terça-feira, 20 de novembro de 2012

Esquecidos - Parte IX.





Pela primeira vez desde que chegaram a esse mundo puderam ver nitidamente a Grande Estrela Azul, brilhando no infinito, lá onde o espaço se encontra com o tempo.

De onde estavam: Franz, Valkíria, os cachorros; conseguiam distinguir no alto de uma montanha em uma pequena clareira a Casa do Gramado, rodeada por grandes árvores, mas não havia nesse momento, nenhuma trilha ligando-a ao mundo dos Esquecidos.

Sentiram saudades de estar em casa, envolvidos pelas árvores e por toda magia lá existente, de ficar na varanda, juntos, sentindo o calor um do outro, apreciando entre as árvores o brilho da estrela da qual em um tempo longínquo se desprenderam.

Agora, no ponto em que estavam: A Casa do Gramado, a Estrela Azul e eles, formavam uma linha reta, desejaram se desprender desse mundo e voltar para casa, com o desejo uma densa luz azul os envolveu e passaram a flutuar ainda mais alto, já estavam muito distante do campo de atração do planeta.

A Casa do Gramado e o mundo mágico que a compõe sequer estava tocando na superfície da montanha, flutuava brandamente.

Em transe os quatro olharam para esse estranho mundo que tão bem os acolhera, ao fitarem a Estrela Vermelha notaram um ponto escuro se formando em seu interior, onde estavam caindo toda a poeira estelar presente naquela conturbada região do Universo.

Tiveram a impressão de que algumas estrelas, antes distantes, agora estavam mais próximas.

Franz e Valkíria saindo do transe se olharam nos olhos, sentiram que ainda não era o momento de deixarem esse mundo, lentamente começaram a descer à superfície, a Grande Estrela Azul logo se esconderia no horizonte.

Enquanto desciam os dois cachorros acordaram, ainda estavam sonolentos, soltaram um leve gemido e aninhados voltaram a dormir.





Quando o entardecer estava se aproximando Valkíria, Franz e seus cachorros desceram no gramado enfrente à varanda de sua casa.

O grande cachorro de Franz e o menor de Valkíria correram alegremente ao redor do gramado e logo já tinham a companhia de muitos outros que habitavam a Casa do Gramado e ficaram brincando até que as primeiras estrelas começaram  a brilhar no horizonte.

Franz e Valkíria caminharam calmamente ao redor da casa, sentiam imenso prazer ao tocar o chão macio, inicialmente a pequena fada que tinha voado ao lado de Valkíria logo que chegaram a esse mundo veio fazer companhia a eles, mas na seqüência inúmeros seres alados que habitavam a floresta ao redor, e outros bichos que viviam naquele mundo de encantos vieram receber os tão conhecidos visitantes.

Quando a Estrela Vermelha estava se pondo no horizonte, deixando o céu avermelhado, o gramado estava repleto pelos bichos e seres alados que partilhavam o mundo de que Valkíria e Franz faziam parte.

Na varanda os dois cachorros, cansados de brincar descansavam ao lado do banco que tantas vezes Franz e Valkíria ocupavam e ficavam apreciando a sua estrela antes de irem ao mundo dos sonhos, a pequena fada ocupou o encosto do banco, do lado que Valkíria costumava ficar.

Assim que os últimos vestígios da Estrela Vermelha ocupou o horizonte Valkíria foi-se sentar no banco da varanda, logo o seu pequeno cachorro branco se envolveu nas pernas dela pedindo colo.

Franz desejou dar mais uma volta ao redor da casa, no gramado, junto às árvores e arbustos que a rodeavam, em nenhum ponto encontrou qualquer vestígio do trilha. Eles estavam com saudades de sua casa, desejavam muito estar envoltos ao seu mundo de magia.

Recordou-se do mundo dos Preocupados, quando construía habitações, ele achou curioso esse pensamento, era isso mesmo raramente os Preocupados conseguiam ter uma casa, o que eles tinham eram habitações.

A casa é um lugar que nos acolhe é uma extensão do que somos, do que sentimos, do que pensamos.

Os Preocupados tinham uma peculiaridade, gastavam tempo e recursos significativos de suas vidas para conseguirem ter uma habitação e sempre acumulavam muitas coisas nessas, o que trazia a eles mais dispêndio de energia e tempo para manterem a habitação e as coisas que acumulavam.

Ainda, muitos, por mais que trabalhassem, passavam pela vida sem conseguir recursos o suficiente para terem uma habitação, às vezes nem sequer era possível alugar um lugar para viverem, para parte desses o que restava eram as ruas e sequer nessas eram bem acolhidos.

