domingo, 3 de julho de 2011

Essência: Um caminho para as estrelas - Parte II



Nas trilhas, à medida que aperfeiçoavam os métodos para se integrar à natureza, proporcionalmente as atividades manuais se tornavam menos necessárias, as florestas forneciam tudo que era necessário em abundância.

A natureza estava ali o tempo todo, apontando os caminhos pelos quais era necessário despender a menor quantidade de energia, diminuindo significativamente os trabalhos a serem realizados, os dias se tornavam cada vez mais longos e, cada vez mais as pessoas tinham tempo livre.

Assim, esse tempo livre era utilizado para que se comunicassem propagando aquilo que aprendiam com o mundo do qual faziam parte, informações eram relegadas a um segundo plano, dado a impossibilidade de armazená-las e a facilidade com que essas se distorciam e se tornavam polêmicas, atrapalhando o que era realmente necessário ser aprendido.

A simplificação ocupava o lugar as informações e cada item de conhecimento era aprofundado e discutido sobre vários pontos de vista e sempre era necessário confirmar se cada atitude não estaria de alguma forma danificando o ambiente e, consequentemente as pessoas, essa era uma falha que não podia ser cometida.

O mundo é coletivo e nesse estava incluído todo o ambiente que subrepuja as necessidades de um ou até de todas as pessoas.

Começavam a perceber o quanto a fala muitas vezes era dúbia e carregada de diferentes significados, assim, um fenômeno estava se iniciando, ela estava sendo reduzida e utilizada somente quando necessário, muitas vezes a presença, um simples olhar já bastavam.



Mudanças significativas no psiquismo estavam ocorrendo tanto nas trilhas como no mundo das preocupações, nesse último as palavras estavam sendo fragmentadas, quebradas em pedaços cada vez menores, transformando-se em siglas que mais se assemelhavam a grunhidos do que palavras propriamente ditas.

Igualmente a cada momento a comunicação pessoa a pessoa estava se escasseando, cedendo o seu lugar à comunicação por meio eletrônicos, assim as pessoas estavam perdendo os complementos das falas, expressos nas feições e gestos, com isso a subjetividade existente nas pessoas a cada dia se transformava, com a finalidade de reduzir os maus entendidos, sem se darem conta as pessoas começaram a transformar a comunicação, que antes era permeada por gestos e feições em linguagens técnicas e objetivas.

Isso estava alterando a forma de ser nas pessoas.

Já nas trilhas dado a impossibilidade de registrar e guardar dados para as próximas gerações, gradualmente as pessoas foram restringindo a diversidade antes existente de palavras, valorizava-se especialmente as feições e sentimentos que no geral sobrepujava o uso das palavras.

A objetividade cedia seu espaço à subjetividade, a comunicação visual e gestual ocupava o lugar que no passado era das palavras.

As feições denotavam os sentimentos e esses predominavam na formação do jeito de ser das pessoas, que viviam em número reduzido ocupando pequenos vilarejos, que se mesclavam às florestas. Aos poucos as palavras eram cada vez menos utilizadas.

Uma nova comunicação estava se configurando os pensamentos podiam ser “lidos” nos gestos e feições, na mesmo proporção em que conseguiam “ler” o que o mundo ao seu redor estava dizendo, mas essa leitura dificilmente poderia ser expressa em palavras.

Como ocorria no mundo das preocupações a antiga forma de ser das pessoas agora não passava de resquícios.



No mundo das preocupações a cada dia as pessoas se especializavam mais em desenvolver novas tecnologias para solucionar seus problemas, criava-se máquinas para tudo, há muito já existiam máquinas produzindo outras máquinas.

Uma vez acharam um estranho equipamento em um museu, com um teclado e um pequeno visor, há muito essa estranha máquina não funcionava mais pois não dispunham mais de baterias, que dado o seu teor corrosivo tinham sido abandonadas há muito.

Depois de muitos projetos conseguiram uma fonte alternativa para fazer aquele equipamento tão antigo funcionar, ficaram abismadas ao perceber que aquela antiga máquina realizava cálculos que há muito tinham esquecido como se fazia, no tempo em que viviam as máquinas faziam isso para as pessoas.

