domingo, 31 de agosto de 2014

Adormecidos.

Quando Valkíria despertou a Casa do Gramado estava mergulhada no silêncio, Franz, os anjos, e toda a magia que envolvia seu mundo de encantos ainda dormiam profundamente, o céu estava forrado de estrelas, enfrente à varanda, um pouco acima da linha dos olhos a Grande Estrela Azul brilhava intensamente, iluminando toda a varanda.

Com cuidado para não o despertar, afastou brandamente o braço de Franz que a envolvia e, lentamente flutuou em direção à Trilha.

Quando estava no limite do gramado e das grandes árvores, deu um último olhar em direção à varanda, ao sentir que todos dormiam profundamente flutuou trilha adentro.

Não tinha notado que ao adentrar a Trilha o Freud-cão tinha arregalado os olhos e empinado as orelhas, emitindo um leve gemido.

A Trilha, coberta pelos galhos das grandes árvores estava imersa na escuridão, só abrandada pela luz da Grande Estrela Azul que envolvia Valkíria.

Ao chegar próximo ao fim da Trilha já conseguia ouvir os motores da pequena composição do trem. Ao se aproximar notou que o maquinista, ao lado dos trilhos a aguardava, com os olhos fixos na Grande Estrela.

Nessa hora, ainda escuro, mas iluminada por infinitas estrelas sentiu que seria a única passageira.

Depois de um leve aceno do maquinista se dirigiu ao único vagão de passageiros daquela composição, quando do limite da trilha, com a linha do trem surgiu correndo o Freud-cão, que entrou no vagão ainda antes que ela.

O Freud-cão ocupou um banco no fundo do vagão, ao lado da janela, logo atrás veio Valkíria que se sentou ao seu lado, ambos se sentiam felizes pela companhia.



Lentamente o trem iniciou o seu movimento em direção à Vila do Pôr do Sol que era o único caminho de trilhos existente.

A escuridão da noite envolvia o trem, logo Freud-cão cedeu ao sono dado a monotonia da viagem, não tinha uma paisagem para apreciar, só a sombra da noite escura apenas quebrada pelo som característico das rodas de ferro resvalando os trilhos.

Valkíria estava em transe com os olhos fixos na janela que deixava uma tênue luz azul a atravessar vinda da Grande Estrela que iluminava a sua face.

Sentia estar se afastando de Franz e da magia que envolvia a Casa do Gramado, sabendo que em breve para ela, mas em menos do que um instante para Franz e os demais, se reencontrariam, mas para isso seria necessário achar uma Trilha que rompesse o paradoxo entre o transe e o Mundo dos Sonhos.

Os Esquecidos seguiam um caminho que estava colocando a sua civilização em risco.



À medida que o trem se afastava a Estrela Azul descia lentamente em direção ao horizonte, brilhando pouco acima das montanhas que envolviam a Vila do Por do Sol, iluminando ainda mais o interior do vagão onde estava acomodada Valkíria e o Freud-cão.

A luz envolvia todo o trem levando-o a flutuar rente aos trilhos, assim deslizava em silêncio e mais velozmente.

Valkíria flutuou em direção ao centro do vagão, o que o deixava ainda mais leve, Freud-cão ao flutuar junto com ela empinou as orelhar e arregalou os olhos para ver tudo que estava ao redor, mas do lado de fora só distinguia o brilho da Grande Estrela.

Em silêncio e velozmente o trem deslizava sobre os trilhos.

Ao se aproximar da Vila do Por do Sol diminuiu a velocidade lentamente, até parar junto à estação, no mesmo compasso Valkíria e seu fiel companheiro flutuou de volta em direção ao banco que inicialmente ocupara.

Depois de o trem ter parado, em passos lentos, acompanhada por Freud-cão desceu do vagão, quase sem perceber fez um leve aceno de agradecimento ao maquinista que no momento também estava na estação ao lado do trem.

A estação estava vazia, exceto pelos três que tinham acabado de chegar, Valkíria quis dar uma volta na Vila do Por do Sol, ainda envolta na escuridão da noite, no céu já não havia estrelas, mas atrás das montanhas uma tênue luz azul ainda brilhava.

Em mais alguns instantes o dia iria começar a amanhecer.



Em passos lentos Valkíria caminhou pelas poucas ruas da Vila, bem de perto Freud-cão a seguia, ele e ela adoravam partilhar a presença.

Valkíria sentia a presença de Franz nas ruas e em cada canto da Vila que tão bem o recebera. Ao chegar em seus limites parou ao lado do cachorro de Franz e ficou apreciando os trilhos, agora vazios, que levava até próximo à Casa do Gramado, sentiu que próximo ao fim dos trilhos seu mundo de encantos dormia profundamente, mergulhado ainda no Mundo dos Sonhos.

Olhando fixamente nos olhos de Freud-cão, que empinava as orelhas em sinal de atenção, envolvidos pela luz azul de sua estrela flutuaram lentamente pelas ruas ainda desertas em direção à estação.

Ao adentrar sentiu uma pessoa saindo de lá em direção à rua, um cheiro de café bem forte, que acabara de ser feito ocupou todo o espaço.

Freud-cão empinou ainda mais as orelhas, arregalou os olhos e caminhou com passos rápidos em direção ao cheiro do café da manhã que se espalhava pela estação.

Além do café, não faltou pão de milho ainda quente e outras guloseimas. Enquanto partilhava aquele presente com seu atento companheiro sentiu o trem estacionando junto à plataforma de embarque.

Ainda no escuro umas poucas pessoas começaram a ocupar a estação, não demorou para que algumas também viessem partilhar a companhia e o café junto com Valkíria.

Depois de arrumar e limpar o que tinha utilizado, caminhou em direção à plataforma de embarque.

Partiriam em direção à Grande Estação ainda antes de o dia amanhecer.



Era cedo ainda, a luz agora lilás da Estrela que alimentava o Mundo dos Trilhos começava a surgir por detrás das montanhas.

Ia demorar um pouco até que o trem que se dirigia à Grande Estação parasse na plataforma.

Ainda havia tempo para mais um café, mas no caminho Valkíria quis dar uma última olhada nos trilhos que levavam à Casa do Gramado e toda a magia que envolvia o seu mundo.

Quando chegou ao lugar que deveria estar a plataforma em que desembarcou só encontrou um salão vazio com alguns bancos de madeira para as pessoas descansarem enquanto aguardavam.

Ao se aproximar dos limites do salão, onde desembarcou do trem, ainda pode ver os últimos vestígios dos trilhos que lá chegaram desaparecer, e ceder seu lugar a uma densa vegetação.

Sentiu que a Casa do Gramado estava deixando o Mundo dos Trilhos.

O blim-blom característico das estações a despertou do transe, estavam anunciando o chegada do trem que se dirigia à Grande Estação que acabara de parar na plataforma de embarque.

Seguida ao alcance das mãos por Freud-cão se dirigiu ao trem, mas antes fez um afago nas orelhas empinadas e atentas de seu companheiro.



Na varanda da Casa do Gramado, imersa na sombra dos galhos das árvores, que à noite ocupavam toda a extensão do gramado, envolvendo toda a casa, Franz, o pequeno cachorro de Valkíria e todos os seres encantados que habitam esse mundo de magia dormiam profundamente.

Quando Valkíria, em transe, tinha ido até a trilha, seguida de perto por Freud-cão, o pequeno cachorro branco ocupou o lugar dela, se aninhando ao lado de Franz.

Um tênue raio de luz azul achou um caminho entre as folhas das árvores que envolviam a Casa do Gramado, iluminando brandamente a face de Franz, ainda mergulhado em um sono profundo.

Lentamente flutuou, inicialmente até o centro da varanda.

Com frio o pequeno cachorro de Valkíria se encolheu no centro do banco, mas não demorou até que um outro ser encantado ocupasse o lugar de Franz, para se aquecer e proteger os sonhos do cachorrinho branco.

Quando Franz ocupava uma posição pouco acima das árvores, a luz da Estrela Azul ao seu redor se tornara densa e já envolvia também toda a Casa do Gramado, que agora flutuava, apenas resvalando o chão da pequena porção de terra que ocupara no Mundo dos Trilhos.

Franz estava em transe, um denso raio de luz vindo da Grande Estrela Azul iluminava intensamente a sua face, projetando uma sombra nas Árvores, na Trilha, no Gramado agora repleto de árvores e arbustos e dos seres encantados que habitam a Casa do Gramado.

Lentamente todo esse mundo de magia começou a flutuar em direção ao vazio, deixando em seu lugar uma pequena porção de terra nua, que em muito pouco tempo brotaria uma vegetação rala e florida, formando um pequeno jardim, resultado da magia deixada pelo mundo de sonhos de Valkíria e Franz.

Um presente em retribuição ao Mundo dos Trilhos que tão bem os acolhera.



Por um tempo a Casa do Gramado flutuou a não mais que uma centena de metros do solo, até que na linha do horizonte, além da Vila do Por do Sol, a luz lilás da Estrela que alimenta o Mundo das Estações começou a brilhar.

Cedendo uns poucos raios de sua luz ao mundo de magia de Franz e Valkíria, que mesclado com a luz da Estrela Azul, brilhando lá no infinito, onde o Espaço se encontra com o Tempo, forneceu a energia suficiente para envolver aquele mundo de encantos, protegendo toda a vida lá existente, para que mergulhasse no vazio frio do Universo.

Franz e todos os demais dormiam profundamente.

Nesse mesmo momento Valkíria se dirigiu à plataforma de embarque, o blim-blom característico das Estações anunciava que em breve o trem deixaria a Vila do Por do Sol em direção à Grande Estação.

Sentindo o movimento o Freud-cão se antecipou, vindo a entrar no vagão ainda antes que Valkíria e ocupou o último banco, junto à janela, Valkíria se acomodou ao lado dele, que com as orelhas empinadas observava o movimento das pessoas na plataforma embarcando no trem.

Um último blim-blom indicava a partida do trem, em seu coração Valkíria percebeu que sentiria saudades da Vila do Por do Sol, ainda que só a tivesse conhecido pessoalmente há alguns momentos, mas quando na companhia de Franz, nos últimos dias em sua casa, ao se acariciarem ou trocando olhares, sentiu conhecer cada trilho, calçada, árvores e flores que Franz tinha apreciado nos dias em que lá convivera.

Além da beleza do lugar, Valkíria também sentiu nos olhos de Franz o quão bem a pequena vila o acolhera.

Lentamente o trem começou a se mover, deixando para traz a estação, ao chegar aos limites da vila já se encontrava na velocidade normal de viagem.

No Mundo das Estações os trens não eram lentos nem velozes, eles tinham tecnologia para construírem máquinas rápidas, mas isso não era importante, sentiam que na maioria das vezes, mais importante do que chegar a um destino, era o caminho propriamente dito.

