domingo, 16 de dezembro de 2012

Esquecidos - Parte X.







Franz e Valkíria observavam os Esquecidos, sentiram no olhar, na presença deles, que eles sabiam que não fosse esse filtro, que tinha mudado a cor do céu, seu mundo não mais poderia sobreviver e, também sentiam que essa condição não poderia perdurar por muito tempo, mas aparentemente para eles o tempo não tinha maior importância.

Valkíria sentiu que para os Esquecidos o único tempo que tinha algum significado era o momento presente, não mais que um breve instante, e era nesse que se encontrava toda a possibilidade de vida.

Tanto o passado, como uma expectativa de futuro, não representava para eles algo que tivesse maior relevância.

Eles estavam maravilhados pelo presente que a vida tinha lhes proporcionado, a possibilidade de o seu mundo sobreviver, mesmo que fosse só por mais um breve momento.

Franz e Valkíria se entreolharam, muito do mundo dos Preocupados continuava presente em seus sentimentos, frente à simples possibilidade de algo semelhante ocorrer ao mundo deles, muitos já entrariam em pane, mesmo que essa não viesse a se concretizar.

Em sua história a idéia de um fim de seu mundo sempre esteve presente, ainda que em sua maioria fossem totalmente desprovida de significados e, a cada vez que passavam por esse suposto fim, acabavam criando uma nova previsão para que esse ocorresse.

Sentiram que essa não deixava de ser uma forma de os Preocupados externalizarem suas idéias destrutivas em relação a si próprios.

Eles se preocupavam tanto com o que poderia vir a acontecer que habitualmente se esqueciam do presente mais importante que as estrelas podem proporcionar: a vida.

Os Esquecidos mesmo diante dessa grande transformação pela qual seu mundo estava passando continuaram a viver como sempre o fizeram, apreciando e aproveitando cada momento, eles sentiam ser essa a única possibilidade de vida.

Valkíria desejava ver as manchas que estavam se revelando no chão, abaixo da mesa onde se alimentavam e partilhavam a presença, mas preferiu esperar por um momento em que não houvessem pessoas em volta da mesa.





Quando a mesa se esvaziou, com a ajuda de Franz, afastaram um pouco a mesa, os Esquecidos que estavam próximos não entenderam, mas não tardaram em prestar ajuda.

Valkíria se aproximou, as primeiras manchas que pode ver tinham a coloração verde escuro, ao aproximar-se mais percebeu que como as paredes da Construção Circular, o chão também era constituído de pequenas pedras polidas.

Não demorou a sentir, que o chão como a resto da construção também era um mosaico, aparentemente o maior de todos eles.

Na companhia de Franz começou a olhar todo o piso, limpou algumas partes, e notou que apresentavam um colorido intenso, vibrante, em sua maioria na tonalidade verde.

Imaginou que todo o chão constituía um único mosaico que revelava mais uma parte da história dos Esquecidos.

Ela e Franz se olharam nos olhos, estavam lendo os pensamentos. Sentiram que a construção toda, cada ponto, cada detalhe estava ali para revelar a história desse mundo que tão bem os acolhera.

Se dirigiram à escada na tentativa de limpar um de seus degraus, mas já sabiam o resultado, debaixo da poeira acumulada por muitos anos, manchas coloridas começaram a se revelar, o mesmo aconteceu no andar superior.

Retornaram ao piso inferior . Valkíria sentia-se instigada, talvez agora encontrasse vestígios do que anteriormente sentia falta.

Os Esquecidos que agora conviviam na companhia deles, não demoraram a compreender e juntos com Franz e Valkíria, afastaram a mesa e começaram a ajudá-los a polir o chão.

Ao redor de onde se encontrava a mesa havia manchas verdes de diversas tonalidades, tendendo ao verde escuro, sem dúvida esse mosaico era imenso, parece que ocupava todo o chão do piso inferior.

Já estava anoitecendo e ainda não conseguiam distinguir nenhuma imagem com nitidez, cansados, se uniram aos esquecidos e, envolvidos foram ao mundo dos sonhos.