Já os Esquecidos praticamente nada tinham de material, por outro lado todos dispunham de habitações e, diferente dos Preocupados, que aparentemente nunca tinham o necessário para viver, dispunham de tudo que era preciso para a sua existência.

Semelhantes aos Preocupados, as construções dos Esquecidos aparentemente também não eram casas, mais se assemelhavam a habitações, eram locais que usavam para se alimentarem e descansarem, pois até pouco tempo sequer eles necessitavam de um lugar para dormirem.

A Casa do Gramado não é limitada às paredes e cobertura que a constituí, dela também fazem parte: a varanda, na qual aqueles que lá moram descansam e se entretêm; o gramado que a rodeia também faz parte dela;  a trilha; as árvores e os arbustos.

Igualmente Franz, Valkíria, seus irmãos, os cachorros, os outros bichos e também os seres alados também fazem parte dela.

Mesmo quando estava no mundo dos Preocupados, aqueles que eventualmente encontravam a trilha e mesmo que só ouvissem as vozes das crianças ou dos bichos brincando, e os raros que a conseguiam ver, a ela, ou as crianças, mesmo que por um breve espaço de tempo, também, nesse, vinham a fazer parte dela.

Na Casa do Gramado, como no mundo dos Esquecidos praticamente não há utensílios, mas sempre há o necessário e, também igualmente, a floresta fornece àqueles que lá habitam ou por lá passam todo alimento e água que precisam.

Quando Franz terminou de circundar o gramado, os últimos vestígios de luz da Estrela Vermelha no horizonte havia desaparecido e, o céu estava repleto de estrelas, ainda que a noite estivesse escura.

Com passos lentos caminhou em direção à varanda, para partilhar a companhia de Valkíria e dos demais, como ela e os cachorros estava com muitas saudades de sua casa.

À medida que caminhava pelo gramado as árvores e arbustos se fechavam atrás dele, se aproximando da varanda, as sombras dessas deixava a varanda na total escuridão, não era possível visualizar qualquer vestígio das estrelas no céu.

Sentado ao lado de Valkíria no banco da varanda, Franz também se sentia cansado, se aninharam e entrelaçaram os dedos, olhando para o alto.

Gentilmente as árvores afastaram um pouco os seus galhos na direção em que eles olhavam, deixando uma pequena abertura, por traz dessa, brilhava intensamente a Grande Estrela Azul, emitindo uma tênue luz azul, envolvendo a todos que estavam por caminhar no mundo dos sonhos.





Quando Franz e Valkíria acordaram o dia já estava claro, a luz da estrela vermelha era intensa.

No gramado os irmãos menores de Valkíria brincavam com os cachorros, assim como os outros bichos e seres alados que aos poucos acordavam.

Junto à varanda foram deixadas algumas frutas das árvores que circundavam a Casa do Gramado, para alimentar aqueles que as desejassem.

Depois de apreciarem as frutas Franz e Valkíria entraram na casa, tinham vontade de experimentar todos os espaços mágicos daquele mundo de encantos.

Franz se recordou de quando era criança e ainda vivia entre os Preocupados de ver a varanda se desenhar na parede do cômodo onde dormia e sentia-se flutuando adentrando a trilha que se desenhava para chegar ao seu mundo de encantos.

Talvez a parede do cômodo onde dormia tivesse alguma ligação com o mosaico constituído de pequenas pedras brancas existente nas Construções Circulares do mundo dos Esquecidos.

Enquanto Franz apreciava o interior da casa, Valkíria desejou caminhar nos arredores dela, queria apreciar toda a vida que aflorava ao redor, viu uma pequena abertura no limite do gramado com a floresta, achou que poderia ser a trilha, mas à medida que caminhava em sua direção a entrada da trilha se afastava e mudava de lugar.

Lembrou-se de quando ainda criança caminhava na companhia de Franz pela trilha, mas quando fazia isso, por mais que andassem, sempre viam entre os arbustos a varanda da casa, e nunca se afastavam o suficiente para que não mais ouvissem os menores brincando, seja no gramado ou na varanda.

Sentia que ela e Franz, assim como os menores, e toda a vida ao redor faziam parte daquele mundo de encantos.

Ao se voltar para casa, se deparou com Franz na varanda a apreciando, enquanto caminhava, andou lentamente em direção a ele e entrelaçaram os dedos. Olharam fixamente nos olhos, estavam lendo os pensamentos, tocando a alma, bem de leve, com a pontinha dos dedos.

Flutuaram levemente até a entrada da trilha, os dois cachorros os acompanharam até ali, mas pararam e emitiram um leve uivo, eles pararam e olharam, e voltaram na direção deles. Os cachorros queriam ficar, desejavam brincar com os menores e os outros que faziam parte de seu mundo.