Algo que a totalidade das pessoas que habitam o Mundo das Estações apreciam é ver o a magia do mundo que os rodeia enquanto viajam de uma estação a outra.

Talvez por isso aqueles que vivem nesse mundo não sentem necessidade de uma morada fixa, seja para onde forem, sempre há um lugar que os acolha.



Em poucos instantes o trem deixou a Vila do Por do Sol para traz, logo a vegetação rala e os arbustos floridos cederam seu lugar a uma densa floresta.

Agora o trem em um ritmo um pouco mais lento subia a serra, olhando para traz, em uma grande curva Valkíria e Freud-cão puderam mais uma vez ver a Vila desaparecer, lentamente, quando mais uma vez deslizavam em linha reta.

O dia havia clareado totalmente, a luz lilás da estrela do Mundo das Estações vinda por detrás das montanhas se mesclava ao verde exuberante da vegetação.

No alto da serra, ao alcance do olhar através da janela, uma imensa depressão na floresta abrigava uma lagoa de águas límpidas, por um longo tempo o trem deslizou em seus trilhos ao lado da lagoa, o lado oposto era formado pela parede da encosta das montanhas, formada com um aclive acentuado coberto pela vegetação, que nessa época se encontrava forrado de flores.

Valkíria ficou curiosa, a Vila do Por do Sol já estava bastante distante e, não havia qualquer construção nas proximidades da lagoa, todo o seu redor estava envolto pela cadeia de montanhas.

Valkíria sentiu que as águas límpidas, preciosas, eram um dos elementos que alimentavam não só a vida daqueles que habitavam a Vila, que acolhera Franz e que tão bem a acolhera mesmo que só por uns poucos instantes, como também outras vilas que as montanhas abrigavam.

As montanhas, a lagoa, a floresta, a vegetação e os seres que mesmo invisíveis aos olhos trazem em si algo de sagrado, mantido pela luz lilás da Estrela que alimenta o Mundo das Estações, cada ser vivo, e mesmo os inanimados carregam em sua essência a vida que vem do Sol desse maravilhoso mundo.

É a mesma essência que compõe não só os habitantes da Vila do Por do Sol, como de todos aqueles que vivem no Mundo das Estações.

Nos hábitos, respeito e gratidão de todos aqueles que acolheram Franz e, agora nesse breve momento Valkíria, encontra-se impregnado e aparente na gentileza desse acolhimento.

Valkíria sentiu que muitas estrelas eram compostas da mesma essência, talvez todas elas.

Uma sombra no centro da lagoa tirou Valkíria de seu transe, Freud-cão ao seu lado emitiu um leve esboço de latido, bem baixinho, alguns que viajavam no mesmo vagão estavam no mundo dos sonhos, enquanto outros, como Valkíria mantinham os olhos fixos na sombra no centro da lagoa.

Ao olhar para cima, algo se afastava lentamente do Mundo das Estações, deixando a sombra cada vez menor, Valkíria sentiu que Franz e seu mundo de magia se dirigia ao escuro vazio do Universo.

Quando o trem chegou ao fim do lago, a sombra já havia desaparecido totalmente.

Valkíria sentiu que quando anoitecesse, ainda no Mundo das Estações poderia ver a Casa do Gramado entre as estrelas.



Aqueles que habitam o Mundo das Estações, como os Esquecidos têm um grande apreço e gratidão pelas suas reservas de águas, em ambos, suas cidades, mesmo as pequenas se erguem muito distantes dessas.

Aqui no Mundo das Estações essas reservas são envoltas por cadeias de montanhas e por densas florestas, já no Mundo dos Esquecidos a vegetação é escassa, predomina pequenas árvores e arbustos, mas todo o seu solo é permeado por pedras de todos os tamanhos que se encaixam, sejam em suas construções nas cidades, ou aquelas que no decorrer de milênios a natureza se encarregou de encaixá-las. 

No Mundo dos Esquecidos suas reservas de águas estão envoltas por verdadeiras florestas de pedras que cedem a sua superfície para a rala e preciosa vegetação existente.

Nesses dois mundos obter água para o consumo representa a seus habitantes um grande esforço, em decorrência da distância em que essas reservas se encontram, mas eles sabem usá-las com gratidão e sabedoria, como a luz proveniente da estrela que alimenta o seu mundo, as águas e tudo que a natureza produz, para esses povos têm uma estreita relação com o sagrado.

São bens em que não há proprietários, conceito esse desconhecido tanto pelos Esquecidos como por aqueles que habitam o Mundo das Estações, esses se conhecem como partes não só do mundo que habitam, como também do Universo que os cercam, assim essa idéia de posse aparentemente nata aos Preocupados e outros povos, são desprovidos de qualquer sentido.

Os Esquecidos e aqueles que desfrutam a vida deslizando pelos trilhos são partes do Universo que os circundam, infinito, vivo, pulsante.

Para esses o Universo cede a eles tudo que lhes é necessário, um gesto de gratidão a cada célula que o compõe.

A idéia de posse no Mundo dos Preocupados leva esses a subtraírem de seu ambiente e de seus próprios semelhantes além do necessário, o que continuamente gera um sentimento de falta e, assim, faz com que esse chegue à exaustão, criando um ambiente de caos à sua volta.

Esse caos faz com que não se sintam como parte do Universo que os rodeia, assim sentem-se autorizados a espoliar tanto o que há em volta quanto seus próprios semelhantes.

As densas florestas e cadeias de montanhas no Mundo das Estações e as florestas de pedras no mundo dos Esquecidos são imensos filtros que purificam as águas, que como a luz das Estrelas estão entre as fontes primordiais da existência, uma dádiva, um presente que a Vida dá a todos, com abundância, sequer necessitam de maiores cuidados, basta preservar.



Tanto no Mundo dos Esquecidos como no das Estações, as águas que necessitam, dispensam qualquer tipo de tratamento, elas são purificadas pelas imensas florestas e pela vida que nelas proliferam, enquanto as florestas filtram possíveis impurezas, a vida se encarrega de purificá-las.

A água cristalina que esses povos bebem ou consomem em sua higiene deixam a sua pureza impregnada na vida dessa gente receptiva.

Estava no final da tarde quando o trem em que Valkíria e Freud-cão viajavam terminou seu trajeto na cadeia de montanhas, agora suas rodas deslizavam nos trilhos em uma reta monótona.

Alguns que desfrutavam o mesmo vagão que Valkíria dormiam profundamente, mas ela estava em transe, olhando na mesma direção que Freud-cão, com as orelhas empinadas, através da janela, mirando um ponto infinito.

Uma tênue luz azul iluminou a sua face, praticamente imperceptível, aos que com ela partilhavam o mesmo espaço, mas o mesmo reflexo brilhou nos olhos de Freud-cão, que emitiu um leve ruído.

Eles sentiam que a Casa do Gramado agora se aprofundava no vazio escuro do Universo, em direção a um mundo distante, agora adormecido.



Quando a estrela de luz lilás que alimenta o Mundo das Estações começou a se por no lado oposto ao que o trem se dirigia, à frente ao alcance dos olhos se delineava o contorno da Grande Estação.

O blim-blom característico avisando que se aproximavam de seu destino despertou todos que estavam no trem. Freud-cão empinou as orelhas e se posicionou defronte à janela, desejava apreciar o movimento.

Valkíria com os olhos abertos, parecia desperta como todos os demais, mas permanecia em transe, aparentemente olhando o vazio, seus olhos estavam fixos no horizonte muito além das linhas definidas pela Grande Estação, não demorou e Freud-cão também ficou imóvel mirando na mesma direção, sentiam nesse ponto, que aos demais parecia ser o vazio, a presença de seu mundo de magia.

Lá, Franz e todos os demais dormiam profundamente, os sonhos desenhavam o caminho que precisavam seguir.

Ao adentrar a Grande Estação, Valkíria e Freud-cão despertaram do transe, o trem deslizava lentamente, suas dimensões eram tão gigantescas que já há alguns minutos o trem deslizava em suas instalações, após mais um blim-blom uma voz firme e ao mesmo tempo delicada pediu que todos aguardassem sentados que em mais alguns minutos o trem estacionaria em uma das plataformas.

A quantidade de trens e de pessoas que circulavam despertou a atenção de Valkíria.



Valkíria agora experimentava a mesma sensação que Franz teve ao chegar à Grande Estação, algo que se delineava entre o estranhamento e a desorientação, Freud-cão partilhava as mesmas impressões, sentiu já ter estado nesse lugar e, assim, conduziu a sua companheira ao piso superior da Estação, mesmo usando as esteiras rolantes levaram um tempo significativo para chegarem à cobertura.

Para Valkíria o tempo não representava algo que merecesse a sua atenção, era indiferente o quanto levava para se chegar a algum lugar, ou para se realizar alguma tarefa.

Lembrou-se de seu passado, quando ensinava crianças cujas famílias não podiam pagar as escolas, ou outras que não se adequavam a regras, as quais ela também não conseguia discernir qualquer significado, nesse tempo muitas vezes os pais esboçavam profunda preocupação quanto ao tempo que seus filhos levariam para aprender coisas que muitas vezes nem ela, nem os pais e muito menos as crianças sabiam a finalidade.

Ao chegar ao piso superior da Estação os últimos raios da Estrela Lilás brilhavam no horizonte, algo que parecia ser uma estrela se destacava, próximo à lua desse mundo, quem visse acharia ser mais uma estrela brilhando no céu, mas Valkíria e Freud-cão sentiram que era a Casa do Gramado se afastando desse mundo.

Uma ponta de angústia invadiu o peito de Valkíria, sentia ainda ter algo que a prendia no Mundo das Estações e, ao mesmo tempo desejava estar junto a Franz, seu pequeno cachorro branco, e toda a magia que envolve a sua casa.

O cheiro de um café forte que acabara de ser feito desviou a sua atenção, Freud-cão tentava chamar-lhe a atenção, levando-a para uma imensa mesa, que tinha à disposição cafés, chás, doces e salgados, após pegar uma generosa porção para ela e para o cachorro de Franz, ocupou uma mesa menor, para se alimentarem, e apreciarem as estrelas do céu.

Estavam tão distantes da Grande Estrela Azul que o único vestígio que dela podiam apreciar estava na tênue luz azul que envolvia a Casa do Gramado, que se afastava rapidamente do Mundo das Estações.



Uma dúvida passou pela mente de Valkíria, não entendia o que estava fazendo naquele lugar e, seu coração dizia que era para estar em seu mundo de encantos, na Casa do Gramado, que rapidamente se afastava. Agora se assemelhava a mais uma estrela brilhando no céu, um pequeno ponto se dirigindo ao infinito, envolto por uma tênue luz azul.

