sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Além do Espelho.








Que outro nome se pode criar para a dificuldade de dormir, já há alguns dias Franz vinha experimentando essa dificuldade, mas nem por isso vinha acompanhado do incomodo representado pela insônia, o que sentia se aproximava mais de uma situação de transe, algo parecido com o sonhar acordado, não se cansava de ficar olhando pela janela à espera do sol que consigo trazia as atribuições do dia-a-dia.

Recém formado, não estava obtendo prazer nos trabalhos que conseguia, seu sonho de construir casas integradas ao ambiente que as rodeia, parecia ter terminado junto com seu interminável trabalho de conclusão de curso na sua graduação em arquitetura.

Ainda na cama, já com os primeiros raios de sol surgindo, atravessando a janela, em seu imaginário apreciava uma varanda no lugar da janela de seu quarto, defronte a um imenso gramado rodeado por árvores, de uma casa que muitas esteve presente em seus sonhos quando ainda era criança, sentia falta desses momentos.

Com o amanhecer, junto vinha os ruídos já tão familiares, fragmentando a imagem de sonhos de uma época em que não conseguia imaginar a sua vida atual.

O pequeno apartamento onde Franz vivia, ou melhor, dormia, não dispunha de nenhuma varanda. A pequena janela da sala, fazia frente à rua que a essa hora da manhã já trazia seus ruídos do cotidiano.

Da mesma forma que não conseguia se realizar, seja construindo ou reformando habitações antigas, também o local em que dormia dificilmente poderia ser chamado de habitação, era só um lugar onde podia dormir, com uma certa tranqüilidade, pelo menos até que essa fosse interrompida pelos ruídos quando o dia começava a amanhecer.
A varanda e o gramado que vislumbrava era o resultado de um sonho que o acompanhava desde um momento muito precoce de sua infância.

Agora, olhando para o espelho que ocupava a quase totalidade de uma das paredes de seu minúsculo apartamento, cuja finalidade era dar a impressão de o seu espaço ser maior do que era, mais uma vez se questionava, sobre os motivos de continuar a trabalho de construtoras, que não tinham nenhum interesse em arquitetura, mas denotavam grande interesse em construir cubículos como o que ele habitava, dado os lucros que isso proporcionava.

Os espelhos têm uma característica curiosa, de alguma forma parece que eles guardam em si algo além dos reflexos que achamos que estamos vendo.



Franz vinha tendo dificuldades com o seu trabalho, não conseguia se realizar, sentia-se estagnado, frustrado.

Sentia falta de seus sonhos de infância, pensava em construir casas pequenas em terrenos amplos com jardim e um gramado rodeando-as, sempre que possível desenhava varandas na entrada dessas casas, com cadeiras de balanço nelas, onde as pessoas podiam descansar e conversar.

Mas esses seus projetos nunca saiam do papel e, para uma frustração ainda maior era comum em seu trabalho demolir casas como essas que faziam parte de seus sonhos, para construir cubículos similares ao que atualmente vivia.

O pouco prazer que conseguia vinha se tornando raro e, cada vez que participava da demolição de uma casa que se assemelhava à de seus sonhos na infância, mais esses sonhos se distanciavam de sua vida.

Lembrava-se do tempo quando ainda era muito pequeno em que o sonho com a Casa do Gramado era uma constante, ocorria praticamente todos os dias, à medida que foi chegando à adolescência esse sonho ainda que raro vez por outra retornava, muitas vezes parecia tão real que chegava a ficar em dúvida se estava sonhando.

Quando criança ainda que não conversasse com outras pessoas sobre esses sonhos, pois já nessa fase sabia que as pessoas que se diziam adultas tinham intensa dificuldades em entendê-los e, sem dúvida considerariam algo típico de crianças e não lhe dariam maior atenção.

Em sua infância Franz sabia que os sonhos eram muito importantes e não tinha dúvidas de que se os adultos dessem maior importância a eles, a vida podia se assemelhar aos sonhos.

À medida que foi crescendo e assumindo uma vida semelhante à daqueles que se consideram adultos, seus sonhos foram rareando e, em seu lugar foi surgindo uma sensação de mal estar, caso começasse a sentir que essa sensação fosse o normal, como ocorria com a quase totalidade das pessoas, Franz se tornaria mais um entre os “preocupados“, mas o próximo trabalho que estava sendo destinado a ele o levaria a reescrever sua vida.

