domingo, 12 de fevereiro de 2012

Lapso de Tempo - Parte I




Lá na curva onde o espaço se encontra com o tempo,
Bem juntinho ao centro do tabuleiro,
tempo é espaço e espaço é tempo,
O antes pode ser agora,
E o depois já aconteceu.

Lá não há primeira, segunda ou terceira pessoa,
todos somos nós,
não importa se animados ou inanimados,
mas ao mesmo tempo,
o nós não deixa de ser eu, você ou ainda ele.

Lá se centra a essência do Universo,
por outro lado não há tempo nem espaço,
e ao mesmo tempo o espaço é infinito,
e o tempo pode ir adiante como ao passado retornar.

O centro do tabuleiro,
se encontra logo ali, além da varanda,
só que quando lá chegar, tabuleiro e varanda,
além do Universo irão estar.



No local onde um dia iria se encontrar a varanda da Casa do Gramado, na clareira localizada no centro da densa floresta, ao longe podia-se ver quatro pedras flamejantes rasgando o céu, no início daquela noite de lua cheia e, denotava que seria repleta de estrelas a iluminar o caminho formado pela trilha que se desenhava ao desejo de quem nela caminhava e que desembocava na clareira coberta pelo gramado.

No horizonte em frente à clareira, uma imensa estrela com luminosidade azul parecia clarear mais o gramado do que a própria lua, naquele momento era a estrela mais brilhante de todo o firmamento, mas lentamente o movimento do Universo a levaria para tão distante, que algumas décadas após a Casa do Gramado ter sido abandonada, ela estaria ocupando um ponto vazio, só podendo ser vislumbrada por quem fosse constituído da mesma essência que ela.

Três das pedras flamejantes caíram bem próximas à clareira, quando estavam próximas, em altas temperaturas, provocadas pelo atrito com a atmosfera ao adentrar nesse mundo provocaram uma pequena ranhura na trilha, que um dia viria a ser a Trilha dos Desejos, depois de muito tempo a ranhura se tornou uma pequena bifurcação.

No fim dessa bifurcação se formou uma pequena clareira cercada por imensas árvores e arbustos que impossibilitava o seu acesso, em seu centro as três pedras flamejantes que caíram do céu levariam séculos para se esfriarem.

Passados esses séculos o gramado também começou a brotar ao redor das três pedras, que guardavam em si a essência do Universo, musgo e uma vegetação rala começou a se desenvolver ao redor e sobre elas, se algum dia as pessoas achassem a trilha que dava acesso a elas teriam a impressão de que eram simples pedras.

O que essas pessoas dificilmente descobririam é que não existem simples pedras, somos todos, animados ou inanimados, partes de um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante, sempre...

No fundo somos todos constituídos da mesma essência, a matéria e energia da qual somos compostos é a mesma que vem das estrelas, e as estrelas brilham, sempre.

Essa sensação de finitude, do reducionismo, é tão limitada quanto são limitados os sentimentos, pensamentos e atitudes daqueles que ainda não se perceberam como partes desse todo.

Uma quarta pedra, que tinha rasgado o céu, junto com as outras três veio a se separar delas, quase que escapou do campo de atração desse mundo, vindo a entrar no campo de atração da estrela que o alimenta, mas pouco antes de que isso acontecesse, o campo energético das outras três a atraiu fazendo com que ela voltasse à atmosfera, mas além da distância que caíram, a energia proveniente da estrela e das três pedras provocaram uma ruptura no espaço tempo, deixando-as distantes, não só no espaço como também no tempo.

As quatro eram compostas da mesma essência, tinham se desprendido da mesma estrela, agora, aparentemente ocupando um espaço vazio no firmamento, nem os telescópios mais potentes hoje localizados ao redor desse mundo conseguiram vê-la, aparentemente ela estava em um espaço vazio do Universo.



Passaram-se muitos séculos antes que alguém viesse a habitar o local onde até hoje e para sempre será ocupado pela Casa do Gramado, mas em uma época ainda remota, um casal com três filhos, descontentes com os caminhos que a civilização da qual faziam parte, um dia encontrou uma pequena trilha na entrada da floresta, nos limites da cidade onde viviam.