Nesse momento sentia-se cansada e desorientada, sentado ao seu lado Freud-cão a olhava com a expressão de muito sono, ele também se sentia cansado.

Lentamente Valkíria terminou a sua refeição, quando se levantou para recolher e arrumar as coisas Freud-cão a olhou no fundo dos olhos e se deitou ao lado mesa onde estavam, com dificuldades em manter os olhos abertos ficou observando Valkíria, agora ao lado de uma pia lavando os utensílios que acabara de utilizar.

Logo uma outra moça que também estava na cobertura da Grande Estação se juntou a ela, puxando conversa ela disse que às vezes se tornava cansativo, ainda que prazeroso as grandes viagens, concluiu dizendo que ao fundo, no mesmo andar que estavam tinha um lugar para as pessoas descansarem, completou dizendo que ela iria passar a noite ali.

Gentilmente Valkíria agradeceu e concluiu o que estava fazendo, ao se aproximar de Freud-cão ele empinou as orelhas e se levantou nas patas dianteiras, olhando-a diretamente nos olhos.

Seguindo as orientações da moça com que conversou ao concluir a arrumação das coisas se dirigiu aos fundos do andar onde estava, lá encontrou um grande jardim, com bancos espalhados entre as plantas, lá algumas pessoas descansavam, não demorou e a moça com quem acabara de conversar também se aproximou e ocupou um lugar ao lado dela.

Passado alguns instantes a moça dormia profundamente, quando desviou os olhos para Freud-cão notou que ele também dormia, sua face estava voltada para a Casa do Gramado que continuava se afastando.

No meio do silêncio Valkíria sentiu que no centro desse jardim tinha uma fonte jorrando brandamente a água cristalina e tão preciosa desse mundo, todos aqui sentiam ser essa, uma das fontes primordiais da vida, que jorrava em abundância, cristalina, um presente a todos que desfrutam a vida.

Aos poucos os sons da água, o vento brando que movimentava as folhas das plantas do jardim levaram Valkíria ao Mundo dos Sonhos, em transe sua face permaneceu brandamente iluminada pela luz das estrelas brilhando no infinito.



A Casa do Gramado estava agora nos limites do campo de atração da estrela de luz lilás, que alimenta o Mundo das Estações, os últimos raios de luz lilás que envolviam o mundo de encantos de Franz e Valkíria não mais conseguia tocar a sua superfície, e como muitos outros que chegavam a esse extremo eram atraídos de volta à sua origem.

Seguia em direção ao vazio, infinito, muito distante de qualquer outra estrela envoltos apenas pela luz da Grande Estrela Azul.

Na varanda Franz dormia profundamente, quando os últimos raios de luz da Estrela Lilás não mais tocavam a Casa do Gramado, uma leve onda de frio percorreu toda a sua superfície.

O pequeno cachorro branco de Valkíria despertou brandamente, com um leve tremor, sentia frio, em um pequeno salto ocupou o banco em que Franz dormia e se aninhou junto a ele, queria partilhar o calor dele.

No gramado e na varanda todos os demais repetiam o mesmo gesto, sentiam frio, mas permaneciam em sono profundo.

O cachorrinho branco dirigiu um último olhar ao redor e sentiu que todos estavam mergulhados no Mundo dos Sonhos.

As árvores que rodeavam o gramado agora estavam espalhadas nele, e tomavam toda a frente da varanda.

Gentilmente desceram seus galhos, cobertos de folhas e flores, cobrindo a todos que estavam na varanda e também aqueles que estavam adormecidos no gramado.

Se fecharam tanto que não sobrou nenhuma fresta para que a luz azul passasse. 

Todos dormiam profundamente.

O Mundo dos Esquecidos voltou a povoar a mente de Franz.



Franz sonhava com os primeiros dias em que tinha chegado ao Mundo dos Esquecidos, caminhando pelas calçadas de pedra da cidade deserta, não conseguia compreender porque não encontrava as pessoas.

Sentiu que algo estava errado, Freud-cão deveria estar ao seu lado, mas agora estava só, estava anoitecendo, mas diferente do que esperava o céu estava vazio, escuro, não havia uma única estrela brilhando.

Quando olhou novamente ao seu redor a cidade com calçadas de pedras não mais estava lá, mais uma vez sentiu estar na varanda de sua casa.

Ao seu lado sentiu o pequeno cachorro de Valkíria aninhado ao seu lado, acarinhou levemente suas orelhas e cabeça.

O cachorrinho soltou um  leve gemido depois de um leve tremor ter percorrido todo o seu corpo e se aninhou ainda mais com Franz, partilhando o seu calor.

Sonhando Franz dirigiu o olhar para o infinito vazio, sentiu um minúsculo ponto lilás, menor que a cabeça de um alfinete emitir um leve lampejo, viu no minúsculo ponto o olhar de Valkíria.

Mesmo no vazio, sentiu não estar só, a Grande Estrela Azul sempre desenhava uma Trilha unindo seu coração ao de sua doce Valkíria.



Quando Valkíria despertou o dia já tinha amanhecido, os sonhos ainda estavam impregnados em sua mente.

Olhando ao redor não muito distante Freud-cão tomava água em uma pequena vasilha oferecido pela moça que fizera companhia na noite anterior.

Ao perceber que Valkíria tinha acordado, Freud-cão correu ao seu encontro, atrás dele, calmamente a moça o acompanhou levando a preciosa água para que ele pudesse desfrutar enquanto partilhava a companhia.

Aos poucos aqueles que passaram a noite descansando foram acordando, todos que passavam por perto, não deixavam de admirar o cachorro apreciando a sua água e ao mesmo tempo atento à sua parceira.

Puxando conversa a moça disse que ao entardecer chegaria ao seu destino, ia ficar algum tempo em um pequeno vilarejo, um lugar que as pessoas aprendiam a lapidar pedras para que essas pudessem refletir a luz das estrelas.

Completou dizendo que as pedras, como tudo que nos rodeia traz em si a essência do Universo e entre suas características destacavam-se a pausa e o movimento, o elemento que conheciam mais significativo que representava a pausa eram as pedras, que lapidadas se transformavam em cristais e nesses podiam observar o reflexo do movimento das estrelas.

E quando encontramos a pedra que uma vez lapidada traga em seu centro o brilho de uma estrela, é essa que reflete em si a nossa própria essência.

Agradeceu a companhia dela e de Freud-cão, nesse breve momento de sua vida e se despediu dizendo estar na hora de embarcar em seu trem.

Valkíria e Freud-cão também se sentiam gratos pela companhia, perceberam que havia algo ainda a se revelar na Grande Estação até que pudessem retornar ao seu mundo de encantos.



Logo o salão que abrigava aqueles que desejavam descansar foi-se esvaziando, mas Valkíria permaneceu não por ainda estar cansada, ficou refletindo sobre a conversa que tivera há pouco.

As pedras, a pausa, o movimento a tinham deixado pensativa, gostaria de ter conversado mais com a moça, que se fora sem deixar o nome, mas enquanto apreciava as plantas, os sons da água na fonte que estava muito próxima, sentiu que ainda se encontrariam.

Percebeu que depois de ela lapidar uma pedra e essa se tornar brilhante o bastante, em algum momento ela iria ver nessa o reflexo da sua estrela.

Lentamente caminhou em direção à fonte, atravessando corredores formado por plantas, Freud-cão, atento, seguia seus passos.

A fonte estava no centro do salão, tinha formato circular, nesse centro não havia cobertura, estava a céu aberto, permitindo à estrela do Mundo das Estações iluminar todo o salão.

À noite nos extremos da fonte, onde a água ficava praticamente parada, separada por um círculo de pedras, Valkíria sentiu que podia ver o reflexo das estrelas nessa parte fonte.

O chão, todo montado com pedras minúsculas e coloridas, formavam um grande mosaico com formato circular, pessoas dormindo, deitadas no extremo do círculo, tinham suas faces voltadas para o centro, onde a água jorrava através de duas pedras com formato circular, uma delas de cor avermelhada e a outra azulada.



Todos na Casa do Gramado agora estavam mergulhados em sono profundo, além da tênue luz azul que envolvia esse mundo de encantos tudo o que havia era o infinito, vazio, escuro.

Franz sonhava, um tempo longínquo povoou sua mente, sentiu-se criança outra vez. Um tempo que caminhava sozinho por uma Trilha, que só ele sabia encontrar.

Nesse tempo o sensação de vazio trazia incomodo e até sofrimento àqueles que cuidavam dele, aqueles que se intitulam de adultos.

Para esses o vazio muito se assemelhava à angustia, e sofriam por isso, assim atribuíam o seu sofrimento ao vazio, por isso tinham o hábito de preencher tudo o que tinham à volta, as casas eram repletas de objetos, mesmo que esses não tivessem qualquer finalidade.

Igualmente ocupavam todo o tempo, não deixando espaços livres, alguns chegavam a achar que o tempo que ficavam dormindo era desperdício, e que esse deveria ser ocupado com algo mais produtivo.

A primeira vez que Franz se defrontou com o vazio, foi quando se sentiu só na Trilha e essa se fechava atrás dele próprio a cada passo que ele dava, o sentimento de vazio tomou conta de seus pensamentos porque aqueles que até então cuidavam dele e o mundo que habitavam estava deixando de fazer parte da vida que se estendia à sua frente.

Ainda que nutrisse alguma tristeza por estar deixando aqueles, em alguns sentidos, com quem até então tinha vivido, e muitos daqueles que dele cuidavam, Franz não se sentia angustiado, levava consigo saudades e um pouco de apreensão frente ao novo mundo que à sua frente se desenrolava, apenas isso.

Sentia ainda que a presença daqueles que dele cuidavam e todas as qualidades de onde tinha vindo, estariam sempre presentes em seu coração, e bastava voltar-se a si próprio que se encontraria com seu passado pulsando no próprio coração.

Enquanto caminhava pela trilha sentiu que a angustia que as pessoas que conviviam com ele não era proveniente do vazio, e sim, daquilo que elas desconheciam, por ocuparem tudo à volta e todo o tempo, não se defrontavam com o vazio de si próprios que desconheciam e isso os levavam à angustia, não percebiam que um possível caminho para aliviarem a angustia era justamente se permitir ter acesso aos seus próprios vazios.

O vazio, agora frio do Universo, para Franz representava as saudades de seu passado, mesmo dos Preocupados, mas principalmente de Valkíria.

A Casa do Gramado mergulhava cada vez mais rapidamente no vazio, agora atraída por um ponto ainda impossível de ser visto de tão distante que se encontrava, logo um mundo já conhecido se desvelaria.