Às vezes quando não estamos em um bom caminho, parece que as trilhas se fecham, assim, ficamos indecisos, mas não nos perdemos, tão logo nos voltemos ao coração, as trilhas podem até desenhar um outro caminho, mas em algum momento elas se reabrem.

Franz não estava conseguindo se concentrar em seu mais recente trabalho, segundo lhe disseram e como pôde confirmar uma antiga casa, em ruínas, praticamente no centro da cidade, em um terreno com possibilidades de construir um grande prédio destinado a pequenos escritórios, sem dúvida algo que seria muito lucrativo.

Depois que foi visitar o local Franz ficou encantado, em seu tempo aquela casa tinha sido magnífica, do local que devia ter sido o jardim podia vislumbrar uma imensa janela de uma pequena sala e imaginou que essa era uma sala de leituras, em um tempo que no mundo ainda não havia essa infinidade de equipamentos eletrônicos, possivelmente um mundo em que o tempo passava lentamente.

Franz sentia-se estagnado, nessa manhã em particular, não estava conseguindo sair de seu apartamento, aparentemente ao olhar para o espelho de sua sala, estava olhando para o vazio, mas de alguma forma a sua infância estava se desvelando do outro lado do espelho.



Quando Franz deu por si o dia já estava se findando, ao olhar pela janela as luzes do anoitecer já estavam começando a se acender, foi desperto pelo telefone que tocava insistentemente, em princípio o som dele parecia vir de muito distante, mas a insistência em tocar fazia parecer que o som era cada vez mais alto.

Sentia-se exausto, tinha ficado o dia todo defronte ao espelho, aparentemente olhando o vazio, ao olhar o telefone notou que a sua caixa de mensagens estava cheia e, todas as ligações provinham do mesmo endereço. A construtora há muito conhecida, com urgência em demolir mais uma casa para em seu lugar construir um outro prédio como tantos que já conhecia, desprovido de personalidade e vida.

Desejou nesse momento como nunca antes sequer ter conhecido esse enfadonho trabalho.

Nesse momento nada mais havia a fazer precisava descansar e quem sabe no dia seguinte conseguiria encontrar alguma disposição e voltar à sua rotina.

Mas felizmente para os rumos que a vida de Franz seguiria, a noite não seria melhor que o dia, não ia conseguir uma boa noite de sono, várias vezes seria acordado por sonhos, daqueles que sonhamos quer quando estamos acordados ou dormindo. Daqueles que muitas vezes ficamos em dúvida se aconteceram de fato ou se eram sonhos.

Curiosa essa fala coisas que acontecem de fato, será que há algo mais real do que os próprios sonhos.

Sonhos daqueles que vêm acompanhados de desejos, daqueles que têm o hábito de se realizarem.



Desanimado Franz voltou à sua cama, já era noite e nesse dia sequer tinha saído de seu apartamento, agora no escuro com a luz apagada, na penumbra só conseguia ver alguns vultos, sombras, refletidas no grande espelho.

Quem o visse teria a impressão de que estava em uma condição de sono profundo, mas ainda que estivesse dormindo tinha a mesma sensação que teve durante todo o dia, de estar em um estágio intermediário, entre o sono e o estar acordado.


Teve a impressão de ter ficado horas nesse primeiro estágio de sono dessa noite, mas até então no relógio cronológico só tinha transcorrido alguns minutos.

Quando uma luz branda, que se assemelhava ao raiar do sol brilhou no espelho, no exterior de seu minúsculo apartamento a noite estava apenas iniciando.

Do lado de dentro do espelho começava a se desvelar uma pequena trilha, em um caminho de terra batida, na qual só uma pessoa podia transitar por vez, uma vez que ela era ladeada por uma espessa mata e imensas árvores.

A imagem que via no espelho trouxe à memória de Franz seus sonhos de infância e, como ocorreu em seu passado não resistiu e foi caminhar pela trilha, já sabia o que encontraria no final dela, mas dessa vez o que iria encontrar o deixaria angustiado.

O caminho foi mais longo do que imaginava, diferente da trilha que estava acostumado em sua infância, que se modificava de acordo com os seus desejos, essa não parecia estar lá para atendê-lo.

A caminhada foi longa e cansativa, em vários lugares o acesso era precário, havia árvores caídas no caminho e em muitos trechos tinha que empurrar a mata para conseguir passar, chegou a pensar ser um outro sonho diferente daquele que estava acostumado a ter em sua infância.

Depois de aparente horas de caminhada notou um pequeno trecho da trilha que algum dia devia ter sido uma bifurcação, mas esse caminho estava totalmente obstruído, nesse momento Franz teve a certeza de estar na mesma trilha que tantas vezes percorreu quando criança.