Valkíria acordou antes de o dia amanhecer, ao olhar para Franz chamou a atenção a intensa luz azul que fluía dele, se unindo à energia dos demais, ainda em sono profundo, envolvendo toda a face do planeta.

A luz que fluía daqueles que estavam adormecidos se projetavam no espaço em um ponto com uma luz lilás intensa, Valkíria sabia que naquele ponto se encontrava a sua casa.

Protegida pela Grande Estrela Azul, estava filtrando a intensa luz vermelha proveniente da estrela do Mundo dos Esquecidos que estava entrando em colapso.

Valkíria lembrou-se da noite em que tinha chegado a esse mundo do céu repleto de estrelas e poeira com luzes refletidas, das pedras que continuamente caiam do céu ameaçando os Esquecidos.

Um clarão amarelado estava rasgando o céu, uma onda de calor envolveu todo o planeta, despertando muitos que estavam ainda adormecidos.

A Estrela Vermelha tinha acabado de consumir uma estrela que brilhava nas profundezas dessa parte do Universo.

Um facho de luz azul escuro veio logo na seqüência e envolveu a Casa do Gramado, agora, além da luz lilás que dela fluía, o seu redor ficou todo avermelhado.

Os Esquecidos junto com Franz vieram à rua apreciar as luzes que vinham do céu, agora que o dia já tinha amanhecido.

Valkíria e Franz enquanto se nutriam na companhia dos Esquecidos se recordavam de sua casa e de toda a vida que lá fervilhava.

Desejaram estar junto com os menores, os cachorros que sempre os acompanhavam e toda a vida que fervilhava na Casa do Gramado.






Valkíria se sentia intrigada com o grande mosaico no chão da Construção Circular, tão logo acabou de se alimentar sentou-se no chão e começou a polir as minúsculas pedras, que aos poucos começou a desvelar o seu colorido.

Franz e os Esquecidos logo se juntaram a ela.

Aos olhos de Valkíria aos poucos começou a surgir uma densa floresta brilhando, refletindo a luz lilás que vinha do céu.

Ela se levantou e se afastou um pouco para apreciar, Franz a acompanhou, ficaram confusos, a imagem que estava surgindo, era muito diferente das até então desveladas.

Eles estavam lendo os pensamentos, tocando a alma, bem de leve. Achavam estranho aquele tipo de paisagem não fazia parte do que conheciam do mundo dos Esquecidos e, ao mesmo tempo parecia ser familiar.

Olhando-se nos olhos voltaram a se sentar no chão para continuar o trabalho que tinham iniciado.

Os Esquecidos tinham se juntado e levado a grande mesa, que utilizavam para se alimentar e desfrutar a preciosa água para o lado de fora da construção.

O chão estava todo ocupado, juntos estavam polindo todo o chão.

Nas escadas e do lado de fora, em frente à porta haviam vários Esquecidos observando, nitidamente também queriam ver o que havia desenhado no chão, eles também estavam curiosos em relação àquela estranha figura.

Quando algum daqueles que estavam polindo o chão se cansava, ou parava momentaneamente para apreciar a água ou se alimentar com alguma fruta, logo uma das pessoas que estavam observando ocupava o lugar daquele que tinha saído.

Ao anoitecer todo o chão junto à parede da construção já estava polido. Valkíria e Franz se levantaram para apreciar o que já era possível do grande mosaico.

A porção junto à parede era composta por pedras muito escuras, em relevo nelas havia pessoas deitadas, aparentemente dormindo, com as cabeças junto à parede e os pés voltados para o centro da construção.

Todos deitados voltados para o céu, com os braços abertos tocando as mãos, com os dedos entrelaçados.

O andar superior já estava totalmente polido lá as imagens eram idênticas às do piso inferior.

Da corpo daqueles simbolizados no mosaico, especialmente de suas cabeças era projetado uma intensa luz, que refletindo àquela que provinha do céu chegava a ofuscar, se dirigindo ao centro, no alto da construção, se projetando ao céu.

