sábado, 25 de agosto de 2012

Esquecidos - Parte IV.





Ainda que os Esquecidos não emitissem nenhum tipo de palavra, a comunicação entre eles se dava quase que totalmente através dos olhares e, ainda assim eram poucas as vezes que eles se olhavam nos olhos, uma vez que na quase totalidade do tempo seus olhares estavam voltados ao céu, não demorou para que Franz começasse a imaginar o por que desse hábito.

No primeiro dia em que se viu na cidade dos Esquecidos, que naquele momento estava deserta, ao entardecer, pouco antes de se recolher para ir ao mundo dos sonhos, em busca de Valkíria, Franz presenciou alguns meteoritos rasgando o céu.

Agora entre os Esquecidos, observando o céu logo notou que muitos dos inúmeros pontos brilhantes não eram estrelas, Franz imaginou estar em uma região do Universo repleta de poeira estelar, que à medida que fossem se juntando, nos milhões de anos que se seguiriam acabariam por formar planetas e até possivelmente algumas estrelas.

Franz sabia estar em uma região extremamente tempestuosa do Universo.

Sabia que era comum nesse planeta a queda de pequenos meteoritos e talvez até outros de porte maior, isso sem dúvida constantemente produzia danos significativos ao mundo dos Esquecidos.

Franz acreditou que o olhar dos Esquecidos sempre voltado ao céu tinha a função de localizar possíveis quedas de meteoritos, e assim evitar na medida do possível que esses ceifassem as suas vidas, isso fazia com que eles estivessem mudando constantemente os locais em que vivam, como a cidade que achou desabitada, devia haver inúmeras outras semelhantes, assim como tantas outras habitadas.

Como ocorreu com Valkíria, Franz também estava curioso em relação às inúmeras construções circulares presentes nos centros das vilas.




Quando estava anoitecendo, ainda que as diferenças fossem sutis, mesmo à noite, no mundo dos Esquecidos o céu brilhava intensamente, Valkíria achou que o céu naquela parte do Universo era permeado por estrelas, mas sentiu falta da Grande Estrela Azul, o céu era mais colorido à noite, ainda que houvessem estrelas com luz azulada brilhando, nenhuma delas se assemelhava àquela em que ela, num dia quando o Universo ainda era diminuto, tinha se originado.

Até então, ela, Franz, seus cachorros, a Casa do Gramado, e muito do que agora constitui esse Universo expandido, eram um único ser, mesmo o Tempo ainda não existia, quando a Casa do Gramado e tudo que a constitui se desprendeu da Grande Estrela Azul é que o Tempo e o Espaço tiveram a sua origem, lá no infinito, onde os dois se encontram.

Valkíria estava sonolenta, desejava muito dormir e chegar ao mundo dos sonhos, imaginando que assim poderia se aproximar de Franz e de sua casa, a Casa do Gramado, mas sabia que isso provocaria estranhamento aos Esquecidos, não sabia como, mas queria achar algum lugar em que pudesse estar sozinha para poder dormir, mas não imaginava como conseguir isso, os Esquecidos até onde sabia em nenhum momento ficavam a sós, toda vez que ela tentava ficar sózinha logo outros se aproximavam para fazer companhia.

Antes de procurar alguma privacidade Valkíria decidiu ver o que achava ser inscrições e, com um pouco de água e um pequeno pano que encontrou começou a retirar um pouco da poeira incrustada nas pedras, diferente do que pensou não se tratava exatamente de inscrições, mas se assemelhavam a pinturas, eram pequenas pedras coloridas, muito polidas formando um mosaico.

Valkíria achou aquilo lindíssimo, até esqueceu um pouco o seu desejo de dormir, logo vários Esquecidos se juntaram ao redor dela, denotavam alguma curiosidade, mas as feições deles eram de total incompreensão frente ao que ela estava fazendo, para eles não fazia qualquer sentido.

O desenho que se desvelava, sem qualquer dúvida era um planeta, circundado por inúmeros objetos estelares, em uma região do Universo intensamente povoada por estrelas, não demorou e Valkíria deduziu ser aquele o mundo dos Esquecidos, mas havia algo diferente do que até então havia presenciado, da superfície do planeta emanava uma tênue luz azul, que envolvia todo o planeta.

