

Franz se distraia, apreciando o sol que aquecia a manhã ainda fria, ao olhar para o céu a luz branca vinda dele ofuscava, mas o leve calor que transmitia fornecia uma sensação de bem estar.

Nas ruas só umas poucas pessoas circulavam, em um primeiro momento ficou com a impressão de que era porque o dia estava apenas iniciando, mas logo percebeu que o movimento da vila era sempre assim.

Além das casas onde aqueles que viviam na Vila do Pôr do Sol habitavam, só haviam alguns galpões, não muito maiores que as casas.

Logo percebeu que no centro de todas as ruas havia trilhos e, em intervalos de tempo regulares pequenos trens, como o que havia visto logo cedo e aquele no qual estava a moça que lhe tinha dito que nos limites da vila havia um caminho.

Desejou encontrá-la uma vez mais, tinha a impressão de que talvez ela pudesse ter algumas respostas, ainda que não soubesse formular as perguntas.





Esse ultimo pensamento ficou latejando na mente de Franz, percebeu-se contaminado pelo modo de ser dos Preocupados, sentiu que em algum lugar conhecera alguém que muito raramente tinha perguntas, mas sempre que estava nesse lugar as respostas surgiam, mesmo antes de as perguntas serem formuladas.

Percebeu que os Preocupados, assim como os Perplexos, sempre estavam a busca de respostas e isso os levavam a pensar ininterruptamente tentando achá-las, mas invariavelmente desconheciam as perguntas.

Lembrou-se de um sonho de quando ainda era criança, e caminhava por uma trilha, na companhia de uma menina pouco maior que ele e outras duas crianças, sabia que essas eram irmãs da maior, simplesmente sentiu sem qualquer necessidade de formular perguntas.

Entre eles, ainda que pouco falassem, tudo simplesmente fluía, pois a presença, um simples olhar, quase sempre traziam em si todos os significados que se faziam necessários.