Valkíria não demorou a interpretar o mosaico onde estava inserida a fonte, imediatamente o Mundo dos Esquecidos veio à sua mente, mas ainda se sentia desorientada, tinha presenciado seu mundo de encantos mergulhar o vazio, sentiu que Franz e seus anjos se dirigiam agora ao mundo que tão bem os acolhera anteriormente, mas ela e Freud-cão tinham ficado junto àqueles que vagam de uma Estação a outra.

Sentiu um cheiro de café que tinha acabado de ser feito vindo do salão anexo ao espaço onde agora se encontrava, Freud-cão atento empinou as orelhas e arregalou os olhos, ao olhar para seu companheiro percebeu que esse desejava se alimentar, e ela também.

Havia poucas pessoas no salão, o dia tinha amanhecido há pouco a luz lilás da estrela que alimentava esse mundo adentrava pelas imensas janelas.

Conseguia perceber o movimento nos pavimentos inferiores, de onde estava era possível ouvir os trens, alguns parando nas plataformas, enquanto outros partiam, além do blim-blom característico.

Pegou algumas guloseimas para ela e para o cachorro de Franz que sempre a acompanhava de perto, além de um café bem forte e leite.

Quando se aproximou Freud-cão chegou bem perto, queria cheirar tudo.

Enquanto se alimentavam observou um senhor a poucos metros também desfrutando o café da manhã, em seu rosto havia um sorriso estampado.

Na cadeira ao seu lado o senhor tinha uma pequena maleta, ela a reconheceu, Franz tinha uma idêntica, lembrou-se quando a viu pela primeira vez, era onde Franz guardava as suas coisas, quando fazia esboços da casa onde morava, nessa época estavam separados por um breve lapso de tempo, e só se viam através da janela de uma pequena saleta, onde sentada em um sofá ficava lendo.

Quando o senhor terminou o café levantou-se lentamente e dirigiu-se na direção de Valkíria.



O senhor interrompeu seus passos lentos e mais uma vez parou diante da mesa onde ficavam os alimentos, em um prato colocou uma porção generosa de pão de milho que tinha acabado de ser trazido, ainda estava quente.

Continuando seus passos parou diante de Valkíria e solicitou a companhia dela. Freud-cão já tinha se levantado e cheirava um pouco de longe os pãezinhos que o senhor trouxera, após ganhar a sua parte, o cachorro que sempre acompanhava de perto Valkíria momentaneamente se contentou com a sua parte vindo a se sentar ao lado dela.

Com os olhos bem abertos e orelhas empinadas se mantinha atento a Valkíria e ao visitante.

O senhor tinha um sorriso estampado em seu rosto, não demorou e ofereceu mais uma porção ao cachorro que permanecia atento.

Disse que partiria na seqüência, seu trem estava para chegar e completou dizendo que sentia que ela saberia dar o destino à pequena maleta que há algum tempo tinha lhe sido confiada.

Nesse momento Valkíria não teve qualquer dúvida a maleta não era apenas parecida, era a maleta de Franz.

O blim-blom característico anunciou a chegada de um trem à plataforma, desejando felicidades a Valkíria, mas não sem antes agradar ao Freud-cão se levantou e, nos mesmos passos lentos se dirigiu aos pisos inferiores onde chegavam e partiam os trens.

Valkíria na companhia de Freud-cão permanecia à mesa, enquanto apreciava o delicioso pão de milho com um café bem forte começou a mexer na pequena maleta.

Em seu interior encontrou uns poucos pertences de Franz: alguns lápis, caneta, um pequeno jogo de esquadros e régua, e ainda um grosso envelope fechado.

Em seu interior Valkíria encontrou primeiro um pequeno esboço de uma casa com grandes janelas e um jardim à sua  volta.

Um outro desenho, rabiscado a lápis no interior do envelope continha o desenho de uma adolescente sentada em um pequeno sofá em uma saleta, lendo um livro.

Com carinho tocou cada objeto contido na maleta e voltou a fechá-la.

O movimento na estação com o avançar do dia aumentara muito, muitas pessoas chegavam e partiam, várias delas vinham ao salão onde estava para um breve café, ou apenas para aguardar um pouco.

Valkíria ainda não sabia para onde ir, mas sentia em breve seu coração iria apontar a direção, à sua frente, Freud-cão atento olhava no interior de seus olhos.



Terminando o seu café ficou pensativa: refletia sobre o breve encontro com aquele senhor, na pequena maleta e nos pertences de Franz e, ainda, na noite anterior no encontro com a moça que falara sobre as pedras.

Imaginou-se polindo uma pequena pedra branca, até que essa ficasse muito brilhante e pudesse refletir a luz da Grande Estrela Azul.

Lembrava também dos Esquecidos, as Construções Circulares feitas com pedras que muitas vezes vinham de outros mundos, dos imensos mosaicos que contavam as histórias desse povo que tão bem a acolhera.

Sentia que estava na hora de deixar o Mundo das Estações, que era um outro lugar que levaria junto ao coração, mas desconhecia o lugar para onde desejava ir, ou como nele chegar.

Seus sentimentos apontavam o desejo de estar em seu mundo de magia, a Casa do Gramado, junto a Franz e a todos os encantos que envolviam a sua casa, mas sentia-se desorientada, quando veio para a Grande Estação presenciou seu mundo mergulhar no infinito e frio Universo, apenas envolto pela luz da sua estrela e a luz lilás do mundo das Estações.

Na pequena maleta deixada pelo senhor sentiu a presença de Franz, quando se viam através da janela da sala da casa onde morava, mas naquele momento estavam separados por um pequeno lapso de tempo.

Naquela época a Estrela Azul tinha desenhado a Trilha que unia seu coração ao de Franz.

Refletindo sobre o mundo em que agora estava vivendo sentiu que as trilhas não eram muito diferentes dos trilhos, ambos estavam sempre envoltos por magia.

Ainda envolta em seus pensamentos foi caminhar junto com o Freud-cão pelas plataformas de embarque e desembarque, muitas pessoas chegavam e partiam, mas a Grande Estação não era um lugar em que as pessoas vivam, era um grande marco, praticamente um ponto central que interligava muitos lugares.

O Mundo das Estações era permeado por pequenos vilarejos e era nesses que as pessoas moravam, estavam sempre se mudando de um vilarejo para outro, essas pessoas não se fixavam por muito tempo nos mesmos lugares, mas apreciavam o que a vida tinha a lhes oferecer, gostavam principalmente de levar o que aprendiam com seus sentimentos e experiências a outros lugares e partilhar esses sentimentos.

Ainda desorientada, Valkíria não encontrou na Grande Estação um caminho que desejasse seguir, percebeu essa peculiaridade naqueles que chegavam, as pessoas não tinham um lugar certo para irem, apenas iam, não eram elas propriamente que escolhiam os caminhos, sutilmente os trilhos diziam a elas para onde deveriam ir.

Cansada voltou ao salão anexo ao lugar onde as pessoas costumavam se alimentar e, junto com o Freud-cão desejou descansar um pouco, sentou-se em um banco junto à fonte, a Estrela Lilás ocupava agora o centro do céu.

Lentamente seus olhos se fecharam. Freud-cão ocupou o lugar ao seu lado no mesmo banco, vindo a deitar sua cabeça no colo de Valkíria.



Ao despertar Valkíria teve a impressão de que tinha dormido por horas, Freud-cão continuava adormecido, com a cabeça em seu colo, mas ao olhar para o céu percebeu que a Estrela Lilás praticamente não tinha mudado a sua posição, ainda ocupava o centro  do céu do Mundo das Estações.

Teve a impressão de ter ouvido um trem estacionar em uma plataforma, mas agora tudo que ouvia era o barulho das águas da fonte.

Acarinhando a cabeça de Freud-cão, que despertara, mas permanecia com a cabeça em seu colo, ficou por uns instantes apreciando a fonte.

Anteriormente tinha notado que o chão ao redor formava um grande mosaico, mas até então não tinha prestado atenção nos desenhos que se formavam.

Lembrou-se das Construções Circulares em que os mosaicos contavam a história daquelas pessoas, e da felicidade que sentiam ao verem essa desvelada.

Agora percebia que no mosaico da fonte se desenhava uma plataforma de embarque, um trem com uma única composição aguardava bem defronte de onde jorrava a água da fonte.

Sentiu curiosidade em mais uma vez olhar os pertences de Franz, quando percebeu que junto aos esboços da casa onde há muito tinha vivido, tinha um pequeno envelope endereçado a ela.

Não demorou em reconhecer a caligrafia de Franz, dentro do envelope desenhado por seu amado um breve recado.

Você me encontrou meu amor e eu estava te esperando, você me acha mesmo quando estamos separados por um lapso de tempo.

Com a vista enevoada mais uma vez olhou para o mosaico junto à fonte, na composição de trem, junto à janela, olhando para ela viu claramente Freud-cão com as orelhas empinadas, desviando os olhos para o seu colo não viu, nem sentiu mais a presença do cachorro de Franz.

Lentamente flutuou na direção do mosaico, ao se aproximar da porta do vagão do trem, Freud-cão correu em sua direção, além do cachorro não havia mais ninguém no vagão, acomodou-se no fundo junto à janela, mas não demorou e com as orelhas empinadas olhando em seus olhos Freud-cão denotou desejar o lugar em que ela estava, mas queria que Valkíria ficasse ao seu lado, sentindo o calor, a presença.

Com muito sono ouviu o blim-blom característico, logo depois a porta se fechou e sentiu o trem iniciar seu movimento, bem devagarzinho, parecia desejar não interromper o seu sonho.



Ao notar a ternura nos olhos de Freud-cão, Valkíria não hesitou, cedeu o acento ao lado da janela ao seu companheiro e sentou-se ao seu lado, sem deixar de colocar uma das mãos junto à cabeça de seu atento parceiro, eles sentiram que muitas vezes o calor, a simples presença já trazem em si tudo o que é necessário.

Lentamente o trem aumentava a sua velocidade, deslizava suavemente sobre os trilhos, praticamente sem qualquer ruído.

A monotonia da viagem deixava os olhos de Freud-cão pesados, não demorou e se desinteressou da paisagem do lado de fora e preferiu descansar a cabeça no colo de Valkíria.

Já Valkíria não adormecia, imóvel e com os olhos parados, estava em transe. Da posição em que se encontrava podia ver o Mundo das Estações lentamente diminuir o seu tamanho, até se parecer com uma pequena estrela no céu, apenas iluminado por alguns raios de luz da Estrela Lilás.

Em seu pensamento sentia a impressão que as pessoas tinham em alguns mundos. Muitos achavam que esses eram uma fonte inesgotável de recursos, a ser explorado, só uns poucos que conseguiam presenciar à distância sentiam a fragilidade e ao mesmo delicadeza do lugar onde viviam.