Quando estava concluindo a limpeza dessa pequena parte da parede de pedra, Valkíria se sentia exausta, mas pelo que tinha notado parecia que os desenhos ocupavam toda a construção circular.

Muito cansada deitou-se ali mesmo, aninhou-se no chão, os Esquecidos diante de Valkíria se sentiram totalmente desorientados, não imaginavam o que teria acontecido a ela, mas rapidamente limparam parte da mesa onde se alimentavam e a deitaram em cima dela, denotando inquietação pelo movimento o pequeno cachorro se aninhou junto aos braços dela, permaneceu atento por uns instantes, mas logo o sono também tomou conta dele.

Vários dos esquecidos permaneceram ao lado de Valkíria, querendo cuidar dela, mas simplesmente não sabiam o que fazer.




Já estava anoitecendo quando Franz julgou entender ao menos parcialmente as atividades dos Esquecidos, eles visitavam cada uma das casas, daquela parte da cidade, até então desabitada, se centravam principalmente em fazer pequenos reparos.


Durante o dia Franz caminhou por inúmeros quarteirões, a cidade estava constituída em uma região plana, assim não se cansava ao caminhar, em nenhum dos lados conseguiu visualizar os limites dela, mas por estar em uma região plana, não conseguia imaginar as suas dimensões.

Além dos reparos que faziam, os Esquecidos também se detinham em colher frutas das árvores plantadas no centro das ruas e nos espaços vazios entre as casas.

Chamou a atenção de Franz o extremo cuidado e zelo que eles tinham com as plantas e quaisquer outros seres, fossem eles vivos, ou até as inúmeras pedras de diversos tamanhos presentes nesse mundo. Como ocorreu com Valkíria, Franz se recordou do mundo das Trilhas.

Com essas eram construídas todas as habitações, mas sentiu que aqui tinham finalidades diferentes da do mundo dos Preocupados.

Os Esquecidos pareciam ser seres nômades, não tinham um lugar fixo para viver e suas casas não eram propriamente moradias, estavam sempre abertas e todos eram recebidos nelas, mas aparentemente só as usavam para descansarem brevemente e se alimentarem.

À noite Franz se sentia cansado, desejava dormir, visitar o mundo dos sonhos, acreditava que assim poderia achar uma forma de se encontrar com Valkíria, mas nas diversas casas em que entrou não encontrou nenhuma acomodação que pudesse usar para adormecer.

No meio da noite na mesa em uma das casas teve a certeza de que os Esquecidos não se comunicavam através da fala e, através dos olhares só notava o fraternidade presente em todos eles, queria dizer-lhes que desejava encontrar um lugar para dormir, mas mesmo com esforço não conseguia se fazer compreender.

Saiu às ruas na expectativa de encontrar algum lugar para dormir, mas em nenhum instante conseguia qualquer privacidade, ainda que eles não se fixassem uns aos outros, estavam sempre em pequenos grupos.

Quando já estava quase amanhecendo, a exemplo do que ocorreu com Valkíria se sentiu atraído pelas construções circulares presentes no centro das vilas, achou que nelas poderia encontrar respostas, mas nesse momento se sentia exausto e acabou por adormecer sentado, encostado a uma grande árvores no centro de uma das ruas.

Logo pequenos grupos de Esquecidos começaram a se aglomerar ao redor dele, o cachorro que permanecera o tempo todo ao seu lado denotava apreensão em relação ao movimento que se formava ao redor de Franz.






Pouco antes de o dia amanhecer Valkíria foi desperta por um intenso movimento no interior da construção circular na qual se encontrava.

Muitos estavam saindo às pressas, mas um pequeno grupo de Esquecidos permaneceram ao redor dela, quando ainda estava dormindo, estavam tentando levantá-la da mesa onde foi colocada quando adormecera e a levar com eles.

Foi esse movimento que a despertou, seu pequeno cachorro demonstrava ansiedade, não queria deixar que se aproximassem dela, o pequenino não conseguia compreender o que estava acontecendo, e Valkíria também não.