Nos instantes que se seguiram Franz foi tomado por uma intensa angústia seus próximos passos o levaram a uma clareira, sabia estar nos arredores da Casa do Gramado, mas o que deveria ser o gramado estava totalmente tomado pelo mato, que estava tão alto que em nenhum local conseguiu ver a casa.

Franz sentiu-se paralisado, teve a sensação que o sonho de sua vida tinha se quebrado, lutou para romper a paralisia que se apossou de suas pernas e braços e, muito lentamente começou a dar um passo de casa vez, abrindo lentamente a mata com as mãos.

A visão que teve a seguir trouxe lágrimas a seus olhos. A Casa do Gramado estava em ruínas, deserta, parecia mais com uma pilha de madeira podre de que com uma casa propriamente dita.

Assustado, Franz despertou, mas estava tão tenso e angustiado que não conseguia sequer mover um músculo, teve a impressão de ter passado horas nessa situação, mas quando conseguiu virar-se para ver as horas notou que tinham passado apenas uns poucos minutos do momento em que foi se deitar.



Franz sentia-se paralisado em sua cama, não movia sequer um músculo, estava com os olhos abertos, aparentemente olhando o vazio, mas na realidade estava olhando o relógio, que como ele também estava paralisado, o ponteiro dos segundos não se movia, permanecia estagnado entre um instante e aquele que iria sucedê-lo.

O mundo todo parecia ter parado, não havia nenhum ruído, em nenhum lugar nem o interior nem no exterior do minúsculo apartamento que Franz usava para dormir.

No espelho uma luz tênue refletia a noite que em breve se iniciaria em um outro mundo, mais uma vez uma trilha no meio de uma densa floresta se desvelava.

Agora Franz achava ter a certeza de que estava em um sonho, não sentia estar caminhando na trilha, era como se flutuasse nela, era uma trilha plana, diferente da anterior, não tinha nenhum obstáculo, o silêncio era total.

Sentia-se envolvido pelas árvores que ladeavam a trilha, uma sensação de bem estar invadiu o seu coração.

O caminho à frente o fascinava e, ao olhar para traz não conseguia distinguir qualquer vestígio da trilha as árvores e arbustos se fechavam por traz dele, não deixando qualquer marca do caminho de volta.

Como ocorria em sua infância se sentia muito bem, gostaria de esquecer que o mundo que estava do outro lado do espelho deixasse de existir.

Não demorou em encontrar a bifurcação, agora seria possível adentrá-la sem qualquer dificuldade, sentiu uma ponta de angústia por um dia remoto em sua infância ter feito essa escolha, sabia que mais alguns passos chegaria a uma clareira com um grande gramado.

Dessa vez a trilha ali estava para atender os seus desejos, na clareira se deparou com um imenso gramado, muito bem cuidado, como todo o caminho estava em total silêncio, mas não havia nenhuma casa. Franz sentiu-se totalmente só.

Estava cansado e não tinha nenhum desejo de retornar ao seu apartamento, ainda que decepcionado, deitou-se no gramado para descansar, nesse mundo em mais alguns instantes ia anoitecer.

Não demorou e logo teve a impressão de que o gramado tinha diminuído de tamanho, as árvores antes distantes do local onde tinha se deitado no gramado, agora pareciam estar a poucos passos de distância.

Com o anoitecer lentamente alguns galhos das árvores mais próximas se debruçaram sobre Franz, elas o estavam envolvendo, protegendo o seu sono.

Quando já não conseguia manter os olhos abertos Franz conseguiu ver a lua cheia por detrás de imensos galhos das árvores, que agora conseguia tocá-las, com as mãos. Sabia que isso era impossível - curiosa essa fala, será que existe algo impossível no mundo dos sonhos. - Mas agora estava com muito sono para pensar nisso.




Quando acordou Franz se encontrava deitado na cadeira de balanço localizada na varanda da Casa do Gramado, era uma manhã com sol e céu azul, uma sensação de bem estar invadiu o seu peito.

Lentamente se levantou e circundou a casa, o gramado ainda estava molhado pela relva da manhã, o silêncio era total.

As árvores que à noite estavam tão próximas agora circundavam todo o gramado, não havia nenhum sinal da trilha, além do gramado uma densa floresta não cedia nenhum espaço para que alguém pudesse caminhar.

Aos poucos o gramado ia se secando, Franz caminhou até onde estavam as árvores, só por curiosidade e certificou-se de que não tinha nenhum caminho.