De onde estava o sentimento de ser parte de um todo fervilhava em Valkíria e em Freud-cão, mesmo estando adormecido, um Universo infinito, vivo, pulsante.

Agora um brilho intenso de cor lilás ocupava todo o campo visual de Valkíria, a luz azul que envolvia o trem impedia que ela cegasse.



À medida que mergulhava no infinito vazio a luz da Estrela Lilás foi diminuindo sua intensidade, junto com a luz azul ela também envolvia o pequeno trem que transportava Valkíria e Freud-cão.

Quando os últimos raios da luz lilás estavam se dissipando, lentamente Valkíria flutuou na direção da centro do vagão, o dócil cachorro de Franz despertou brandamente emitindo um leve gemido e também flutuou em direção a ela, ficando muito próximos, partilhando o calor.

A luz da Estrela Azul, onde estavam não era o bastante para envolver todo o trem, mas era o suficiente para desenhar uma linha tênue à volta dela e do cachorro.

Quando a Casa do Gramado, com Franz e os demais tinham seguido o mesmo caminho estava envolvida também por uns poucos raios de luz da Estrela Azul, mas além desses dispunha da energia daquele mundo de encantos e de todos que nele habitam.

O trem agora seguia o caminho lentamente, dispondo apenas da atração que a Casa do Gramado podia exercer sobre ele.

Não tendo energia o suficiente para manter o transe, Valkíria e Freud-cão dormiram profundamente.

No sonho Valkíria encontraria a energia necessária para desenhar a trilha que unia seu coração ao Franz, transportando a ela própria e o Freud-cão ao seu mundo de magia.

No extremo oposto, de tão distante a Estrela Lilás se tornou um pequeno ponto, impossível de ser visto, mergulhado na escuridão e no sentido em que iam o trem também não passava de um outro ponto escuro.

Os poucos raios de luz que envolviam os dois só podia ser visto muito brandamente do interior do vagão, para manter o pouco calor que tinham Valkíria e o cachorro pulsavam juntos.

Estavam mergulhados no vazio, infinito, em estado de suspensão.



À frente da Casa do Gramado um minúsculo ponto luminoso, imerso no vazio escuro em tempos regulares emitia um único raio de luz na direção do topo das árvores que envolviam a casa.

Na varanda Franz e os demais dormiam profundamente.

Lentamente o ponto luminoso parecia crescer, à medida que a Casa do Gramado se aproximava.

As árvores, o gramado, pareciam agradecer a luz que os estavam agraciando, os arbustos começaram a florescer, lentamente.

Em pouco tempo o ponto luminoso já ocupava todo o horizonte, gentilmente as árvores fecharam a entrada da varanda e abriram seus galhos, deixando à sombra todos os seres mágicos desse mundo de encantos que dormiam profundamente.

Franz sonhava com suas primeiras caminhadas pela trilha, lembrou-se das inúmeras vezes que parava em frente à bifurcação quando se dirigia à casa de Valkíria ou quando retornava ao Mundo dos Preocupados.

A pouca luz que atravessava as árvores despertou brandamente o pequeno cachorro de Valkíria, mas ele também sonhava e buscou a sombra ao lado de Franz.

Lentamente a Casa do Gramado desceu do céu em direção ao único planeta que orbitava a estrela, parou no centro de uma grande cidade ao lado de uma imensa Construção Circular, estava tudo em silêncio, e as ruas desertas.



Todos na Casa do Gramado dormiam profundamente, sonhavam juntos o mesmo sonho.

As ruas de pedras polidas que em um passado remoto foram familiares a Franz, Valkíria, ao Freud-cão e também ao pequeno cachorro branco que agora dormia profundamente aninhado com Franz; estavam totalmente desertas.

Igualmente a Trilha da Casa do Gramado também estava deserta e, no gramado que envolvia a casa todos os seres encantados desse mundo de magia dormiam profundamente.

No momento em que a Casa do Gramado desceu a esse mundo, a luz que a envolvia se ampliou, brilhava tanto que chegava a se mesclar com a luz da estrela que o alimentava.

Em seu sonho Franz caminhava pelas ruas desertas, recordou-se de seus primeiros dias em que tinha chegado ao Mundo dos Esquecidos e, junto com o Freud-cão andara pelas ruas de uma cidade que naquele momento não era habitada.

Um temor passou por seus pensamentos, não compreendia o que teria ocorrido às pessoas desse mundo que tão bem o acolhera.

Quando deu por si notou a Casa do Gramado flutuando acima da Construção Circular e se afastando.

À entrada da construção, havia um grande mosaico inacabado, mas nitidamente via delineado a cena que acabara de presenciar, uma pessoa parada enfrente à entrada e a Casa do Gramado se afastando em direção ao vazio.

Entrou lentamente no saguão, exceto pelas pessoas, a cena lhe era bastante peculiar, uma grande mesa com frutas e água à vontade, estava com muita sede.

Não pôde deixar de apreciar algumas frutas e a preciosa água.

Ficou em dúvida se estava sonhando ou se estava de volta ao Mundo dos Esquecidos, quando se deu conta de que isso não importava e, sem qualquer dúvida estava entre aqueles que antes o acolhera, só não entendia ainda o que tinha ocorrido a eles.

Achou que talvez a resposta estivesse nos andares superiores da Construção Circular, mas estava com dúvidas sobre se era o momento de subir.



O trem que transportava Valkíria e Freud-cão movia-se agora lentamente apenas levado pela fraca atração que a Casa do Gramado podia exercer, encontravam-se em um ponto estacionário entre o Mundo das Estações e onde, agora adormecidos os Esquecidos estavam.

O trem estava à deriva não dispunha mais de energia o suficiente para a longa jornada que levaria Valkíria a mais uma vez encontrar Franz, que também, agora junto aos Esquecidos igualmente dormia profundamente.

A tênue luz azul que envolvia Valkíria e Freud-cão só era capaz de os manter em estado de suspensão, seus corações pulsavam lentamente, estavam aninhados, ambos em posição fetal, para manter o pouco calor de que dispunham.

Dividiam o mesmo sonho, lembravam-se de seus últimos momentos no Mundo das Estações, quando Valkíria após o café da manhã tinha retornado ao saguão da Grande Estação onde as pessoas descansavam.

Lembrou-se da moça que estava em busca de sua pedra que dizia que quando essa fosse polida o bastante poderia refletir a luz da estrela de onde ela tinha se originado.

Valkíria entendera que a pedra seria constituída da mesma essência que aquele que a encontrara e a polia, para nela poder enxergar a luz de sua estrela.

Desejava de coração que a moça que sequer sabia o nome, mas que como todos que habitavam o Mundo das Estações, tão bem a acolhera.

Onde estavam nada que fosse conhecido seria capaz de visualizar a Grande Estrela Azul. Valkíria e Freud-cão dependiam de que nenhum corpo celeste ficasse entre eles e a sua estrela, pois se isso acontecesse não haveria como os poucos raios de luz azul que os envolviam chegar a eles.

Assim, seguiam lentamente com a pouca atração que a Casa do Gramado agora podia exercer.

Valkíria lembrou-se de quando era criança e Franz vinha pela Trilha do Mundo dos Preocupados, sentiu-se confusa, essa era agora uma história muito antiga, não fosse a pouca energia que a mantinha teria despertado, felizmente Freud-cão dispunha de calor o bastante para os dois.

Curiosamente foi do Mundo dos Preocupados que veio a energia suficiente para transportar o trem na direção de onde Franz agora se encontrava.

Um pequeno cristal alaranjado ligeiramente menor que Freud-cão se aproximara vindo do Mundo dos Preocupados e diminuíra sua velocidade, encaixando-se na parte superior do trem.

A luz do cristal envolveu todo o trem. Valkíria e Freud-cão despertaram de um longo sono, lentamente o trem foi aumentando a sua velocidade em direção ao local onde estava a Casa do Gramado.

Uma sensação de paz e tranqüilidade sem precedentes tomou conta dos corações de Valkíria e Freud-cão.

No interior do cristal alaranjado viajava um pequeno ser para o Mundo dos Cristais, que em um tempo remoto Freud-cão e o pequeno cachorro branco de Valkíria tinham pedido para ele que fizesse companhia a Franz. 

Esse pequeno ser era constituído da mesma essência de todos aqueles que fazem parte da Casa do Gramado.



A luz do cristal alaranjado agora brilhava intensamente e envolvia todo o trem que transportava Valkíria e Freud-cão.

No Mundo das Estações, à noite, quem olhasse para o céu teria a impressão de estar observando mais uma estrela que nascera no firmamento, a mesma impressão poderia ser sentida no Mundo dos Esquecidos, mas lá todos dormiam profundamente.

Nesse, as janelas das Construções Circulares, deixava passar a luz alaranjada que iluminava a face de todos que lá estavam adormecidos.

Na Casa do Gramado, Franz, o pequeno cachorro branco de Valkíria e todos os seres encantados que lá habitavam também eram brandamente iluminados pela luz alaranjada.

No trem, a luz era tão intensa, que nada em seu exterior podia ser observado, Valkíria e o Freud-cão despertaram e flutuaram de volta ao acento no fundo do vagão.

Mais uma vez Freud-cão reclamou o seu lugar junto à janela, não demorou e foi tomado pelo sono, vindo a colocar sua cabeça no colo de Valkíria, que suavemente o acariciava.

Logo Valkíria também entrou em transe, inda que nada pudesse ser visto no exterior, ela sentia, muito distante o seu mundo de encantos, agora junto à Construção Circular no Mundo dos Esquecidos.

O trem deslizava velozmente em direção ao seu destino, quando entrou em órbita de seu planeta destino, o Cristal Alaranjado se descolou da parte superior do trem e gradualmente diminuiu a sua luminosidade.

Seguiu por mais uns instantes ao lado da janela onde Valkíria se encontrava, mas ela continuava em transe, foi Freud-cão quem primeiro despertou.

Ao olhar para fora claramente identificou o dócil Bill que também despertara brandamente dentro do cristal, ensonados, trocaram um longo olhar, sem deixarem de emitir um leve gemido, ambos sentiram desejo estar juntos, correrem e brincar juntos, mas igualmente sentiam que esse ainda não era o momento.

Em um tempo longínquo, Freud-cão tinha pedido ao dócil Bill que fizesse companhia a Franz, quando ele ainda vivia entre os Preocupados e agora Bill-cão retribuía, levando seu companheiro de muitas brincadeiras ao encontro de Franz.

Sentiam que em algum momento ainda se encontrariam e brincariam e correriam muito no gramado de sua casa.

Rapidamente o cristal se deslocou em direção ao Mundo dos Esquecidos, no ponto onde se encontrava a Casa do Gramado. Bill-cão estava com sono, mas levemente desperto, flutuou enfrente à varanda, iluminado a face de Franz que permanecia adormecido.

