terça-feira, 11 de outubro de 2011

Somos Sonhos - Parte III





Após capturarem Franz os perplexos se afastaram momentaneamente, precisavam pensar sobre as suas dúvidas e, tanto Franz quanto Valkíria pareciam exaustos, ofereceram alimentação e água e acharam por bem deixar que eles descansassem.

Tentaram se comunicar e queriam deixar claro que não tinham intenção de prejudicá-los, mas a comunicação era difícil, já não falavam mais a mesma língua e, no geral, para Franz e Valkíria, como ocorria nas trilhas, na maioria das vezes a simples presença, um olhar, já diziam tudo que era necessário.

Com a lógica do pensamento desenvolvida no mundo dos perplexos, os sentimentos foram sendo reprimidos e assim se distanciando cada vez mais da própria essência da vida, eram incapazes de perceber que as respostas que buscavam estavam neles próprios, como deixaram de dormir, igualmente deixaram de sonhar e com isso os sentimentos deixaram de fazer parte de sua existência.

Assim a comunicação com Franz e Valkíria se tornava impossível, pois eles eram movidos pelos sentimentos, seus sentimentos e atitudes eram decorrentes daquilo que sentiam.

Já os perplexos tinham o seu modo de vida guiado pelos pensamentos, por isso viviam criando coisas inúteis, que consumiam e por elas eram consumidos, estavam buscando respostas sobre o imenso congestionamento que em decorrência modificou o modo de vida deles, mas não se davam conta de que essa mudança do modo de vida não tinha relação com o fenômeno ocorrido, e sim quando começaram a reprimir seus sentimentos e isso tinha se iniciado muito antes de o congestionamento ocorrer.

As respostas que buscavam não podiam ser encontradas no pensamento, precisavam voltar a sentir e isso só poderia ser alcançado através dos sonhos, mas eles não mais dormiam.

Quando deixaram Franz e Valkíria, eles estavam exaustos e não demorou começaram a dormir profundamente, os perplexos que assistiam não conseguiam entender o que acontecia com eles, mas por bem resolveram deixá-los sós.

Um leve brilho, um cintilar, envolveu os dois, tão leve que os perplexos não se deram conta, voltaram a se entrelaçar no princípio ainda que os perplexos não se dessem conta eles sequer estavam tocando o chão da gaiola de vidro, estavam voltando a flutuar à medida que a noite foi avançando eles foram se elevando até o centro da gaiola, gradualmente o cintilar ao redor deles foi se ampliando.



Um sensação de estranhamento ocorreu aos perplexos que estiveram próximos a Franz e Valkíria, perceberam haver diferenças significativas entre o modo deles ser e o modo dos dois, sabiam que a diferença era significativa, mas não conseguiam se dar conta de quais eram essas diferenças.

Há muito tempo tinham percebido que havia algo de errado na forma como conduziam a própria vida, mas esse sentimento como praticamente todos os demais tinham sido reprimidos de suas existências.

Até se defrontarem com Franz e Valkíria não tinham se dado conta de quão triste era a existência deles, essa tristeza estava lá presente o tempo todo, mas estavam sempre ocupados com seus próprios pensamentos e, quanto mais achavam que estavam pensando, mais seus sentimentos ficavam reprimidos.

Na realidade se os perplexos pensassem há muito teriam se dado conta de que eles próprios eram a fonte de seus problemas, o que faziam na prática era criar ciclos viciosos de pensamentos, eles buscavam conforto e segurança entre outras coisas e para atingir seus objetivos estavam sempre criando mecanismos cada vez mais complexos para satisfazer o que achavam necessários na eles.

Mas não se davam conta de que os esforços para atingirem as sua falsas sensações de conforto e segurança eram demasiado extenuantes e gastavam com isso muito mais energia do que dispunham, se olhassem para si próprios se dariam conta de que as suas necessidades nunca poderiam ser saciadas com os mecanismos dispendiosos e inúteis que todos os dias criavam, atualizavam e descartavam.

As necessidades deles se encontravam neles próprios e não nas inutilidades que insistiam em criar, quando se defrontaram com Franz e Valkíria perceberam que tudo o que eles necessitavam estava neles próprios, mas essa idéia era por demais complexa para a compreensão deles.