Depois de receberem carícias os dois cachorros foram para a varanda e ficaram observando Franz e Valkíria desaparecem na trilha, que se fechou por traz deles, assim que a adentraram.

Ao chegarem à bifurcação ainda ouviam os menores e os cachorros brincando.

A trilha nesse momento era um caminho reto, além da bifurcação a vegetação rareava, cedendo seu lugar a um caminho de pedras brancas, brilhantes.

No fim do caminho de pedras Valkíria e Franz chegaram no interior da Construção Circular, estavam em transe com os olhares fixos no mosaico branco, em seu centro viam claramente a Casa do Gramado, os menores e seus cachorros brincando alegremente.

Lentamente a Casa do Gramado e toda a magia que a rodeia se tornou uma leve mancha no mosaico branco, desaparecendo quase que totalmente à medida que Valkíria e Franz saiam de seu transe.

Do lado de fora da Construção Circular a Estrela Vermelha desse estranho mundo brilhava intensamente, agora os Esquecidos só caminhavam pelas ruas de pedras nas primeiras horas do dia e pouco antes do anoitecer.





Os Encantos estão em todos os lugares, quando se tem olhos para eles.

Valkíria e Franz ficaram por um longo tempo refletindo em frente ao mosaico branco, sentiram que a Casa do Gramado sempre esteve ao alcance deles, bastava seguir os desejos.

Foram caminhar do lado de fora da Construção Circular, as ruas que circundavam estavam desertas. A Estrela Vermelha brilhava intensamente.

Sentaram-se à sombra próximo à entrada, a mancha escura no interior da estrela chamava a atenção, não demorou e alguns dos Esquecidos vieram partilhar a companhia. Trouxeram com eles, frutas e água.

Ficaram descansando até próximo ao anoitecer, ao redor deles os Esquecidos juntavam pequenas pedras coloridas, e com elas faziam pequenas figuras no chão, enquanto a noite não chegava.

Quando já estava anoitecendo Franz e Valkíria desejaram olhar os mosaicos do lado externo da construção, a maioria mostrava o céu estrelado. Franz achou que se tratavam de mapas, aparentemente mostravam a localização do mundo dos Esquecidos no Universo.

Revelavam a noite e o movimento das estrelas nessa.

No lado oposto da entrada, via-se o dia amanhecendo, e com a luminosidade gradualmente as estrelas se apagavam no céu, cedendo seu lugar a uma grande estrela brilhante de luz amarela.

Valkíria sentiu que os mosaicos revelavam o céu em um tempo longínquo, antes de parte dos Esquecidos terem se lançado às estrelas.

À medida que caminhavam os mosaicos que se seguiam mostrava a estrela de luz amarela mudando gradualmente de cor inicialmente para um tom alaranjado até chegar ao vermelho intenso.

As próximas mostravam a estrela aumentando as suas dimensões, até que uma mancha escura também passou a aumentar de tamanho em seu interior.

Os mosaicos que se seguiam tinham um céu escuro, praticamente sem estrelas, mostravam uma parte do Universo vazia, fria, sentiram que o mosaico que seguia a esse era o de pedras brancas.

Valkíria se sentiu confusa, não enxergava o significado dos mosaicos, mas Franz percebeu que os mosaicos mostravam as transformações pelas quais a estrela do mundo dos Esquecidos passava.

Olhando para estrela que agora se punha no horizonte ele soube que em breve o mundo dos Esquecidos poderia deixar de existir.





Mesmo quando a Estrela Vermelha já não mais podia ser vista no horizonte, a sua luz ainda podia ser vista brilhando intensamente até quase a metade do céu do Mundo dos Esquecidos, do lado oposto um outro ponto brilhava intensamente era a Grande Estrela Azul.

O céu antes povoado de infinitos corpos estelares nas redondezas, além das inúmeras estrelas mais distantes, agora parecia vazio, só o reflexo das duas grandes estrelas podiam ser vistas nesse momento.

À medida que a luz remanescente da Estrela Vermelha gradualmente diminuía a sua intensidade, as demais estrelas daquela parte do Universo começavam a brilhar e a iluminar a noite.

Pela primeira vez Franz e Valkíria se deram conta de que o Mundo dos Esquecidos não tinha uma lua. Recordaram-se de quando habitavam o Mundo dos Preocupados, quando a Lua partilhava o seu brilho com a Estrela Azul.

A noite já havia atingido seu ápice e ao fundo, no horizonte uma pequena mancha avermelhada ainda brilhava, no centro do céu uma luz azulada, intensa, vinha do infinito e envolvia toda a face, agora escura do planeta.

Valkíria olhava intensamente nos olhos de Franz, podiam ler os pensamentos, tocavam a alma, bem de leve, com a pontinha dos dedos.