Andando calmamente voltou para a varanda e se sentou na cadeira, ao se balançar se entretinha com o rangido dos ferros da cadeira, pela posição do sol devia ser por volta de sete horas da manhã e, naquele momento não dispunha de nenhum relógio para confirmar a hora.

Há muito tempo não sentia a tranqüilidade que desfrutava nesse momento, desejou que em um dia distante, localizado em sua infância ter resistido à sua curiosidade e não tivesse entrado na bifurcação existente na trilha.

Desde aqueles dias em sua infância era a primeira vez que não se sentia só, sentia-se como parte de todo o mundo que o rodeava: a casa, o gramado, a floresta, a trilha... E também aqueles que habitavam a Casa do Gramado, nesse momento mais uma vez sentiu-se como um todo, nesse Universo infinito, vivo, pulsante.

Sentiu o desejo de permanecer ali, na Casa do Gramado, para sempre, integrado, entrelaçado, envolvido, e o sempre nunca acaba.

Se houvesse alguém olhando para Franz, agora na varanda, se balançando da cadeira, teria a impressão de que ele olhava para o vazio, como alguém que estivesse perdido, divagando, em seus próprios pensamentos.

Mas nesse momento Franz sentia que tinha tudo que sempre desejou, a companhia de si mesmo, de um eu envolvido com o Universo que o rodeava e, sabia que de alguma forma Valkíria também ali estava mesmo que envolta junto às trilhas de seu coração.

O silêncio em que Franz estava mergulhado, nas profundezas de suas reflexões, foi quebrado pelo rangido da porta da Casa do Gramado que se abriu lentamente, empurrada por uma leve brisa, que também balançava suavemente os galhos das árvores que envolviam o gramado.

Um cheiro forte de café invadiu as narinas de Franz.



Ao entrar na casa Franz achou que devia se surpreender com a cena que assistiu, mas estava tomado de uma tranqüilidade que há muito desconhecia.

Na sala se defrontou com Valkíria sentada à mesa, desfrutando de seu café matinal, mas não era mais a menina que tinha conhecido na infância, à sua frente estava uma mulher formada, cujas feições não deixavam qualquer dúvida de ser a criança com quem tantas vezes tinha estado em sua infância, na Casa do Gramado, há pelo menos duas décadas atrás.

Com paciência Valkíria apontou a Franz o único lugar restante, para com ela partilhar o café da manhã.

Durante muitos anos Franz tinha desejado esse reencontro, muitas vezes chegou a planejar o que conversar com Valkíria, mas agora que estava frente a frente com ela as palavras simplesmente lhe escapavam e, por outro lado pareciam, no momento, desnecessárias.

É que muitas vezes quando se tem afinidade, um simples olhar, a presença, já dizem tudo que é necessário.

Ainda que tomassem o café em silêncio, as palavras não estavam fazendo falta, olhavam-se fixamente nos olhos e tocavam-se com ternura as mãos. Franz sentia-se grato por mais uma vez desfrutar da intensidade dos sentimentos que teve a felicidade de conhecer em sua infância.

Ao fitar os olhos de Valkíria sabia estar lendo o que ela pensava e não tinha nenhuma dúvida da recíproca, estavam envolvidos, entrelaçados, seus corações pulsavam juntos, em compasso com o pulsar do Universo que os rodeava.

A energia que fluía entre eles aqueciam seus corações, fazendo suas almas expandirem e se entrelaçarem, Franz e Valkíria são partes da mesma essência, sua matéria e energia era proveniente de uma estrela muito distante, muito longe de qualquer galáxia conhecida, que tinha consumido tudo que estava à sua volta, quando entrasse em colapso formaria uma nova galáxia, mas isso só ocorreria quando essa última partícula que davam vida a Franz e Valkíria retornasse a ela e, no momento o lugar deles ainda era nesse outro lado do Universo, tinham um legado a deixar àqueles que aqui viviam.

Ao se expandirem dessa forma podiam se desprender desse mundo e voltarem à sua estrela, mas sentiam que ainda não era esse o momento, quando estavam terminando o café ainda estavam em transe, se entrelaçando e lendo os pensamentos, mas foram despertos pelo latido de dois cachorros que brincavam no gramado.



Assim que terminaram o café foram para a varanda descansar e apreciar o mundo que os rodeava, como tantas vezes o fizeram quando ainda eram crianças.