Essa pequena família tinha por hábito, em seus dias de folga irem passear em locais o mais distante possível da cidade que viviam, pois tomadas pela febre do des-envolvimento seus habitantes a cada dia adoeciam mais.

O mundo estava no princípio da era que se caracterizou pela industrialização, com as máquinas a humanidade estava atingindo um patamar de produção jamais imaginado.

Curioso é que nas gerações anteriores, as pessoas viviam no limite da subsistência, muitas vezes não conseguiam sequer produzir o suficiente para se alimentarem.

Essa nova era, com suas máquinas e capacidade de produção poderia propiciar a elas um nível de riqueza tal, que as necessidades que as gerações anteriores passaram, seria algo cuja lembrança só estaria registrada nos livros de história.

Por outro lado um paradoxo estava se formando, à medida que aumentava o nível de produção da sociedade, também elevava o nível de miséria daqueles que trabalhavam para sustentar essa sociedade, e isso não fazia sentido ao pai de Valkíria, que tinha dedicado sua vida para ajudar a criar máquinas, para justamente amenizar a miséria na qual as gerações anteriores estiveram inseridas.

A essa altura da vida o pai de Valkíria estava se dando conta de que a miséria presente nas sociedades tinha pouco ou talvez nenhuma relação com a capacidade de produção e sim, que seus fundamentos estavam ligados à forma com a qual as pessoas se relacionam.

Seu desagrado com esse mundo que muito tinha ajudado a criar desencadeou nele o desejo de cada vez maior de se afastar da cidade e do modo de produção que agora se implantava e que muito ele tinha ajudado a des-envolver.



A cidade estava tão tomada pela fuligem produzida por aqueles que se diziam donos das máquinas, que à noite praticamente não se podia mais ver as estrelas, mas no horizonte a lua cheia brilhava intensamente, ainda que poucos continuassem a se dar conta que ela estava lá iluminando e insistindo em mostrar caminhos.

Indignados, naquela noite os pais de Valkíria foram com filhos até os limites da cidade para poderem apreciar um pouco o que a lua e as estrelas tinham para nos encantar.

No limite da cidade, em direção à grande floresta, no horizonte as estrelas ainda se mostravam para aqueles que tivessem espírito para apreciá-las.

Praticamente no lado oposto da lua uma enorme estrela com luz azul brilhava quase tão intensamente quanto ela. Em uma linha reta, na direção do horizonte na qual a estrela brilhava, na floresta uma pequena trilha, até então imperceptível estava se formando.

Com a intenção e a pedido de Valkíria, a família adentrou na floresta fechada, para longe do barulho e das luzes da cidade poderem apreciar o céu iluminado pelas estrelas.

À medida que caminhavam no interior da trilha, uma intensa escuridão, só quebrada pela iluminação da grande estrela, envolveu todos que nela caminhavam.

Um desejo envolvia os pais de Valkíria, ela e seus irmãos nesse momento, ainda que não formulassem qualquer palavra, esse podia ser vislumbrado no brilho do olhar deles.

Naquele momento desejaram não mais retornar à cidade e seu cotidiano, queriam encontrar um lugar na densa floresta, afastados de tudo que até então conheciam e lá viverem.

Atrás de cada passo que davam primeiro os arbustos, e na seqüência grandes árvores fechavam a trilha, como se o caminho que eles percorreram nunca tivesse existido.





No meio da noite os cinco chegaram a uma clareira no centro da densa floresta, justamente onde se findava a trilha.

A clareira era plana coberta por um gramado uniforme com a aparência de ser constantemente aparada, mas até então tudo ali parecia totalmente deserto, exceto pela casa de madeira localizada no centro do gramado.

Aparentemente nunca tinha sido utilizada, uma casa simples, mas com tudo que era necessário para umas poucas pessoas viverem confortavelmente.

Na cidade as pessoas tinham o hábito de acumular coisas, mesmo as pessoas mais humildes, mas o que não se davam conta é que a maior parte das coisas que acumulavam não tinham finalidades, mas ficavam ocupando espaços e avolumando o trabalho delas.

Para atenuar esse trabalho as pessoas acumulavam mais coisas que fabricavam com a intenção de produzirem conforto a elas e ajudar na manutenção de outras que já possuíam, mas o trabalho e custo dessas coisas superava em muito o bem estar que elas produziam, assim as pessoas viviam em um círculo vicioso, cada vez produziam mais coisas para obterem conforto, mas que na pratica acabavam servindo só para criar mais trabalho a elas mesmas.