À medida que a noite avançava Franz e Valkíria começaram a flutuar no centro da gaiola de vidro onde estavam confinados e o brilho que irradiava deles se ampliava a cada instante, quem os visse teria a impressão de que eles olhavam para o vazio, para um ponto no horizonte, perdido na escuridão, no meio da noite o brilho que emanava deles era tão intenso que os perplexos tiveram a impressão que o dia já há algum tempo tinha amanhecido, mas a luz que tudo iluminava não vinha do sol e sim de onde eles estavam confinados.



No meio da noite depois de muito discutirem os perplexos começaram a ficar com dúvidas em relação a Franz e Valkíria, já não sabiam dizer se eles teriam as respostas, afinal não faziam idéia do que perguntar a eles.

Os perplexos tinham essa peculiaridade, estavam sempre em busca de respostas, mas tinham uma imensa dificuldade em saber quais eram as perguntas.

Diante desse paradoxo chegaram à conclusão de que dificilmente Valkíria ou Franz poderiam ajudá-los, e resolveram abrir a gaiola que construíram para eles e deixar que fossem embora, se assim desejassem, mas quando se aproximaram do compartimento do prédio onde estavam confinados o brilho que emanava deles era tão intenso que os cegaram.

Não tiveram escolha além de se afastarem e ficaram com a sensação de que tinham cometido um grande erro, um sentimento de angustia tinha invadido o peito daqueles que puderam presenciar o brilho que emanava dos dois.

Era uma sensação estranha, em um instante se deram conta da imensa tristeza que habitava as suas existências.

Não conseguiam achar explicações, há tanto tempo tinham reprimido seus sentimentos e agora se sentiam invadidos por esse sentimento de angustia, vazio.

Quando olhavam para si próprios era isso que viam, o vazio, não demorou para perceberem que essa sensação era conseqüência do que viam na gaiola onde Franz e Valkíria se encontravam confinados, o vazio era deles e não poderia ser preenchido por nada que estivesse fora deles.

Decidiram libertar os dois, mas o brilho os impedia de se aproximar, achavam que com o amanhecer, a luz do sol iria atenuar esse brilho e assim poderiam abrir a gaiola.

Nesse momento não tinham mais o que fazer.

À medida que a noite avançava, agora há algumas horas do amanhecer, o ponto vazio do céu que fascinara Franz e Valkíria tinha desaparecido no horizonte e gradualmente o brilho que emanava deles foi se atenuando, mas ainda dormiam profundamente, ainda que permanecessem na gaiola podiam desfrutar de uma liberdade de dimensões que os perplexos jamais tinham se dado conta de que seria possível.



Tão logo amanheceu o dia os perplexos se dirigiram ao local onde Franz e Valkíria estavam confinados, como imaginavam o brilho que emanava deles já não era tão intenso, mas quando se aproximaram já não tinham mais a quem libertar, encontraram os dois entrelaçados ao lado da gaiola de vidro que continuava lacrada.

Ambos flutuavam no centro do compartimento onde tinham sido deixados e aparentemente não se davam conta de que os perplexos haviam se aproximado, olhavam-se nos olhos, pareciam ler os pensamentos um do outro, estavam acariciando as almas, de leve, com a ponta dos dedos, quase sem tocar.

Lentamente se dirigiram para a grande janela de vidro da sala onde se encontravam, que como a gaiola também estava lacrada, mas a atravessaram como se nada houvesse entre eles e o vazio.

Ainda lentamente, começaram a se dirigir para a antiga avenida aos pés dos enormes edifícios que foram reaproveitados e ampliados pelos perplexos, atravessaram as inúmeras armadilhas construídas pelos perplexos com a finalidade de capturá-los, da mesma forma que passaram pela gaiola e depois pela janela do local onde estavam confinados, mas dessa vez não estavam tentando escapar dos perplexos.

Flutuavam lentamente, como se desejassem ser seguidos.

Com dificuldades os perplexos precisaram sair de suas imensas edificações e se dirigirem para as antigas avenidas de sua cidade, há muito abandonadas, depois que tinha ocorrido o congestionamento que alterou o modo de vida deles.

Franz e Valkíria continuaram lentamente flutuando no centro das antigas avenidas, agora tomadas por escombros dos antigos veículos que no passado eram utilizados para a locomoção das pessoas, quando os perplexos ainda eram um espécie em formação.

Pela primeira vez a geração atual dos perplexos se deu conta da imensidão de lixo que a sua cultura produzia, estavam há tanto tempo confinados em seus edifícios que não percebiam o mal que produziam ao mundo que os rodeava.