Estavam em transe começaram a flutuar e a se elevar da superfície do planeta.

Os Esquecidos com suas pequenas pedras coloridas construíam mais mosaicos, descrevendo os dois flutuando se dirigindo para além da atmosfera de seu mundo.

Muito alto, sem a interferência da atmosfera e da poeira que envolvia o planeta inicialmente ficaram com os olhos ofuscados pelo intenso brilho da Estrela Vermelha, podiam ver a sua pulsação, nuvens de energia viajavam pelo vácuo e os atingiam.

Não fosse a luz azul de sua estrela os envolvendo se mesclariam a essas nuvens se seriam lançados para as profundezas do Universo, mas estavam protegidos, envolvidos, pela Estrela Azul.

A mancha escura no centro da estrela estava imensa só o Mundo dos Esquecidos ainda a orbitava. Toda a região em volta estava vazia.

Lentamente Franz e Valkíria voltaram as suas faces em direção à Grande Estrela Azul, estavam se alimentando.

Nas montanhas tudo que envolve a Casa do Gramado estava em sono profundo, de onde estavam a mancha vermelha que agora nunca desaparecia no Mundo dos Esquecidos parecia ser maior.

Como Franz e Valkíria a Casa do Gramado também começou a flutuar em direção ao local onde eles agora estavam, ela estava se projetando para o vazio, deixando esse mundo que por um longo tempo a abrigou.

A Casa do Gramado flutuou para muito além de onde Franz e Valkíria estavam, ficou a meio caminho entre o Mundo dos Esquecidos e a Estrela Vermelha. 





Assim que o dia clareou lentamente Valkíria e Franz foram descendo à superfície do Mundo dos Esquecidos, em frente à Construção Circular que já estavam habituados a freqüentar.

A Casa do Gramado tinha permanecido a meio caminho, entre a estrela e o planeta.

Quando olharam para o céu viram uma luz lilás envolvendo toda a superfície do planeta, era a mescla da luz vermelha da estrela que alimentava o Mundo dos Esquecidos e da luz azul, proveniente da Grande Estrela que envolvia a Casa do Gramado, agora orbitando o planeta.

O Mundo dos Esquecidos não mais conseguiria sobreviver à radiação que agora emanava de sua estrela. A Grande Estrela Azul estava protegendo a vida que lá fervilhava.

Franz e Valkíria se detiveram em frente à entrada da Construção Circular, estavam fascinados pela luz que envolvia aquele mundo, sentiram que não mais poderiam permanecer ali por muito tempo, mas ao mesmo tempo sentiam um dilema, não podiam deixar aqueles que os acolheram.

Sabiam que se alojassem em sua casa, na Casa do Gramado, lá estariam protegidos e poderiam retornar à sua estrela, mas sentiam que no momento em que fizessem isso a vida no mundo dos Esquecidos poderia desaparecer.

Estavam vivendo um dilema, percebiam que não mais podiam ficar nesse mundo, mas ao mesmo tempo não desejavam ir embora dele.

Os Esquecidos tinham grande facilidade em absorver as alterações que afetavam o seu mundo, a mudança nas cores do céu para eles tinha sido mais uma dádiva, um presente da vida a eles.

Em seus olhares Valkíria sentiu que eles sabiam o que estava para ocorrer ao seu mundo, a proteção que a Estrela Azul e a Casa do Gramado estava proporcionando a eles representava mais um presente que a vida lhes proporcionava, alguns dias a mais para desfrutar o maior presente que as estrelas podem proporcionar: a vida.

Alguns dos Esquecidos começaram a entrar na Construção Circular, traziam com eles frutas e a preciosa água, Franz e Valkíria se sentiam convidados por eles para partilhar.

Quando estavam à mesa Valkíria lembrou-se dos irmãos menores, os cachorros e toda a vida que fervilhava na Casa do Gramado, no centro do céu à frente da Estrela Vermelha pode ver um ponto de luz azul intensa, sabia que era a sua casa, flutuando muito alto no céu, sentiu que todos lá dormiam profundamente.

Sentiu vontade de ter seu pequeno cachorro nos braços. Lá no alto, na Casa do Gramado, o pequeno cachorro de Valkíria despertou brevemente se aninhou ao lado do maior de Franz que também despertou com o movimento e voltaram a dormir profundamente, todos estavam abrigados nas sombras das grandes árvores, se protegendo da luz vinda da Estrela Vermelha.

Franz e Valkíria foram se alimentar junto com os Esquecidos, enquanto se nutriam Valkíria olhou ao chão, embaixo da mesa antes coberta pela poeira percebeu que havia algumas manchas coloridas, sentiu que no chão também havia um mosaico.

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