Como Franz também sentia muitas saudades, mas lentamente agora flutuou em direção ao horizonte, do lado oposto onde agora se encontrava o trem, emitiu um último e intenso raio de luz que o envolveu totalmente, colocando-o na direção de onde se encontrava a Casa do Gramado.

Em uma fração de tempo o pequeno cristal alaranjado desapareceu no vazio, na direção do Mundo dos Cristais, emitindo um leve gemido o dócil Bill de Franz e Valkíria se encolheu e voltou ao Mundo dos Sonhos.



Franz dormia profundamente, e sonhava.

A leve luz alaranjada que iluminou a sua face o fez lembrar de um tempo longínquo, uma vez mais sentiu-se entre os Preocupados.

Ficou em dúvida se estava sonhando ou se acabara de despertar.

Em sua cama, ao olhar pela janela, sentiu os primeiros raios de luz adentrar seu quarto.

Não demorou, apenas alguns instantes, começou a ouvir os passos tão conhecidos no andar inferior da casa onde morava, sabia que os sons dos passos se dirigiam à escada que dava acesso ao seu quarto.

Ensonado viu o seu dócil cachorro adentrar o quarto e se aproximar da cama, como era seu costume o Bill-cão apoiou a cabeça na cama, próximo ao travesseiro onde Franz ainda tinha dúvidas se estava acordando ou se estava sonhando.

Depois de algumas breves carícias, ao sentir que Franz ainda queria permanecer por mais algum tempo na cama, o dócil Bill deitou-se no tapete, ao lado da cama.

Quando Franz sentiu o cheiro de café e pão de milho sendo retirado do forno, o Bill-cão rapidamente empinou as orelhas e correu em direção à cozinha, logo atrás dele ainda com sono Franz o seguia.

Sentado junto à mesa da cozinha o cheiro do café era ainda mais forte, enquanto beliscava o pão de milho e apreciava o café, o Bill-cão apoiou as mãos no braço de Franz, pedindo por sua parte da broinha de milho.

Franz refletia sobre seu dia, esse era uma momento de imenso prazer, pensava agora na pequena volta que todos os dias experimentava com seu dócil companheiro, quando a maioria das pessoas ainda dormiam.

Lentamente essas imagens foram se apagando, dentro do cristal o dócil Bill emitiu um leve gemido, um sentimento de saudades invadiu o coração de Franz, que voltou a adormecer profundamente.

Agora o cristal alaranjado já estava no limite do campo de atração da estrela que iluminava o Mundo dos Esquecidos.

Quando o último raio de luz alaranjada não mais podia ser sentida na Casa do Gramado, em seu sonho profundo Franz sentiu que Valkíria e Freud-cão estavam próximos.



Lentamente o trem que transportava Valkíria e Freud-cão entrou na órbita do Mundo dos Esquecidos, vindo a descer bem devagarzinho, parando ao lado da Casa do Gramado.

Freud-cão foi o primeiro a despertar, seguido por Valkíria que saia de seu transe, ao olhar para a janela mais uma vez puderam se deparar com o seu mundo de encantos.

Sem pressa se levantaram e se dirigiram à única porta, agora aberta do vagão que os transportara, tudo se encontrava em profundo silêncio, como muitas vezes experimentara na varanda de sua casa, Valkíria poderia conseguir ouvir se alguma folha se desprendesse de uma árvore e viesse a cair no chão.

Não tivesse viajado por tantos mundos sentiria um estranhamento, agora do lado de fora do trem, de um lado a Casa do Gramado e toda a magia que a envolve: as grandes árvores, o gramado, a casa, a Trilha e toda a magia que lhe é tão familiar. Do outro lado a imensa Construção Circular do Mundo dos Esquecidos e, entre eles o trem que os trouxeram do Mundo das Estações.

No mesmo silêncio que chegou o trem começou a se locomover lentamente rumo ao horizonte, em poucos instantes, aos olhos de Valkíria e Freud-cão, era apenas um ponto no céu infinito, voltando em direção ao Mundo das Estações.

Ao olhar para o chão, Valkíria se deparou com infinitas pedras, muitas delas brancas, outras coloridas, em frente à Construção Circular as brancas desenhavam uma frase, mesclada com as demais de outras colorações: “Somos partes de um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante.”

Mais uma vez Valkíria se lembrou da moça com quem conversou quando estava no saguão de descanso, da Grande Estação.

Lembrou-se da frase que ela dissera, “quando a gente acha a nossa pedra e se a polirmos o bastante, à noite, podemos ver o reflexo da estrela de onde viemos, refletida na pedra.”

Não conseguiu deixar de pensar no cristal alaranjado e o dócil cachorro que agora dormia profundamente em seu interior, sem a ajuda do qual, não teria conseguido chegar agora em seu mundo de sonhos.

Estava com saudades e curiosa em relação aos Esquecidos, mas a saudade de Franz e de seu mundo de encantos era maior.

Foi Freud-cão quem teve a iniciativa, depois de um leve gemido seguiu em direção à Trilha que levava à Casa do Gramado, Valkíria o seguiu bem de perto.

O silêncio dominava os dois mundos.



A Trilha que se desenha com os desejos não passou de uma pequena linha reta, Freud-cão ao lado de Valkíria sentia entre as árvores seres conhecidos que agora dormiam profundamente. Em frente à bifurcação se detiveram por alguns instantes, ambos se sentiam muito bem, mais uma vez estavam em seu mundo.

Mais alguns passos e o gramado se desenhou à frente deles. Freud-cão correu em direção à varanda, seguido por Valkíria que caminhava com seu passo habitual, celebrando a vida e apreciando tudo que havia ao seu redor.

No gramado muitos dormiam profundamente e, na varanda o pequeno cachorro de Valkíria e Franz também estavam no Mundo dos Sonhos, Freud-cão tinha chegado primeiro, apoiou a cabeça no colo de Franz e emitiu um leve gemido, mas ninguém acordou.

Estava anoitecendo, ao olhar para o céu, muito distante Valkíria observou um brilho alaranjado, pequeno, pouco acima do horizonte, do lado oposto da varanda, Freud-cão ao olhar na mesma direção uivou profundamente, em outros tempos quando fazia isso no Mundo dos Preocupados tudo à volta ficava em silêncio, mas dessa vez o silêncio já estava lá quando ele uivou.

Valkíria se aproximou de Franz, mas ele não despertou. Estava cansada, a viagem tinha sido longa e em nenhum outro lugar se sentia tão bem quanto em sua casa, apreciando o brilho alaranjado que se afastava entrou em transe e flutuou no centro do gramado, pouco acima das árvores que agora estavam bem próximas à casa.

Primeiro a luz laranja e em seguida a luz azul da Grande Estrela a envolveu e se refletiu em todos que se encontravam na varanda e no gramado.

Também cansado Freud-cão adormeceu ao lado de Franz.



Quando os primeiros raios de luz surgiram, lentamente Valkíria saiu de seu transe, mas ao olhar para o céu não percebeu mais nenhum sinal do cristal alaranjado, logo a Estrela Azul ficaria ofuscada pela claridade que se avizinhava.

Caminhou com passos lentos em direção à varanda, Nick, seu pequeno cachorro branco, que quando tinha chegado dormia ao lado de Franz, agora estava no chão da varanda, aninhado com Freud-cão. Todos dormiam profundamente.

Valkíria se dirigiu em direção à Trilha, não compreendia o que estava ocorrendo.

Sua caminhada foi breve, agora a Trilha se limitava a uma pequena reta, unindo a Casa do Gramado ao Mundo dos Esquecidos.

Nas calçadas de pedras dos Esquecidos o silêncio também tomava conta do ambiente, não havia ninguém caminhando nelas.

As árvores que forneciam alimentos aos Esquecidos estavam repletas de frutas. Sentindo fome e sede, Valkíria colheu algumas, sabia que ali perto tinha também uma fonte da preciosa água para saciá-la.

Depois de beber se dirigiu à Construção Circular que estava ao lado de seu mundo de encantos, na entrada se deteve por alguns instantes, lembrou-se do momento em que chegou e não deixou de sentir falta do trem que a transportou, sentia-se grata pelo tempo em que conviveu no Mundo das Estações.

Voltou a olhar para o céu em busca do Cristal Alaranjado e do sentimento de paz que sentiu quando esteve em contato com ele, sentiu a docilidade do ser que dentro dele viajava, desejou muito que ele viesse a partilhar o seu mundo de encantos, junto com Franz e todos os demais.

Mais uma vez lembrou-se da conversa que teve com a moça no salão de descanso da Grande Estação, sobre a nossa pedra que quando por nós polida, podia refletir a luz da nossa estrela.

Desejou muito estar em contado com o Cristal Alaranjado e o dócil ser que a tinha trazido ao encontro de Franz.

Ao entrar na Construção Circular sentiu-se só, com fome se dirigiu à mesa no centro da construção, precisa se alimentar.

Lembrou-se quando esteve na companhia dos Esquecidos que se juntavam ao redor da mesa para se alimentar e desfrutar a preciosa água, os mosaicos que antes estavam cobertos pela poeira, agora brilhavam intensamente pela luz que adentrava pelas janelas, desvelando a história desse povo acolhedor.

Sentiu que as respostas que buscava estavam nos pisos superiores, mas ainda não se sentia pronta para desvelá-las.



Depois de se alimentar lentamente Valkíria se dirigiu à escada que dava acesso ao piso superior da Construção Circular, mas se deteve à frente de todos os mosaicos, sentia neles a história das pessoas que tão bem a acolhera em um passado recente.

Enquanto subia sentia o que estava por descobrir, sabia que a sua percepção não a deixaria surpresa.

No piso superior, não diferente do que encontrou na Casa do Gramado, se deparou com os Esquecidos, e todos dormiam profundamente.

Sentiu que muitos deles já se encontravam debilitados, nesse sono prolongado praticamente já tinham consumido quase toda a energia que os seus corpos dispunham.

Valkíria não conhecia o sentido do dormir, que tão bem fazia a Franz e aos seus anjos, na realidade passava a maior parte de seu tempo em transe, um estágio intermediário entre o despertar e o dormir.

Um temor passou por seu coração ao se deparar com os Esquecidos e perceber o estado debilitado em que se encontravam, não deixou de temer também por Franz e pelos anjos, que também estavam adormecidos há tempos.

Sem saber como ajudá-los desejou voltar à Casa do Gramado e estar com Franz; Nick, seu pequeno cachorro branco; Freud-cão e todos os demais.

Quando estava indo se deparou com mosaicos que ainda não conhecia, junto à entrada, do lado de dentro, onde alguns Esquecidos dormiam profundamente se deparou com um no qual estava representado o cristal alaranjado com aquele ser dócil que a trouxera ao encontro de Franz, em seu interior.