Ela sentiu alívio por parte dos Esquecidos quando acordou e se levantou, nesse momento já não havia mais ninguém na construção, além dela, seu pequeno cachorro e aqueles que estavam tentando carregá-la para fora.

Ao chegar à rua Valkíria presenciou um intenso movimento de pessoas, até então nunca tinha visto tantos nesse estranho mundo, todos andando rapidamente e curiosamente na mesma direção.

Desorientada e sem compreender Valkíria pegou seu cachorro no colo, que estava muito assustado e mesmo sem saber o motivo acompanhou os Esquecidos que tentavam se afastar rapidamente daquela parte da cidade.

Depois de caminharem por um tempo considerável Valkíria se sentia cansada e ainda sem fazer idéia sobre o por que daquela agitação. Ao olhar para o céu percebeu que logo o dia amanheceria, quando notou algo que imaginou ser uma estrela se movimentando na direção deles.

Não tardou a compreender, nesse momento, ainda que envolta na agitação dos Esquecidos percebeu que algum corpo celeste estava caindo do céu.

Ela entendeu que parte significativa dos objetos que via, principalmente à noite, não eram estrelas e sim meteoros e meteoritos, que refletiam a luz das estrelas que brilhavam mais distante.

Por isso os Esquecidos sempre mantinham os seus olhares voltados para o céu, o planeta deles devia ser constantemente atingido por esses corpos celestes, vindo a cair em suas cidades, assim sempre que percebiam a aproximação de algum deles se afastavam do local onde julgavam que poderia cair, salvando assim as suas vidas.

Nesse momento Valkíria sentiu um profundo sofrimento, ficou imaginando o sentimento deles, sempre tentando salvar as próprias vidas e assistindo aquilo que construíam sendo destruído.

Os pequenos grupos que estava se acostumando a presenciar agora tinha se transformado em um imenso aglomerado, estavam todos juntos, simplesmente se afastando de algo que cairia em sua cidade.

Um grande estrondo se irrompeu no céu, quando todos viram uma grande bola fogo caindo, agora estavam muito distante de onde no começo da noite Valkíria adormecera, pouco depois um barulho ensurdecedor atingiu a todos.

Ficaram alguns momentos sem ouvir nada, na linha do horizonte de onde tinha estado até então, Valkíria pôde ver uma mancha vermelha ardente, soube que esse era o lugar onde o meteorito tinha caído.

Todos estavam parados agora, aos poucos se sentavam para descansar, mas logo os menos agitados começaram a procurar por quem necessitava de ajuda.

Lentamente os pequenos grupos de Esquecidos começaram novamente a se formar, muitos deles procuravam pelas casas, eles precisavam se recompor, enquanto outros começaram a procurar por frutas nas árvores, outros grupos se formaram e voltaram a caminhar em direção ao local onde o meteorito havia caído.

Foi a um desses últimos que Valkíria, junto com seu pequeno cachorro se juntou, logo ela compreendeu que a finalidade era encontrar pessoas que tivessem ficado para traz ou se machucado no caminho.

Ainda que tenha encontrado muitas pessoas assustadas, felizmente nenhuma delas tinham ferimentos maiores, caminharam até quase o dia findar, estavam todos cansados e já começavam a retornar o que lhes era habitual.

Valkíria estava chegando próximo ao prédio circular onde tinha estado na noite anterior, mas notou que os demais não queriam ir além, quando tentou continuar a caminhar, notou que os Esquecidos não queriam que ela continuasse.

Ela insistiu e caminhou mais um pouco, o grupo de Esquecidos que estavam com ela ficaram olhando-a se afastar sem conseguirem compreender.

Olhando à sua frente Valkíria viu a terra ardendo em chamas, sabia ter sido o local onde o meteorito atingira a terra, mais uma vez sentiu a tristeza tomar conta dela.

Ao olhar para traz percebeu que o grupo de pessoas que estavam com ela não se afastavam, apreensivos a observavam, lentamente voltou a caminhar para se juntar a eles.

Cansados entraram na casa mais próxima, para descansar um pouco, tomar água e se alimentar.






Ainda que sonolento Franz não conseguia adormecer, o movimento dos Esquecidos ao seu redor não permitia, sentiu que eles não compreendiam o seu desejo, e também estava difícil conseguir alguma privacidade.