Os dois cachorros que brincavam alegremente no gramado imediatamente vieram fazer companhia, o menor deles, todo branco, estava molhado pela relva que ainda restava no gramado, veio correndo ofegante e procurou um espaço no colo de Valkíria, buscando carícias.

O maior tinha uma tonalidade cinza e preto, era bem grande, em pé tinha quase o mesmo tamanho que Franz, que há muito tempo já não o via, também estava muito feliz, escolheu o caminho mais longo para chegar à varanda, gostava muito de correr e agora dispunha de um espaço que não tinha quando vivia com Franz.

Agora os dois não mais se sentiriam sozinhos, sempre teriam a companhia um do outro, adoravam correr e rolar pelo gramado, também faziam parte do todo, da casa, do gramado, das árvores, Franz, Valkíria...

Depois de um breve descanso Valkíria e Franz foram caminhar no gramado, em volta da casa, andaram até o extremo, junto às sombras das árvores, que em alguns lugares se projetavam na grama. Os dois cachorros que durante anos fizeram parte da vida deles, assim que eles levantaram correram atrás, queriam estar juntos, partilhar, desfrutar o prazer da companhia.

Franz e Valkíria caminhavam de mãos dadas, em silêncio, continuavam olhando nos olhos, lendo os pensamentos, tocando o coração e a alma, bem de leve, com a pontinha dos dedos.

Ao terminarem de circundar o gramado voltaram à varanda e se sentaram na cadeira, os cachorros ainda brincaram um pouco, pareciam incansáveis e na seqüência se deitaram, junto aos dois que agora conversavam descontraídos.

Franz tinha perguntado sobre os irmão de Valkíria, e ela explicava que logo após ele ter deixado a Casa do Gramado, em sua infância, eles tinham compreendido o que tinha ocorrido e, assim, sua presença ali não mais fazia sentido.

Assim em um dia pouco antes de o sol surgir, ainda estava ligeiramente escuro, eles se transformaram em um raio de luz e desapareceram rumo ao vazio, lá no infinito, onde o espaço se encontra com o tempo, em direção à nossa estrela.

Franz perguntou sobre o porque de Valkíria não ter ido junto, ela disse não ser necessário, naquele momento os menores não mais teriam dificuldades em achar o caminho, ainda que a viagem fosse muito longa, mesmo àqueles que a velocidade da luz não é uma barreira.

Continuando Valkíria disse que em algum momento ainda ia encontrá-lo, esse era o principal motivo de não ter ido, sobre a solidão ela explicava que sempre teve a melhor companhia de que alguém pode necessitar, que é a companhia de si própria, ainda ela e a Casa do Gramado, formavam um único ser, integrado, entrelaçado.

Franz refletiu, sabia que de alguma forma Valkíria em algum momento o acharia e ele esperava por esse momento, eles estavam olhando-se fixamente nos olhos, tinha certeza de que ela estava lendo os seus pensamentos, assim, as palavras não eram necessárias.

Ficaram olhando-se fixamente por um longo tempo, se houvesse alguém olhando-os na divisa entre o gramado e a floresta, os veriam flutuando no centro da varanda, irradiando um intenso brilho.



Ao entardecer uma tênue fresta começou a se abrir além do gramado, entre as árvores, bem enfrente à varanda onde Valkíria, Franz e os cachorros descansavam, o menor deles mais uma vez tinha achado um espaço no colo de Valkíria e aceitava as carícias dela com gratidão.

Eles ainda se olhavam fixamente nos olhos e acariciavam as mãos um do outro. Franz teve a nítida impressão de ter ouvido Valkíria articular uma frase. Ele ouviu: “Está na hora de você ir, mas eu te achei e sei que estava me esperando, estaremos sempre juntos, habitando o mesmo coração, e o sempre nunca acaba.”

Mas em momento algum os lábios de Valkíria se moveram, Franz sabia que estava lendo não só os pensamentos dela, mas principalmente partilhando os mesmos sentimentos. Os dois sabiam que viviam ao lado do coração, um do outro, o lado de dentro.

Franz se encaminhou lentamente até a fresta entre as árvores, mais uma vez a trilha estava lá, ela sempre esteve, pois sempre há uma trilha ligando os corações daqueles que se amam.

Valkíria e os dois cachorros o seguiram, também lentamente, até a entrada da trilha, quando já estava distante Franz voltou o olhar para traz, sabia que mesmo a essa distância, estavam se olhando nos olhos, enquanto olhava uma nova frase ecoou em seus ouvidos: “Muito em breve, logo quando o dia amanhecer novamente estaremos juntos, apenas separados por um breve lapso de tempo, mas lembre-se que eu te encontrei e você estava me esperando. Até sempre.”