Tinham muitas dificuldades em caminhar pelos escombros que eles mesmos criaram, ainda que seu modo de vida tivesse sido alterado eles continuaram a produzir um sem fim de máquinas e objetos que achavam servir para a manutenção de suas vidas, e quando esses perdiam a sua finalidade eram jogados pelas janelas e se acumulavam no chão, junto aos seus antigos veículos ainda em estágio de decomposição.

A natureza ainda levaria séculos para decompor a imensidão de lixo inútil que eles produziam e esse lixo se acumulava em velocidade superior à que a natureza conseguia decompô-los, assim a cada dia se acumulavam mais.

Para não se defrontarem com o estrago que faziam, os perplexos adquiriram o hábito de não olhar o que estavam fazendo, por isso viviam confinados em seus espaços, à medida que os escombros aumentavam de proporção eles erguiam andares ainda mais altos para se distanciarem do estrago que eles mesmos produziam, assim ficavam com a sensação de que esse estrago não existia.

Uma vez Valkíria, quando olhava pela janela de sua antiga casa, na época em que auxiliava crianças que tinham dificuldades na escola, percebeu que algumas delas tinham essa peculiaridade, em estágios muito primitivos quando se sentiam amedrontadas por alguma coisa, fechavam os olhos e assim não viam o que as amedrontavam dessa forma achavam que aquilo que as estavam assustando simplesmente deixariam de existir.

Os perplexos se encontravam em um estágio tão primitivo de existência que ainda se recusavam a encarar aquilo que eles mesmos produziam e, por não enxergarem deduziam que o mau que criavam não existia.

Em parte a angústia e dúvidas que os perseguiam estavam relacionadas ao mau que produziam a si próprios e ao mundo que enganosamente achavam ser deles.

Ainda não tinham se dado conta de que eram só partes desse mundo, que nada nele lhes pertencia e, quando se dessem conta disso mais uma vez seu modo de vida teria que mudar, drasticamente.

De alguma forma estavam corretos ao tentarem encontrar em Valkíria e Franz respostas, pois em sua sociedade ninguém mais conseguia se ver como parte do Universo que os rodeava e, só os dois tinham a possibilidade de expor a eles que poderia haver um outro modo de ser.



Valkíria e Franz continuaram lentamente flutuando pelas antigas avenidas que antes de os perplexos se formarem como uma cultura eram utilizadas para se deslocarem com seus antigos veículos.

Eles iam para a periferia da cidade, há muito abandonada, dado a dificuldade de locomoção, continuassem nesse ritmo logo alcançariam a imensa floresta no limite da cidade dos perplexos, mas esse não era o destino deles.

Pela primeira vez sabiam para onde estavam se deslocando, tinham como objetivo a casa que muitas gerações atrás tinha sido a residência de Valkíria, lá estavam os registros mais importantes que a cultura que tinha cindido, dando origem ao mundo dos perplexos e ao daqueles que foram habitar as trilhas, tinham deixado como herança.

Franz e Valkíria quando confinados, enquanto se olhavam nos olhos lendo os pensamentos, chegaram à conclusão de o por que terem ficado no mundo dos perplexos, o que tinham de mais importante era mostrar a herança que tinha sido destinada a eles.

Depois disso não iam habitar nem as trilhas nem o mundo dos perplexos.



Quando entraram na casa, uma frase parecia faiscar nos olhos de Valkíria: “Franz, eu te encontrei.” Em resposta Valkíria pôde ler nos olhos de Franz: “Sim meu amor, eu estava a sua espera.”

A casa ainda que abandonada há muito tempo estava intacta, Franz a tinha recuperado com muito amor, fez para que durasse para sempre e o sempre nunca acaba.

Havia muita poeira entre os inúmeros livros e anotações deixadas por Valkíria em uma outra época e depois preservados e recuperados por Franz, era um material precioso tinha que ser guardado para a eternidade.

Sabiam que logo os perplexos chegariam, mas uma vez mais poderiam desfrutar de alguns momentos juntos, se acarinhando na poltrona que ficava em frente à grande janela da sala, que dava vistas para o jardim.

Ficaram se acarinhando longamente, olhando nos olhos, lendo os pensamentos, quando já estava anoitecendo puderam mais uma vez ver o caminho estreito no jardim, o último acesso ainda existente para o mundo das trilhas.