No centro da Construção Circular, já era possível distinguir o seu conteúdo. Franz e Valkíria se olharam nos olhos, inicialmente se sentiram confusos, aos seus olhos se desvelou a casa deles. A Casa do Gramado, com todos os seus detalhes.

Por outro lado, aos Esquecidos não pairava qualquer dúvida, estavam cansados, um a um foram ocupando um lugar junto à parede, desejavam ir para o mundo dos sonhos.

Valkíria e Franz estavam com os corações acelerados, não sentiam sono, sentaram-se no lugar onde estava desenhado a varanda de sua casa, ao lado de banco onde tantas vezes descansaram seus cachorros dormiam tranquilamente.

Em um dos cantos da varanda os irmãos menores também dormiam.

Ao olhar para o Céu, agora escuro, os olhos de Valkíria se voltaram ao ponto lilás brilhante, logo Franz a acompanhou, eles estavam em transe, lentamente começaram a flutuar cada vez mais alto, em direção à casa deles.





Quando Franz e Valkíria estavam flutuando pouco acima da Construção Circular os Esquecidos ocuparam as posições junto às paredes, como estava simbolizado nos mosaicos, aos poucos estavam começando a dormir, ficariam em sono profundo por muito tempo.

De seus corpos fluíam uma densa luz vermelha, que se projetavam ao céu, envolvendo Franz e Valkíria que agora se encontravam no limite da atmosfera do planeta.

Do alto era possível apreciar um mundo adormecido todo envolto pela luz vermelha que fluía das Construções Circulares.

Muito acima, entre o mundo dos Esquecidos e a sua estrela, a Casa do Gramado brilhava intensamente.

Ao redor de Valkíria e Franz, já longe da atmosfera do planeta, eles flutuavam no vazio em direção à casa deles.

Agora o céu antes cheio de poeira, asteróides, estrelas e planetas estava totalmente vazio, só a Casa do Gramado, a Estrela Vermelha e o Mundo dos Esquecidos ainda flutuavam nessa parte do Universo.

Ao se aproximarem da Casa do Gramado uma vez mais o escuro do Universo foi intensamente iluminado por mais uma estrela vinda das profundezas que foi engolida pela Estrela Vermelha.

Franz e Valkíria desceram na trilha, na sombra das grandes árvores que a ladeavam, o céu além das árvores emitia um intenso brilho vermelho.

Na trilha, entre as árvores a vida fervilhava, mas todos estavam em sono profundo, em uma pedra, envolvida por grandes galhos de árvores, a pequena fada que tinha acompanhado Valkíria até a trilha de pedras, quando eles tinham chegado a esse mundo também dormia profundamente, mas ao sentir a presença deles, despertou brandamente e voltou a dormir. Ela sentiu que teria uma grande noite de sono à frente.

Ao se aproximarem do gramado, as grandes árvores se fechavam por traz de Franz e Valkíria, mantendo-os na sombra, mas ainda assim não podiam olhar para o céu para não cegarem.

À sombra da varanda, o pequeno cachorro de Valkíria e o maior de Franz dormiam profundamente, no interior da casa os menores também estavam no mundo dos sonhos.

Assim que se sentaram em sua cadeira de balanço, o pequeno cachorro branco de pelos longos buscou um lugar no colo de Valkíria, o maior também o acompanhou procurando um lugar ao lado de Franz.

As grandes árvores se fecharam ainda mais, deixando toda a casa na sombra.

Em um rápido olhar ao céu, mesmo entre a densa folhagem Franz observou um céu coberto por um vermelho intenso.

Lentamente a Casa do Gramado começou a se deslocar no Universo vazio, em direção à Grande Estrela Azul, atrás dela, adormecido, o mundo dos Esquecidos seguia o mesmo caminho.





A Casa do Gramado e o mundo dos Esquecidos, estavam envoltos por uma tênue luz lilás, mescla da luz da Grande Estrela Azul que os estavam levando a um lugar onde a vida pudesse fervilhar e da luz vermelha da estrela que até então foi fonte de vida aos Esquecidos, ela também os estava ajudando empurrando-os para um lugar distante dessa parte do Universo.