Nesse momento sentiu que ele também era parte de sua vida, estavam entrelaçados.

Ao lado do cristal, no mesmo mosaico ela caminhava com o Freud-cão um pouco mais à frente, em direção à varanda da Casa do Gramado, onde Franz, seu pequeno cachorro branco e muitos outros também dormiam profundamente.

Olhando para o mosaico sentiu que o seu lugar agora era junto à Casa do Gramado, e toda a magia que a envolve, ao sair da Construção Circular já estava anoitecendo, em transe flutuou em direção à Trilha que a levaria à sua casa.



Diferente que quando viera, agora a Trilha que se desenha com os desejos estava curiosamente longa e Valkíria flutuava lentamente em direção à sua casa.

O que se fazia mais presente em seu trajeto era o silêncio, que fazia conjunto com a noite escura.

Nessa, não havia uma lua presente, ainda que pudesse ver muitas estrelas no céu, a noite estava especialmente escura.

No caminho, vez por outra se deparava com algum ser conhecido, mas todos dormiam profundamente, enquanto flutuava refletia sobre o que estariam sonhando.

Ao chegar ao gramado pôde se deparar com uma porção maior do céu, a casa e as árvores projetavam sombras que faziam a noite parecer ainda mais escura.

Valkíria por uns instantes se sentiu sozinha, estava cansada.

Na varanda, Franz, Freud-cão e Nick, seu pequeno cachorro branco como no momento em que se dirigira ao Mundo dos Esquecidos pela manhã, permaneciam adormecidos.

Desorientada voltou ao gramado à procura de sua estrela, mas não conseguia diferenciá-la das demais, todas pareciam muito pequenas e com um brilho tênue.

Em transe mantinha seu olhar para uma região vazia do espaço, totalmente escura, quando um brilho alaranjado refletiu em sua face, vindo dessa região escura.

Lentamente, sem sair de seu transe flutuou em direção ao banco na varanda, onde Franz dormia profundamente.

Sentia-se cansada, como os demais adormeceu, aninhada com Franz, seu pequeno cachorro despertou brevemente e mesmo ensonado pulou no mesmo banco e se aninhou no colo de Valkíria, depois de um leve gemido voltou a dormir profundamente.

O brilho alaranjado iluminou brandamente todos que estavam na varanda.



Dentro do Cristal Alaranjado o dócil cão que agora descansava, com muita preguiça mudou de posição, por uns instantes ficou deitado com a cabeça erguida e as orelhas empinadas.

Sentiu saudades do tempo que passara com Franz no Mundo dos Preocupados, dos passeios na calçada nas proximidades de sua casa, onde aprendeu e se especializou em artes, sem deixar de ser feliz e trazer muitas felicidades não só àqueles que viviam próximos, como também à Valkíria que mesmo na época vivendo em outro lugar, sempre os visitava quando estava no Mundo dos Sonhos.

Da região vazia onde agora se encontrava o cristal, a caminho de um novo mundo, o dócil cachorrinho mantinha os olhos fixos na varanda onde Franz e Valkíria agora dormiam, a luz alaranjada se expandiu tanto que chegou a aquecer a varanda.

Nick o pequeno cachorrinho branco de Valkíria, incomodado pela luz virou-se de costas e aninhou sua face no vestido dela e voltou a sonhar.

Freud-cão despertou brandamente, estranhou a escuridão à sua volta contrastando com o brilho alaranjado na varanda, sem sucesso tentou despertar Franz, decepcionado puxou Valkíria pela manga de sua blusa, que como ele despertou brandamente e entrou em transe.

Valkíria flutuou para o centro da varanda, agora abraçada junto ao Freud-cão, com os olhos voltados para o interior do cristal.

De dentro do cristal o dócil cachorro lembrou Valkíria do tempo que vivia no Mundo dos Preocupados, quando todos os dias combinava com Franz para se encontrarem nos sonhos.

O cachorro do cristal estava dizendo a Valkíria e ao Freud-cão abraçado a ela, que eles precisavam se encontrar com Franz no Mundo dos Sonhos, essa seria a única forma de eles conseguirem passar uma importante mensagem aos Esquecidos.

Lentamente com muito sono Valkíria flutuou novamente em direção ao banco onde estava Franz na varanda, de dentro do cristal o dócil cachorro também partilharia o mesmo sonho.



De dentro do cristal, com a cabeça levantada e as orelhas empinadas, o dócil cachorro se comunicava com Valkíria, que flutuava no centro da varanda, no momento ela era o único ser em todo o planeta estava acordada, ainda que em transe.

Há muito tempo Valkíria desconhecia o que vinha a ser dormir, mas igualmente também não se poderia dizer que vivesse acordada, como no passado quando vivia com os Esquecidos.

Valkíria passava praticamente todo o seu tempo em transe, um estágio intermediário entre o dormir e o estar acordada, para ela não havia diferença significativa entre os sonhos e o que os demais chamavam de realidade.

Nos mundos pelos quais transitara as pessoas tinham vidas dúbias, uma no cotidiano que alguns chamavam de real e uma outra que para a maioria quando despertas era esquecido.

Além de Franz, dos anjos e dos seres mágicos que viviam na Casa do Gramado, ela desconhecia outros que pudessem sentir que os sonhos eram tão reais quanto a vida que levavam no cotidiano.

Agora ela e o dócil cachorro do cristal sentiam que como Franz, o Freud-cão, o pequeno cachorro branco e todos os outros que habitam a Casa do Gramado, são feitos da mesma essência.

De dentro do cristal o antigo companheiro de Franz dizia a ela que precisaria dormir e sonhar com o mesmo sonho de Franz, para poder despertá-lo e a todos os demais Esquecidos.



Ao despertar lentamente Valkíria flutuou em direção à varanda, onde Franz e os demais dormiam profundamente.

Ao tocar de leve na cabeça de Nick, seu pequeno cachorro branco que se encontrava aninhado entre o Freud-cão e Franz ele soltou um leve gemido, mas não interrompeu seu sono.

Olhando na face de Franz desejou saber o que ele estava sonhando.

Valkíria sentiu-se só.

Tudo ao redor se encontrava em profundo silêncio, as sombras das árvores cobriam toda a varanda, ao olhar para o céu se deparou com uma infinidade de estrelas.

Na região vazia, escura, o brilho alaranjado chamava a sua atenção, sentia que lá a vida fervilhava.

Aparentemente era do cristal que podia sentir o único ser com o qual podia se comunicar no momento, o dócil cachorro que agora viajava dentro do cristal dizia a Valkíria que ela também deveria dormir.

Em passos lentos caminhou até o banco da varanda e se aninhou junto a Franz.

O calor da pele de Franz, do Nick e do Freud-cão abrandou seu sentimento de solidão.

Desde quando tinha vivido entre os Preocupados, Valkíria ainda não tinha experimentado a sensação de dormir, mas agora uma vez mais sentia-se sonolenta, o silêncio e a presença de Franz a acalentava.



Quase chegando ao pé a montanha, pela ladeira escorregadia por causa dos pedriscos soltos, Valkíria chegou a uma pequena cidade, toda construída de pedras com o seu pequeno cachorro branco em seu colo.

As ruas estavam repletas de pessoas, todos caminhavam a esmo, sempre olhando para o céu.

Tentou conversar com algumas delas, mas ainda que educados não respondiam às suas perguntas, aparentemente as pessoas não falavam, ainda que as ruas estivessem cheias, todos caminhavam sós, em silêncio, às vezes dava para ouvir os passos delas resvalando as calçadas de pedras.

Por um momento ficou pensativa, desejou estar na Casa do Gramado ao lado de Franz e de toda a magia que envolvia seu mundo de encantos, quis voltar, mas sentia que não conseguiria subir a ladeira íngreme que a levaria ao aconchego de sua casa.

Cansada, sentou-se à sombra de uma árvore, plantada no meio de uma rua em frente a uma das casas da estranha cidade. Por um instante ficou com a impressão de que esse momento já tinha ocorrido em sua vida.

Pouco depois de se sentar à sombra da árvore uma pessoa veio convidá-la para entrar, mesmo sem dizer uma única palavra, Valkíria percebeu o convite.

Muitas vezes a presença, um simples olhar, já trazem em si todos os conteúdos que se fazem necessários.

Ao entrar na casa, que se resumia a um grande salão, com portas e janelas grandes, todas abertas, se deparou com uma mesa repleta de frutas e água.

Todos os lugares estavam ocupados, mas assim que entrou ofereceram-lhe um lugar, seu pequeno cachorro que estava em seu colo desceu e sentou-se ao seu lado.

Não demorou e deixaram diante de Valkíria um prato com várias frutas e água, uma vasilha menor também foi oferecida ao seu pequeno cachorro, que não se distanciava.

Valkíria sentia-se cansada, desejava se deitar, ao denotar esse gesto a incompreensão tomou conta de todos os que a acolheram, mas mesmo assim a deixaram livre, para fazer o que desejasse.

Ao se deitar em um canto da sala, várias pessoas que estavam na casa se aglomeraram ao seu redor, apreensivo seu pequeno cachorro branco se aninhou junto aos braços de Valkíria.

Em um último olhar, antes de conseguir dormir, entre aqueles que se aglomeraram ao seu lado, Valkíria distinguiu a face de Franz, era a pessoa que estava mais próxima dela, cuidando.



Gentilmente Franz esticou o braço e apoiou Valkíria, ajudando-a a se levantar. Olhando no brilho dos olhos flutuaram em direção ao que parecia ser o centro da cidade, por um momento seu pensamento se desviou para o seu pequeno cachorro, mas sentia que ele estava bem cuidado.

Ao chegarem ao seu destino se depararam com uma imensa Construção Circular. Valkíria sentia uma vez mais estar no Mundo dos Esquecidos, mas em um tempo passado.

Percebia agora um dos múltiplos significados da Casa do Gramado, a sua casa. Um lugar onde o antes pode estar acontecendo agora, e muitas vezes o depois já aconteceu. Sentiu que outras vezes já tinha se deparado com essa situação com Franz, seu namorado, sempre.

Valkíria sentiu que mais uma vez o estava encontrando, e como em outras ele a estava esperando.

Ao adentrarem na Construção Circular se depararam com algumas pessoas à mesa, apreciando as frutas e a preciosa água, mas não se detiveram, lentamente flutuaram em direção às escadas.

Agora ela se recordava do dia em que começou a limpar as paredes desse mesmo prédio e, encantada via os mosaicos se desenharem por traz da poeira revelando a história dessas dóceis pessoas.

Ao chegar ao piso superior sentiu-se só. Franz já não estava ao seu lado, nem Nick, seu dócil cachorrinho.

O silêncio tomava conta de toda a construção, ao olhar por uma pequena janela se deparou com uma rua de pedras, que tão bem conhecera, mas totalmente deserta.