Franz pensou que na distância que estavam, seria impossível ouvir a frase proferida por Valkíria, com a clareza que ouviu, mas tinha certeza de que mesmo à distância tinha lido claramente esse pensamento dela.

Ele continuou seu caminho lentamente pela trilha, sentia como se estivesse flutuando, não tinha pressa, desejava ficar, mas tinha uma tarefa muito importante a realizar nos dias que seguiriam.




Franz flutuou ao longo da trilha por muito tempo, ainda que não conseguisse precisar a duração, mas nesse momento ele não sentia essa necessidade, o hábito de ficar contando o tempo e uma série de outras coisas era algo que pertencia aos preocupados.

Lentamente ele abriu os olhos, seu quarto ainda estava totalmente escuro, apenas um leve reflexo ainda brilhava no espelho, que no momento apenas refletia os moveis e utensílios de seu minúsculo apartamento.

Quando olhou para o relógio, ele ainda registrava a mesma hora em que pelo que se lembrava tinha pego no sono, ficou por um longo tempo olhando fixamente para ele e teve a certeza de que os ponteiros estavam parados, imaginou que a pilha que o alimentava tinha se esgotado.

Mas após piscar os olhos notou que o ponteiro dos segundos voltou a se movimentar em seu ritmo normal.

Levantou-se e foi olhar pela janela, a rua estava totalmente calma, uma ou outra pessoa podia ser vista caminhando ao longe, pelo movimento pôde deduzir que ainda era madrugada, mas tinha dúvida em relação de que dia, teve a sensação de ter estado dormindo e sonhando por semanas, talvez meses.

Não sentia nenhum vestígio de sono, mas ainda que fosse madrugada sabia que não mais ia conseguir dormir, resolveu tomar um café e dar uma olhada no último projeto que tinham lhe solicitado.

Em sua mesa se encontrava os primeiros esboços da casa que tinham solicitada a demolição para a construção de mais um prédio.


Ficou olhando fixamente para os desenhos que tinha feito, o que mais chamava a sua atenção era a grande janela, aparentemente do que era uma saleta que ficava dentro do que era a sala maior da casa, achou que aquele espaço era utilizado por alguém que morava na casa para ler.

Ao olhar seu esboço, estranhou uma mancha que viu “Além da Janela”, no interior da casa, quando o fez não tinha tido essa intenção, mas agora via claramente na mancha, uma moça, aparentemente uma adolescente, sentada em um sofá lendo um livro.

Franz estava fascinado com os esboços da casa, não tinha idéia do que ocorreria na seqüência, mas sabia que essa casa não seria demolida, de alguma forma ela seria recuperada e transformada em algum tipo de museu ou centro cultural, também sabia que aqueles que estavam contratando-o ficariam furiosos.

Um leve sorriso despontou na face de Franz, sentia que pela primeira vez iria se realizar com seu trabalho.



Dedico ao Nick-Cão e ao Freud-Cão, que nesse momento devem estar correndo livremente e brincando, lá nas trilhas e ao redor da Casa do Gramado e, sem dúvida, muito felizes.

Dedico também à Marion, minha doce companheira, que está sempre junto me inspirando e incentivando.




Ah! Eu ia interpretar os sonhos, mas isso deixo àqueles que gostam de acompanhar esses meus pensamentos.








4 comentários:

  1. Mas que belíssimo!!!
    Mais um conto maravilhoso que, neste "Espelho", mostra sentimentos
    e emoções..
    O espelho da alma...Onde o amor se mostra.
    Me encanta este mundo dos sonhos, e esta mágica e beleza que seus textos tem...
    Ah! George, tua inspiração é SUBLIME!
    Lindo, lindo!
    Amo ler-te... e adoro sua companhia!!!
    Grata e honrada com seu carinho e consideração,
    suas lindas palavras engrandecem meu ser de tanto encantamento!
    Parabéns, tudo de bom pra ti!

    Beijo ♥ e na alma carregado de amor e carinho!...sempre!
    Porque o sempre nunca acaba.

    Marion

    ResponderExcluir
  2. Muito bom seu conto, repleto de lugares e personagens que invadem a imaginação.Parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Arnoldo, grato pela atenção, pela visita a esse meu espaço de sonhos.

      Excluir
  3. Marion, grato pela atenção, carinho e inspiração que sempre me proporciona.

    ResponderExcluir