Ainda que sonolentos só Franz e Valkíria ainda permaneciam acordados.

Apreciando os últimos momentos da Estrela Vermelha, a mancha escura que tempos atrás tinha surgido em seu centro, agora ocupava praticamente a sua totalidade, só em seu extremo a luz vermelha ainda pulsava.

Agora estavam sozinhos, em um lugar vazio do Universo, não havia nenhuma estrela à vista além da vermelha que estava se esvaindo e da Grande Estrela Azul um ponto muito distante no outro extremo, lá no infinito, onde o espaço se encontra com o tempo.

Lentamente a Estrela Vermelha foi-se apagando restando apenas o vazio, em seu lugar ficou um ponto tão escuro, que atraia profundamente os olhares de quem estivesse acordado, uma porta, que levaria quem nela se fixasse para um outro Universo.

Franz e Valkíria os únicos a apreciar o evento estavam sendo sugados para esse portal, agora flutuando acima de sua casa sendo levados pelo vazio, quando a luz azul de sua estrela iluminou as suas faces trazendo-os de volta à sua cadeira de balanço, junto aos seus dois cachorros, que despertaram brandamente.

Ficaram em transe, os quatro, com as faces voltadas para a Grande Estrela Azul.

Aos poucos a luz lilás que os envolvia foi cedendo e se transformando em um tênue azul. Ao redor da Casa do Gramado e do mundo dos Esquecidos só restou o vazio. 

Valkíria, Franz, o pequeno cachorro branco de pelos longos e o maior de Franz, também se voltaram para o mundo dos sonhos.

No ponto onde a Estrela Vermelha pulsou em algum momento um outro Universo cheio de vida iria se formar, mas o quando, como na Estrela Azul, não mais tinha significado, no vazio que restou, tempo é espaço, e espaço é tempo. O antes pode estar ocorrendo agora, e o depois muitas vezes já aconteceu.





O mundo dos Esquecidos e a Casa do Gramado pararam de se deslocar no espaço, chegaram a um ponto de equilíbrio entre o campo de atração da Grande Estrela Azul e o ponto escuro, denso, deixado pela Estrela Vermelha.

Estavam imóveis, no tempo e no espaço, mergulhados no vazio, no escuro, envoltos pelo vazio.

O que restou da Estrela Vermelha consumia tudo que havia ao redor, até mesmo a luz.

A Grande Estrela Azul estava muito distante, lá no infinito e, a pouca luz dela que chegava a essa parte do Universo tão só podia envolver a Casa do Gramado e o mundo dos Esquecidos, mas essa se esvaia alimentando o que restou da Estrela Vermelha.

No vazio residia simultaneamente um breve lapso de tempo que de tão pequeno fazia com que os relógios do mundo dos Preocupados estacionassem entre o segundo presente e aquele que o sucederia; como também o sempre, toda a eternidade, um tempo que contém a história, o agora, e o que virá a ser.

Os Preocupados sempre tiveram dificuldades em lidar com o vazio, confundiam esse com um sentimento que denominavam de angústia, mas angústia e vazio são coisas distintas.

Talvez angústia se assemelhe ao medo do vazio.

O vazio se aproxima do caminho que nos leva à nossa essência, é através dele que chegamos a nós mesmos, ao Universo que habita em nós, que é o mesmo que ocupa todos os lugares e todos os tempos.

Assim, se os Preocupados temem o vazio, e isso os leva à angústia, é por que eles temem a si próprios.

O vazio é o próprio Universo é isso que o faz infinito.

Ao temer o vazio os Preocupados se ocupam em ocupar todo o espaço e todo o tempo e, quanto mais fazem isso, mais vazio geram em si próprios.

Tentando ocupar os espaços existentes no Universo esvaziam seu próprio mundo, deixando-o desconexo e desprovido de sentido.

O vazio e tudo que constitui o Universo são uma única coisa, a essência co-existe entre o vazio e o tudo.

A Casa do Gramado ia se separar do mundo dos Esquecidos.

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