Com dificuldades pelo sono entrou em uma das casas, seu cachorro sempre o acompanhava. A grande mesa no centro tinha bastante água e frutas à vontade, assim que entrou aqueles que lá se alimentavam abriram um espaço para que ele se aproximasse.

A água acompanhada do alimento aliviou um pouco seu sono, enquanto se alimentava sentiu que para conseguir alguma privacidade e conseguir dormir precisaria despistar os Esquecidos de alguma forma.

A temperatura nesse mundo era bastante agradável, pelo que notou dificilmente conseguiria encontrar alguma casa vazia, mas entre elas sempre havia um terreno de tamanho semelhante com árvores e plantas, pensou que se conseguisse sair da casa sem ser notado conseguiria se esgueirar no terreno ao lado e dormir um pouco, não seria confortável, mas era possível.

Quando se levantou da mesa, dois dos Esquecidos que já tinham se alimentado se levantaram junto a ele, mas Franz não saiu da casa só se posicionou próximo à porta e como era hábito dos Esquecidos ficou olhando para o céu, como não saiu, os dois que se levantaram voltaram à mesa.

Sem emitir ruídos saiu em silêncio e se esgueirou para o terreno ao lado da casa, aqueles que estavam na casa e os grupos que caminhavam nas ruas, não notaram o seu movimento.

No centro do terreno havia uma grande árvore na qual Franz se recostou, ao seu redor havia muitos arbustos que o cobriam, assim não podia ser visto por aqueles que caminhavam nas ruas.

Franz ficou por uns momentos refletindo sobre esse mundo, sentia saudades da Casa do Gramado e principalmente de estar com Valkíria, mas passados alguns instantes adormeceu, seu cachorro ficou junto a ele e aninhou a cabeça em seu colo.

Pouco antes de amanhecer foi desperto por um estrondo, levantou-se assustado, junto com seu cachorro, mas não notou nada diferente nas ruas, em poucos instantes já estava mesclado em um dos grupos que como era habitual, estavam caminhando, mas dessa vez todos voltavam seus olhares para um ponto comum, no horizonte.

Franz viu a terra em chamas em um local muito distante, logo compreendeu, sabia que algum meteoro havia atingido a superfície do planeta, imediatamente seus pensamentos se voltaram para Valkíria e uma inquietação invadiu seus pensamentos, esse evento teria ferido e até tirado a vida de muitos dos Esquecidos.

Parte dos grupos dos Esquecidos começaram a se deslocar em direção ao local onde a terra estava em chamas, enquanto outros sem denotar qualquer estranhamento continuaram as suas rotinas, sempre caminhando com os olhares voltados ao céu, aparentemente só o estrondo desviou momentaneamente a atenção deles.

Franz resolveu se juntar a um dos grupos que caminhavam em direção ao local onde julgou ter caído o meteoro, andaram os resto da noite que já findava e praticamente todo o dia seguinte, ainda que nesse mundo a diferença entre o dia e a noite fosse sutil, mesmo à noite o brilho no céu era intenso, pelas muitas estrelas não muito distantes da estrela principal que alimentava o planeta e da poeira presente no espaço que refletia a luz das estrelas mais distantes.

No meio do caminho depararam com inúmeros grupos de pessoas que se afastavam do local onde o meteoro tinha caído enquanto outro número significativo deles voltavam. Franz logo notou que procuravam por pessoas feridas enquanto outros se ocupavam em fazer reparos.

À medida que se aproximava presenciou muitas casas destruídas, no caminho encontraram muitos dos Esquecidos assustados e com ferimentos leves, sem dúvida se machucaram quando estavam aglomerados tentando fugir, mas felizmente não havia ninguém com ferimentos maiores.

À medida que percebiam que as pessoas estavam bem, e aos poucos se acalmavam os Esquecidos iniciaram os reparos e reconstrução das casas destruídas.

Já estava quase anoitecendo, quando Franz começou a sentir-se mais leve, notou que seus pés praticamente não tocavam o chão enquanto caminhava, brevemente desviou o olhar do céu e olhou para as mãos e notou que uma tênue luz azulada as envolvia.

Franz sentiu que Valkíria estava nas proximidades.





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