Quando a lua já apontava no horizonte resolveram seguir pela trilha, queriam uma vez mais passear pela imensa floresta agora inacessível aos perplexos.

Atravessaram o jardim da casa lentamente no último caminho que dava acesso ao mundo das trilhas, agora sabiam que os perplexos conseguiriam achar a casa e as anotações que Valkíria e seu médico tinham deixado como herança às pessoas, que seriam um caminho, uma trilha, para que elas pudessem achar explicações para o estado de angústia em que viviam e, assim teriam a possibilidade de parar de procurar respostas às suas questões no mundo externo, e voltarem a si próprias, pois as respostas de que necessitavam só nelas podiam ser encontradas.

Aqueles que habitavam as trilhas há muito tinham chegado a essa conclusão e, assim, não tinham dificuldades em viver envolvidos pelo mundo que os rodeava.

Levaria algumas horas ainda para os perplexos chegarem à casa, quando Valkíria e Franz desapareceram na trilha que se iniciava no jardim e que se fechava por traz deles à medida que adentravam na floresta.

Quando chegassem à casa os perplexos não mais teriam acesso a Franz e Valkíria, exceto pelas anotações e livros que foram a eles deixados como herança.

No meio da noite Franz e Valkíria já tinham chegado a um emaranhado de trilhas que formava um outro mundo, muito diferente do dos perplexos.

A lua brilhava intensamente e, entre as árvores se formavam algumas clareiras, cobertas por um ralo gramado, aparado e muito bem cuidado, no centro de uma dessas clareiras encontraram um gramado, rodeado por imensas árvores, uma pequena casa provida de uma varanda com uma cadeira, parecia estar a espera deles.

Sentaram-se para descansar, não demorou e alguns cachorros e gatos, entre outros bichos se aproximaram deles, nitidamente pediam carícias. As pessoas que habitavam as trilhas também não demoraram a surgir, se acomodaram no gramado e juntos com Franz e Valkíria ficaram apreciando a imensa lua que brilhava intensamente e as estrelas.

Não denotaram qualquer curiosidade em relação a Franz e Valkíria, mas visivelmente os receberam muito bem, estavam todos envolvidos, as pessoas, o gramado, os bichos, a casa e as árvores que os ladeavam.



Franz e Valkíria estavam cansados e não demorou para que viessem a dormir, ainda que vivessem no mundo dos sonhos seja acordados ou dormindo, era durante o sono que seus sonhos mais coloridos afloravam.

Todos que partilhavam o gramado ao redor da casa em solidariedade se uniram a Franz e Valkíria, inclusive os bichos que partilhavam com eles a varanda.

Quando os seres estão envolvidos seus sonhos se entrelaçam e aquecem o coração como se estivessem acariciando as almas, bem de leve, com a ponta dos dedos, quase sem tocar.

À medida que todos iam em direção ao mundo dos sonhos as árvores em redor do gramado começaram a aproximar seus galhos das pessoas e da varanda da casa, envolvendo todos e filtrando levemente a luz do luar e das estrelas deixando assim que os sonhos fluíssem nas sombras da noite.

Quando a lua já se encontrava na parte de traz da casa, alguns galhos de árvore defronte à varanda se abriram para o espaço vazio. Valkíria foi brandamente despertada de seu sono profundo, estava deitada nos braços de Franz e ficou por um longo tempo contemplando o que para todos os demais seria o vazio.

Algum tempo depois Franz também despertou, lentamente, aos poucos entrelaçaram os dedos, depois de olharem-se profundamente nos olhos.

Após alguns instantes Franz deixou de sentir o peso de Valkíria em seus braços, ela estava flutuando e, aparentemente em sono profundo, ainda que continuasse com os olhos fixos no vazio.

Aos poucos foram se elevando ficaram algum tempo imóveis pouco acima da casa, olhavam com ternura todos os seres que dormiam profundamente no gramado, todos estavam sonhando, estavam envolvidos, entrelaçados.

De cada ser que sonhava no gramado, um leve halo de energia fluía deles, formando um vórtice, com Franz e Valkíria em seu centro.

Agora flutuavam pouco acima das árvores mais altas, de onde estavam fitaram brevemente o emaranhado de trilhas que formava um mundo de sonhos, estavam no centro da imensa floresta, puderam ver muitas clareiras com gramados semelhantes ao que usaram para descansar, mas onde estavam era a única clareira provida de uma casa com varanda.