Os mosaicos nas paredes estavam reluzentes. Lentamente seguiu em direção à porta de acesso ao saguão do piso superior.

Em seu interior se deparou com muitos Esquecidos, todos deitados no chão, dormindo profundamente, formando um grande círculo, todos com as cabeças junto à parede e de mãos dadas.

Entre eles, também dormindo profundamente, Franz. Seu doce companheiro.



Ao se deparar com Franz dormindo profundamente junto aos esquecidos Valkíria se sentiu confusa, sentia que há poucos instantes estava junto com ele, de mãos dadas flutuando entre as ruas de pedras, tinha certeza de ter entrado junto com Franz na Construção Circular.

Relembrando seu trajeto sentia o calor das mãos de Franz junto à sua até entrarem na construção, mas ao flutuar pelas escadas em direção ao piso superior ele já não a acompanhava. Valkíria tinha subido as escadas sozinha.

Ao aproximar-se de Franz a palidez de sua pele a assustou, desviou rapidamente seu olhar para os demais esquecidos e sentiu que eles estavam ainda mais debilitados que seu namorado.

Observando a sala onde eles dormiam percebeu que essa diferente das demais do Mundo dos Esquecidos continha um único mosaico, imenso.

Nesse estava representado exatamente a cena com a qual se deparava, os Esquecidos e Franz dormindo em grande círculo, de suas frontes se projetavam uma luz azul que englobava o planeta todo vagando o Universo vazio, agora próximo a uma Estrela Branca, sem nenhum planeta em sua órbita.

Ainda, uma figura dela mesma agachada ao lado de Franz, tentando despertá-lo. 

Agora lembrava-se, sabia que não estava na cidade dos Esquecidos, ela tinha adormecido na varanda de sua casa junto a Franz, Freud-cão e seu dócil Nick.

Valkíria sentiu estar sonhando.



A imagem de si mesma no mosaico tentando despertar Franz ficou impregnada na mente de Valkíria, aos poucos conseguia atribuir significados ao seu sonho, agora sentia que devia permanecer adormecida.

Os Esquecidos precisaram da energia dos sonhos e da luz que emanava da Grande Estrela Azul através da Casa do Gramado para que pudessem encontrar uma nova estrela que pudesse alimentar a vida deles.

A Estrela Vermelha que durante toda a existência deles, e até mesmo antes de eles existirem como agora se conheciam tinha expirado a sua vida como estrela e nada ao seu redor poderia sobreviver, ela iria se transformar e se integrar de uma nova forma ao Universo.

Para que sobrevivessem os Esquecidos precisavam adormecer, relembrar a sua história para depois despertarem em um novo mundo, uma nova Estrela.

Anteriormente para se preservarem na conturbada região do espaço que habitavam deixaram por muito tempo de dormir, e com isso suas memórias ficaram adormecidas e esquecidas.

Suas memórias eram armazenadas enquanto dormiam, por terem deixado esse hábito praticamente perderam a capacidade de armazenar novos registros, assim a sua história ficou estagnada, paralisada, desde o momento que deixaram de dormir.

Ao adormecerem enquanto vagavam no espaço à procura de uma nova estrela, gradualmente sua história passou a ser revivida, eram muitos milênios que estavam perdidos nas profundezas de seu psiquismo.

E, agora se demorassem mais para despertarem acabariam por se extinguir por inanição, a energia das estrelas e da Casa do Gramado por si, não bastavam para manter seus corpos vivos por mais tempo.

Franz tinha ido antes ao encontro deles para habitar os mesmos sonhos.

E agora só podiam ser despertos através dos sonhos.

Valkíria era a única que tinha a possibilidade de sonhar junto com Franz o mesmo sonho, eram feitos da mesma essência, e assim de dentro do sonho despertar seu amado.

Como Franz estava no mesmo sonho dos Esquecidos, quando ele despertasse aos poucos todos os demais despertariam.

No horizonte a Estrela Branca que alimentaria o Mundo dos Esquecidos estava surgindo.



No centro do gramado, pouco acima das grandes árvores Franz flutuava, seguindo um tênue rastro de luz azul proveniente de sua estrela, atrás de si e da Casa do Gramado, o Mundo dos Esquecidos também seguia o mesmo caminho.

Das Construções Circulares emanava a luz dos Esquecidos, que envolvia todo o seu planeta, a Casa do Gramado e o próprio Franz, que de todos era o único que ainda mantinha um pequeno lapso de consciência.

Sentia-se só, vagando no espaço vazio, muito distante de qualquer estrela que os pudessem alimentar.

Franz sentia as últimas energias de si mesmo, da Casa do Gramado e do Mundo dos Esquecidos se esvaindo rapidamente, sentia que muito em breve tudo o que restaria era a luz azul de sua estrela, mas essa estava muito distante, brilhando lá no infinito, onde o Espaço se encontra com o Tempo.

De muito distante, ouviu um leve ruído, um sussurro, praticamente inaudível.

- Franz meu amor, por favor acorde.

Ficou em dúvida se estava sonhando ou delirando, praticamente não sentia mais a energia da magia que envolve a Casa do Gramado e dos Esquecidos que vinham pouco mais atrás.

Temia se desprender do planeta e deixar os Esquecidos vagando no vazio, frio do Universo.

- Franz, sou eu meu amor...

Agora reconhecia a voz, sua doce Valkíria, mas estava tão distante, lembrava-se que ela tinha ficado com o Freud-cão no Mundo das Estações.

- Franz, meu amor, você precisa despertar.

Agora a voz era mais nítida.

- Sou eu meu amor, eu te encontrei.

Sentia-se tão enfraquecido que não conseguia abrir os olhos.

Por uns instantes ficou confuso, a luz branca de uma estrela ocupava agora toda a varanda de sua casa, deitado no colo de sua amada, sentiu a presença de Valkiria, que suavemente acarinhava a sua face.

Enfraquecido balbuciou uma pequena frase quase que ininteligível, mas a Valkíria soou muito claro.

- Meu amor, eu estava te esperando...

Nick aos pés de Valkíria emitiu um leve gemido e imediatamente Freud-cão empinou as orelhas, sentiam fome, e muita sede.

Cambaleando se levantaram e seguiram em direção à trilha à procura de água e algo que pudessem comer.

Valkíria se levantou e entrou na casa para pegar um copo e um prato, por um instante deixou Franz e saiu, também à procura de água e algumas frutas, caminhando pelo gramado, atrás de si, os seres mágicos que habitavam o seu mundo também começaram a despertar, em um primeiro momento a luz branca cegava a todos que despertavam.

Passado poucos instantes Valkíria voltou, ainda que enfraquecido se deparou com Franz sentado no banco da varanda.

Um leve sorriso despontou da face de ambos.

- Meu amor, precisamos ir às Construções Circulares, eles estão por demais enfraquecidos, precisam de nossa ajuda.

Após se alimentar brevemente flutuaram em direção à Trilha, não demorou e Nick e o Freud-cão se juntaram a eles.

Caminhando nas calçadas de pedra pararam primeiro em uma fonte para pegar a preciosa água e depois junto às árvores, para juntarem algumas frutas.

O pequeno cachorro branco roçou sua pata no vestido de Valkíria, pedindo colo.

Adentrando a Construção Circular deixaram parte das frutas e da água na mesa, enquanto Freud-cão se antecipou e correu para o piso superior.

Quando Franz e Valkíria chegaram ao andar superior se depararam com Freud-cão, emitindo um tipo de gemido junto a um dos Esquecidos, o único que estava com os olhos abertos, mas enfraquecido demais para se mover.

Valkíria se debruçou ao lado dele, oferecendo água, enquanto Franz despertava uma outra pessoa.

Não demorou e os dois que primeiro foram atendidos despertaram, como era seu habito, não emitiam qualquer palavra ou ruído, mas do fundo de seus olhos a expressão de gratidão era nítida.

Muitas vezes, um simples olhar, a presença, já trazem em si, todos os significados necessários.

No início da tarde, inda que com dificuldades, alguns já podiam ser vistos caminhando lentamente nas calçadas de pedra.

Ao chegarem às ruas, o primeiro ato daqueles que tinham acabado de despertar era reverenciar a estrela que emitia a luz branca, sentiam terem chegado a uma nova morada.

A gratidão, um sentimento raro, precioso, se desenhava na face de todos, que tão logo que reverenciavam a estrela, saiam à procura de água e frutas, para os muitos que ainda não tinham despertado.

Aos poucos as ruas ficavam mais cheias.

No final da tarde, Franz, ainda enfraquecido, se sentia exausto. Valkíria também se sentia cansada.

Desceram do piso superior, quando o último Esquecido daquela construção despertou, e amparado por outros desceu lentamente a escada.

Valkíria, seguida por Franz também desceu, ao sentir que o salão estava vazio Freud-cão e Nick também dispararam em direção à frente da construção.

Valkíria acompanhada por Franz se detiveram à grande mesa do saguão central, agora repleta com frutas e água para todos.

Depois de se alimentarem foram descansar em frente à Construção Circular, estavam com sono e cansados, aos poucos a tarde cedia seu lugar à noite que se avizinhava.

Havia poucas estrelas no céu, os Esquecidos mereciam um lugar com pouca turbulência e uma estrela nova para os suprir.

Já à noite um leve brilho alaranjado pouco abaixo do centro do céu chamou a atenção de Franz primeiro, depois Valkíria e ainda Freud-cão e Nick.

Sentiam ser um brilho por demais tênue para ser uma estrela, a noite estava escura, as demais estrelas brilhavam muito pouco, a única luz a iluminar as faces de Valkíria e Franz era a luz alaranjada, que se deslocava rapidamente rumo ao vazio do Universo.

De dentro do cristal alaranjado de onde vinha a luz que agora iluminava as faces de Franz e Valkíria um ser dócil se acomodou e soltou um leve gemido, sentiu que logo estaria ao lado daqueles que mais amava.

Em frente à Construção Circular, Franz e Valkíria adormeceram, aninhados. Freud-cão e Nick também se aninharam ao lado deles.

Ainda que não dormissem logo alguns Esquecidos se juntaram ao lado deles, em gesto de gratidão.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo lindo blog!
    Teus contos são de uma beleza incomum, você escreve com toda a inspiração que vem de dentro de sua alma, de maneira simples e bela. Amo toda essa sutileza..

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  2. Estive a ver e ler algumas coisas, não li muito, porque espero voltar mais algumas vezes, mas deu para ver a sua dedicação e sempre a prendemos ao ler blogs como o seu.
    Gostei de tudo o que vi e li.
    Vim também desejar muita paz,saúde e grandes vitórias.
    São os votos do Peregrino E Servo.
    Abraço.

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