Esse curioso equipamento era uma calculadora que realizava duas operações matemáticas que achavam complicadíssimas (adição e subtração), há muito que as pessoas tinham abandonado o hábito de aprenderem essas coisas, as máquinas podiam resolver tudo, e quando surgia algo ainda desconhecido, criavam novas máquinas que pudesse resolver suas questões.

No mundo das preocupações todas as soluções estavam no Universo que habitava fora das pessoas. Inclusive quando por algum motivo sentiam-se adoecidos, a solução sempre estava nos remédios e, quando surgia uma nova doença, a solução estava em descobrirem novos remédios para curá-las.

De tudo que ocorria no mundo das preocupações, o que os deixavam mais empertigados era o caminho de estrelas que estava desenhado no céu, estavam tendo dificuldades em desenvolver uma tecnologia capaz de seguir esse caminho, já tinham feito várias tentativas, mas todas foram frustradas, sentiam a necessidade de seguir esse caminho.

Tinham uma barreira a vencer, não havia uma fonte de energia capaz de levar uma espaçonave para um local tão distante, começavam a achar que a única possibilidade era utilizar a mesma energia que faz com que as estrelas permaneçam vivas, mas não sabiam como fazer isso.



As antigas formas de se obter energia tinham sido abandonadas dado a degradação que elas provocavam ao mundo e, ainda que sempre estivessem buscando soluções fora de si mesmos e agora também fora do próprio mundo que habitavam, pelo menos até o momento esse era o único mundo de que as pessoas que ocupavam o mundo das preocupações tinham para viver.

Assim sempre antes de criarem qualquer coisa nova levavam em conta a energia necessária e o destino que seria dado a esse objeto quando findasse a sua utilidade.

Essa pratica, aliada ao fim das parasitas e do dinheiro, que teve início no estranho fenômeno que foi desencadeado em Trilha dos Desejos, praticamente impediu que o mundo chegasse à extinção da vida e de seus recursos.

Após adaptarem-se ao novo estilo de vida o des-envolvimento tecnológico assumia patamares até então não imaginados.

O bem comum tinha ocupado até então o espaço que antes era utilizado unicamente para favorecer as parasitas, a miséria pessoal e social tinha sido erradicada, mas se por um lado a tecnologia aproximava pessoas que no mundo antigo não teriam sequer a possibilidade de elas terem se conhecido, o ritmo alucinado de vida que se implantara as estavam afastando novamente.

No espaço estavam construindo coletores de matéria e energia provenientes das estrelas, tinham a certeza de que quando conseguissem reproduzir o que elas faziam a barreira que separa o espaço do tempo poderia ser rompida e, assim achariam um caminho para chegarem às estrelas.



Ainda que dedicassem considerável esforço em decifrar a forma que as estrelas fabricavam a sua energia, ainda sequer conseguiam se aproximar do que elas faziam. Um lampejo de idéia se aproximou de um dos grupos que estudava o fenômeno que alimentava as estrelas.

Acharam que talvez houvesse alguma semelhança com a energia que mantinha a vida e, se isso fosse uma assertiva talvez estivessem procurando em lugares distantes uma resposta que poderia estar dentro de si próprios.

Mas no mundo das preocupações as pessoas estavam por demais acostumadas a buscar soluções sempre fora de si mesmos, assim esse breve lampejo de idéia rapidamente foi afastado, assim continuaram buscando nas estrelas uma forma para seguir o estranho caminho que se formara, ligando as duas galáxias.

Se por um lado não estavam conseguindo as respostas que buscavam, por outro a cada dia conseguiam compreender melhor o mundo no qual viviam, ele estava totalmente mapeado e, com observações em tempo real conseguiam antever possíveis catástrofes, com isso tinham reduzido significativamente as perdas de vidas e materiais.

As áreas de risco tinham sido minuciosamente estudadas e, agora além de conseguirem prever danos climáticos, geológicos... Estavam buscando formas de não mais se instalarem nos locais que representavam riscos à própria existência.