Em uma de suas infâncias várias vezes Franz visitou essa casa, na época ele não sabia, mas já estava em busca de si mesmo, de sua essência.

Um lampejo de lembrança, um fragmento de sonho de um passado distante veio a sua mente, mas ficou sabendo que aqueles que o tinham acompanhado naquela sua existência no mundo das preocupações, agora habitavam o mundo das trilhas.

Das muitas clareiras onde outros também nesse momento dormiam profundamente também fluíram a eles o mesmo halo de energia que tinha se iniciado na Casa do Gramado, formando agora um vórtice gigantesco.

Franz e Valkíria começaram a flutuar cada vez mais as camadas mais altas do planeta, quando já estavam muito distante da superfície puderam ver que o vórtice ocupava toda a metade do planeta que agora se encontrava na sombra de sua estrela.

Muito ao longe puderam ver mais uma vez o mundo dos perplexos, lá o dia estava amanhecendo, lendo os pensamentos se perguntaram se eles se dariam conta da importância da herança que lhes foi destinada.

Valkíria respondeu em voz branda a Franz, eles são livres, quando desejarem poderão abandonar a prisão que eles mesmos criaram e viver como aqueles que habitam as trilhas.

Valkíria frisou a importância da liberdade, é muito importante esse sentimento, pois quando as pessoas se sentem assim, e escolhem um caminho, eles o fazem por opção, vindo a se envolver e entrelaçar com ele, mas quando esses caminhos são impostos por parasitas, ou pelos próprios preocupados ou perplexos, sempre estarão buscando brechas para escapar desses caminhos impostos.

Franz voltou-se para Valkíria e disse: “Nunca flutuamos tão alto, estamos no limite da atmosfera, não podemos ir além disso.” Ele não sabia ainda, mas essa seria a última frase que diria, pois quando estão envolvidos, entrelaçados, um simples olhar pode dizer tudo que é necessário, a partir daí ler os pensamentos era toda a linguagem que necessitavam.

Valkíria fitou o fundo dos olhos de Franz e um campo de luz envolveu os dois, uma estrela de luz branca muito brilhante começou a atraí-los era dela agora a luz proveniente que os envolvia, lentamente começaram a se lançar no espaço vazio.

A estrela que alimentava o planeta que durante muito tempo habitaram lhes emprestaria energia o suficiente para se lançarem no espaço profundo em direção ao centro de galáxia.

Em poucos minutos chegaram a uma órbita muito próxima da estrela, com o calor Franz e Valkíria se expandiram e se entrelaçaram ainda mais, vindo a se tornar um único corpo, como o eram quando chegaram a esse sistema solar, quando foram separados ao adentrarem a atmosfera do terceiro planeta desse sistema, vindo a se mesclar com a vida que nele estava começando a brotar.



Quando chegaram a uma órbita muito próxima da estrela que emprestava sua energia para alimentar o planeta que habitaram quando a vida ainda estava se formando por lá, já estavam viajando na velocidade da luz, para quem pudesse vê-los, com a ajuda de telescópios potentes teria a impressão de que algum fragmento do sol havia se desprendido.

Agora iam se despedir desse sistema solar, tangenciaram uma última vez uma órbita tão próxima do sol que foram envolvidos por uma pequena quantidade plasma que lhes proporcionou energia o suficiente para atingirem o centro da galáxia.

A partir daí o ser formado pela fusão de Franz e Valkíria estaria só na imensidão da galáxia, em direção ao centro dela.

Estar só para Franz e Valkíria não é sinônimo de solidão, mas agora conseguiam entender ao menos em parte a solidão que os preocupados e os perplexos sentiam, enquanto cindidos também partilharam um pouco dessa solidão, mas como vieram das estrelas, eram formados da matéria e energia que as compõem, nunca deixaram de procurar pela sua essência, por saberem possuir a mesma essência não tinham dúvidas de que esse sentimento desapareceria quando conseguissem se envolver e entrelaçar.

Tanto os perplexos quanto os preocupados tinham esquecido a origem de sua própria essência e, à medida que buscavam complementar o vazio que habitava seus mundos internos com o que existia fora deles, mais o seu vazio existencial se ampliava, ampliando assim as suas angustias.

A herança deixada por Valkíria e Franz aos preocupados e perplexos era um caminho para que as pessoas deixassem de tentar ocupar o seu vazio existencial com o que subtraiam desnecessariamente do mundo externo, uma vez que com essa atitude tudo o que conseguiam era ampliar ainda mais o seu mal estar.