Na Casa do Gramado não havia nada que pudesse ser considerado supérfluo, mas ao mesmo tempo tudo que lá existia era não só o suficiente como também o necessário.

Quando lá chegaram todos se acomodaram na varanda, estavam cansados devido à caminhada, no céu o brilho da lua e da grande estrela azul propiciavam toda a iluminação que era necessária, ainda inúmeras estrelas completavam a iluminação da clareira.

Valkíria e seus dois irmãos, cansados adormeceram, ali mesmo na varanda, quando já era madrugada Valkíria despertou e veio a ter a última visão dos seus pais, eles flutuavam em frente à casa, nesse momento a grande estrela estava no horizonte, quando do lado oposto o céu estava começando a ficar alaranjado pela luz do sol que começava a nascer.

Pouco antes de clarear o dia Valkíria presenciou os pais desaparecerem no horizonte, junto com a estrela que não mais podia ficar visível dado a luz do sol que se intensificava.

Valkíria se viu sozinha com os dois irmãos, mas em momento algum solitária, a trilha pela qual adentraram na densa floresta tinha desaparecido totalmente, mas ela tinha os irmãos, a casa, o gramado, as imensas árvores e arbustos que circundavam o gramado e, principalmente, conseguia desfrutar a ausência de angústia que um dia tinha presenciado naqueles que habitavam a cidade, que agora cairia no esquecimento.

Ela sabia nesse momento que em algum lugar se encontrava uma outra parte dela mesma, que só poderia ser encontrada com a energia proveniente da Casa do Gramado.




O tempo em que viveu na cidade aos poucos foi se tornando uma vaga lembrança para Valkíria, já os irmãos mais novos nem essas lembranças possuíam, quando vieram para a Casa do Gramado ainda eram muito pequenos, mas dos pais eles se lembravam, sabiam ter havido antes de Valkíria pessoas adultas que cuidavam deles.

Muitas vezes os menores sentiram vontade de perguntar a Valkíria sobre eles, mas sentiam que ela teria dificuldades em formular alguma resposta.

Como Valkíria sentiam-se como parte daquele mundo que partilhavam: a casa, o gramado, as árvores, arbustos e eles mesmos, eram parte de um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante.

Para os menores o Universo não ia além do gramado, da casa, das árvores que circundavam o gramado, o sol que brilhava durante o dia, a lua e as infinitas estrelas que iluminavam a noite, tinham uma especial admiração pela grande estrela de luz azul que brilhava quase na mesma intensidade da lua.

Já Valkíria sentia que, além desse Universo vivo no pensamento de seus irmãos, em algum lugar havia uma trilha, que podia se ligar a outros mundos e seria por esse caminho, que um dia poderia se encontrar com uma outra parte que em um passado remoto havia se desprendido dela.

Um dia a grande estrela azul iria mostrar onde se encontrava esse caminho.



Já durante a noite a temperatura cai um pouco, o suficiente para que as horas de sono se tornem aconchegantes o bastante, deixando que os sonhos fluam na mesma proporção em que a vida flui.

Na Casa do Gramado os sentimentos habitualmente precedem os pensamentos, isso proporciona àqueles que lá vivem a percepção de que a Floresta, o Sol, as Estrelas podem proporcionar tudo o que necessitam, assim eles sempre têm tempo para si próprios e lá o que passou, o que virá e o agora muitas vezes acontecem simultaneamente.

Não, não é erro de grafia: o Sol, a Floresta, as Estrelas e muitos outros elementos, são nomes próprios são seres que partilham o mesmo grau de importância que tem qualquer outro ser, seja ele vivo ou inanimado. Somos todos parte um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante.

No mundo dos preocupados como no mundo dos perplexos, os sentimentos se tornaram secundários sempre subjugados pelo conhecimento, isso fez com que além de adoecerem, aos poucos, a percepção, seja de si próprios ou do mundo que os rodeia, desconexa e muitas vezes desprovida de significados.

Essa falha na percepção fazia com que os preocupados e os perplexos entrassem em um ciclo vicioso de produção que os levava a sugar o mundo que os rodeava, tornando-o tão doente quanto eles próprios.