Aqueles que habitavam o mundo das preocupações há muito tinham esquecido que de alguma forma também eram parte do mundo, tomando esse como uma simples ferramenta que estava lá disponível para atender as suas necessidades.



Máquinas cada vez maiores e mais poderosas eram construídas, o consumo de ferro e energia crescia a cada dia, cada vez que alguma forma de energia se escasseava, novas eram descobertas e, com isso a natureza cedia seu lugar a mais máquinas e mais concreto.

Usinas de transformação de energia se espalhavam pelo mundo das preocupações, tinham a impressão de que isso tinha por finalidade gerar segurança e conforto.

Entretanto essa prática gerava cada mais esforços no sentido de transformar o mundo que os circundava e, muitas vezes a energia que conseguiam não era suficiente sequer suprir as próprias máquinas que criavam.

Gastavam mais esforços e energia para produzir as máquinas que tinham por finalidade gerar conforto e segurança e, assim o conforto que conseguiam era inferior ao esforço necessário para gerar esse conforto, a cada dia as pessoas ficavam mais estressadas em virtude dessa necessidade de buscar esse conforto, que naturalmente conseguiriam se simplesmente não estivessem tão ocupados produzindo as máquinas.

A cada dia montanhas que tinham em sua essência o ferro tão precioso eram dizimadas, deixavam de existir, ficavam em seu lugar apenas escombros, pedras espalhadas, no lugar de antigas montanhas só restavam uma porção de terreno plano.

Quando as montanhas desapareciam em um breve espaço de tempo o seu espaço era ocupado por construções geométricas monumentais, que abrigavam mais máquinas e mais pessoas.

Nesse meio tempo explosões solares afetavam constantemente os meios de comunicação, os circuitos eletrônicos se queimavam com essas explosões, esse fenômeno se ampliava na proporção em que as montanhas de ferro desapareciam.

Mecanismos espalhados no espaço conseguiam prever essas explosões provenientes do sol e às vezes de estrelas distantes, não demorou para perceberem uma estreita relação entre os efeitos dessas explosões e as montanhas de ferro que eram dizimadas.

O campo magnético formado pela essência de ferro do planeta funcionava como um campo de força, que repelia a radiação proveniente das explosões solares, com a retirada do ferro esse campo magnético estava sendo alterado, a continuidade dessa prática poderia por em risco a existência do planeta.

Um paradoxo estava se formando a tecnologia além não proporcionar o conforto e segurança esperadas agora estariam comprometendo a existência do planeta em uma proporção jamais conhecida.



O ferro, esse metal preciso existente em grandes quantidades no coração das montanhas e na alma do planeta, é o mesmo que existe em pequenas quantidades no sangue das pessoas, é que confere a cor vermelha a ele.

Em pequenas quantidades, ele se liga ao oxigênio que absorvemos na respiração e, a partir daí é transportado para todas as células de nosso organismo, o sangue purificado nos pulmões e rico em oxigênio transporta elementos e energia essenciais à manutenção da vida.

Os povos mais antigos utilizavam esse metal precioso para confeccionar utensílios para a preparação de alimentos, quando manuseados para fazer alimentos moléculas de ferro se desprendiam e se misturavam aos alimentos, que após ingeridos se misturam à corrente sanguínea.

Pelo seu peso e aparente pouca praticidade esses utensílios cederam seu lugar a outros de materiais mais leves e mais fáceis de manusear, mas que não têm a mesma propriedade do precioso ferro.

Aos poucos o ferro deixou de fazer parte dos utensílios domésticos e começou a ser utilizado em larga escala nas construções e na confecção de máquinas cada vez maiores e mais poderosas, assim empobrecia a Terra, deixando-a vulnerável às tempestades solares (*).

À medida que a Terra empobrecia, o baixo teor de ferro no sangue também empobrecia as pessoas, deixando-as vulneráveis, na mesma proporção em que a Terra se tornava vulnerável.