As anotações que Valkíria traduziu para o seu médico e posteriormente as ampliou e, uma geração posterior foi recuperada por Franz apontava os caminhos para que as pessoas pudessem encontrar a própria essência.

No caminho do centro da galáxia Franz e Valkíria desfrutaram do prazer da ausência do vazio, ainda que estivessem na solidão absoluta do espaço, tinham toda a companhia de que qualquer ser vivo necessita, a sua própria essência.

À medida que eram atraídos pelo centro da galáxia sua velocidade de deslocamento tendia ao infinito, iam para uma região tão densa em energia, que o tempo e o espaço se misturavam, envolviam-se, entrelaçavam-se.

Quando escaparam do campo gravitacional do centro da galáxia foram lançados ao vazio profundo do Universo, ficaram em transe olhando o vazio, um ponto além do infinito, onde o espaço se encontra com o tempo.

Quando despertados do sonho profundo o brilho de todas as galáxias há muito tinham ficado para traz, e a energia que os envolvia começava a se esvair, não demoraria e chegaria ao seu final.

No vazio, além do infinito um pequeno ponto de luz começou a atraí-los, era a estrela da qual um dia tinham sido originados, ela beirava o ponto de colapso, tinha absorvido todo o Universo que estava a sua volta, mas não havia mais nenhum quantum de energia que pudesse consumir para atingir esse colapso por um dia ter perdido um fragmento que escapou de seu campo gravitacional.

Agora Franz e Valkíria estavam de volta, com energia o suficiente para fecundar a sua estrela. Um novo Universo começaria a se formar, onde o Espaço - Franz, partilhava o encontro com o Tempo - Valkíria.




Dedico à Marion, que está sempre ao meu lado, me estimulando, incentivando e principalmente me encantando.

2 comentários:

  1. Palavras criam mundos...
    Quanta magia e encanto neste lindíssimo conto.
    Seus textos nos conduzem a uma viagem fascinante...instigando a curiosidade e a reflexão.
    Os detalhes são belíssimos, as entrelinhas transbordam sentimentos e ensinamentos.
    SOMOS SONHOS, uma leitura envolvente que traz na sua essência o desejo do homem de descobrir o caminho que precisa trilhar para a realização de seus sonhos... voar, alcançar lugares altos,
    libertar-se das prisões que criou para si mesmo.. reaprender a sonhar!
    Parabéns, conseguiu entrelaçar os sonhos com clareza e perfeição.
    Sempre divino ler seus escritos, belíssimos como sua sensibilidade.
    És um exímio escritor, escreve com o coração
    tocando a alma de quem lê...aplausos a ti...
    Parabéns George, por mais este sonho encantador!
    Nos presenteie, criando mundos maravilhosos com as palavras...
    Escreva mais... sempre!...

    Gratidão pelo carinho e consideração!

    Beijos no coração e na alma!...

    Marion

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  2. ...DESCOBRIR A ESSÊNCIA, ENTENDER QUE ESTA NÃO ESTÁ FORA E É INÚTIL PROCURAR NAS LACUNAS DO EXTERNO.
    DESCOBRIR-SE COMO PARTE INTEGRANTE DO UNIVERSO, ENTRELAÇAR-SE, VOAR ALÉM, SONHAR TRANQUILIDADE E COLORIDO, LEVE, SOLTO, ALEGRE.
    FUGIR DO ENXERGAR O TEMEROSO APENAS PRORROGA O VAZIO, A ANGÚSTIA AUMENTA, ANIQUILA. É IMPORTANTE, MAIS DO QUE VER, SABER ENXERGAR. OS PREOCUPADOS CHEGARAM A SEU LIMITE DE ARTIFICIALIDADE PARA QUE PUDESSEM RETROCEDER, TER ESTA CHANCE EM LIBERDADE. A LIBERDADE É UM TESOURO, APENAS ATRAVÉS DELA SE PODE CHEGAR DE VERDADE.
    ENERGIA DENSA, PULSAR DE VIDA, COLAPSO E FORMAÇÃO.FRAGMENTAÇÃO, ENCONTRO SUBLIME ENTRE O ESPAÇO E O TEMPO.
    pARABÉNS GEORGE...agora vamos tomar café na varanda, para além da janela, acima do gramado.

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