Aqueles que viviam na Casa do Gramado estavam sempre ocupados, assim a preocupação era um sentimento que nunca se aproximou de lá. A percepção mostrava o quão significativo são os sonhos.

A Casa do Gramado é um lugar para tornar vivos os sonhos.



Entre as palavras que podem definir a Casa do Gramado destaca-se o termo Equilíbrio. Quando Valkíria, seus irmãos e Franz chegaram a esse mundo, o atrito com a atmosfera os dividiu em quatro partes, três delas permaneceram próximas, vindo a cair no lugar em que teve início esse mundo de sonhos.

A quarta parte atravessou a atmosfera desse planeta em velocidade muito maior que as demais vindo a entrar no campo gravitacional do Sol, a energia desprendida por essas quatro partes para que não se fragmentassem totalmente provocou uma pequena ruptura no espaço tempo, além de muito distante, essa quarta parte veio a cair no mesmo planeta mas em uma outra época.

Para manter o equilíbrio a grande estrela azul da qual essas partes haviam se desprendido emitiu um grande clarão, uma pequena explosão solar, que desenhou uma trilha ligando o espaço-tempo em que essa quarta parte caiu às outras três.

Assim, ainda que fragmentada, a Casa do Gramado conseguiu manter o seu equilíbrio, a trilha aberta pela grande estrela, não é apenas uma trilha no sentido físico, ainda que qualquer ser possa por ela caminhar. Essa trilha está sempre em uma densa floresta, mas são poucos os que caminham por ela conseguem chegar à clareira onde se encontra a Casa do Gramado.

A maioria das pessoas que por ela caminha tem a impressão que anda em círculos, pois invariavelmente acabam saindo dela no mesmo local em que entraram. Só quem consegue seguir pelas trilhas do coração chegam à clareira onde se encontra a Casa do Gramado, ainda assim dos poucos que lá chegam habitualmente encontram ou uma casa vazia, ou ainda algumas vezes uma casa em ruínas.

Uns poucos têm a impressão de ver vultos, oras de crianças brincando, ou caminhando pelo gramado e, algumas vezes alguns bichos, vários descrevem dois cachorros correndo livres, um deles de grande porte com pelos curtos na tonalidade cinza, quase preto, com as orelhas em pé e, um outro pequeno, todo branco, com pelos longos.

Mas os poucos que conseguem ver as crianças, ou esses cachorros e outros bichos não conseguem fazer uma descrição precisa, têm a impressão de estar em um tipo de êxtase, como se fosse um sonho.

Mesmo essas pessoas que chegam a ver as crianças, invariavelmente acabam saindo no mesmo local em que entraram na trilha, quando tentam retornar, só encontram uma trilha cercada por uma densa floresta.

No passado usaram bússolas e o que conheciam das estrelas para tentar entender os caminhos que a trilha desenha, na atualidade já usaram equipamentos eletrônicos, para mapearem a trilha, mas nunca conseguiram resultados efetivos, alguns acham que por lá existe algum campo magnético que deixa os equipamentos inoperantes, impedindo um mapeamento preciso.

As descrições daqueles que conseguem chegar à clareira são difusas, muitas vezes parecem refletir locais diferentes, muitos tentaram encontrar as crianças, pensando ser elas crianças perdidas de algum vilarejo próximo, mas nunca houve nenhum relato de que elas tenham se perdido, outros acham se tratar de mitos, criados por motivos diversificados.

Por outro lado nunca perceberam que a discrepância das descrições que ouviam apenas revelavam o desequilíbrio daqueles que relatavam o que viam, desequilíbrio esse que não podia ser medido por nenhum equipamento eletrônico.

Quando Valkíria encontrou Franz em seus sonhos e mostrou a ele como chegar à trilha, esse sempre encontrou um ambiente em equilíbrio, um local, em que se havia uma linha separando o mundo dos sonhos, daquele mundo que os preocupados e os perplexos chamam de real, essa linha era muito tênue.

Assim que Valkíria e Franz achassem o caminho para estreitar esse mundo de sonhos com esse que alguns acham ser o real, a trilha se tornaria tão pequena, que seria como atravessar uma rua para se encontrarem, e o lapso de tempo desapareceria.


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