Não demorou para que a indústria farmacêutica achasse soluções para minimizar o problema da diminuição do ferro no corrente sanguínea, aquilo que antes era obtido naturalmente das moléculas de ferro que se desprendiam dos utensílios de ferro utilizados na confecção de alimentos agora podia ser obtido em cápsulas nas farmácias.

No mundo das preocupações isso era uma constante, sempre havia uma solução externa para os problemas internos, fossem eles de ordem biológica ou não. Nesse mundo conturbado a cada dia as questões psíquicas passavam a ocupar um segundo plano, a questão humana estava se tornando uma complexidade de ligações bio-químicas.

À medida que o planeta empobrecia perdendo o que tinha de precioso em sua essência, no coração e em sua alma, as pessoas também empobreciam uma vez que os laboratórios eram ineficazes no sentido de reproduzir aquilo que a natureza tinha levado milhões de anos para produzir.

A Terra ficava vulnerável na mesma proporção em que as pessoas se tornavam vulneráveis.

Havia um esforço sem precedentes no sentido de se obter mais segurança e mais conforto, mas as medidas que eram utilizadas acabavam muitas vezes fragilizando a segurança que a natureza sozinha já tinha produzido e, tampouco conseguiam obter esse conforto uma vez que o esforço para isso era maior que o conforto propriamente obtido.

As pessoas estavam ficando com medo no mundo das preocupações, temiam ter ido longe demais e comprometido o único lugar que tinham para viver e, como isso era sua característica mais marcante, mais uma vez reafirmaram sua tendência a achar uma solução fora de si mesmos, estavam certos de que necessitavam de um outro mundo para propagar a própria existência, o caminho desenhado no céu pelas estrelas unindo as galáxias começava a fascinar as pessoas ainda mais.

(*) Não tenho nenhuma base para afirmar que a retirada do ferro possa de alguma forma alterar o campo magnético do planeta, apenas acho que essa é uma questão que merece ser pensada.



Uma sensação de mau estar estava tomando conta das pessoas no mundo das preocupações, a busca constante por conforto e segurança estava tomando dimensões sem precedentes.

Em relação ao conforto trabalhava-se tanto para obtê-lo que não restava tempo para desfrutar dele, já em relação à segurança pairava a impressão de que o planeta tinha deixado de ser um lugar seguro, assim só restava a sensação de que era urgente se lançarem às estrelas.

Mas não havia tecnologia suficiente para isso, se continuassem contaminando o planeta e retirando a sua essência para suprir suas necessidades estariam comprometendo ainda mais a própria existência e, para se lançarem ao espaço, com a tecnologia existente não dispunham nem tecnologia nem segurança suficiente para isso.

Ainda que há muito estivessem levando em consideração os danos que provocavam ao ambiente, depois que deixaram de sustentar as parasitas, suas atitudes sempre deixavam de levar em consideração algum aspecto do qual não tinham conhecimento e, quando se davam conta, os danos provocados se tornavam difíceis de serem reparados.

Assim, diante dessa problemática o pouco conforto que conseguiam ficavam em um segundo plano, na tentativa de reparar o dano que causavam.

Tinham total dificuldade em perceber que as conseqüências de seus atos estavam relacionadas com a perspectiva de não se sentirem como partes do ambiente, tudo que os rodeava não deixava de serem meras ferramentas à sua disposição para atender às suas necessidades.

Era essa a perspectiva da qual tinham perdido a noção, assim, começaram a abrir totalmente a mão do conforto e da necessidade de segurança, para se lançarem às estrelas, as soluções estavam sempre fora, precisavam com urgência acharem outros mundos que pudessem suprir suas necessidades.

O caminho marcado pelas estrelas estava fascinando as pessoas do mundo das preocupações como nunca antes tivera acontecido.



Um colapso nunca antes previsto estava para ocorrer, quando os sensores espalhados ao redor do planeta detectaram uma grande explosão solar só houve tempo suficiente para que as pessoas conseguissem abrigo, praticamente todos os circuitos eletrônicos se queimaram, isso provocou um isolamento significativo entre as pessoas, uma vez que por um tempo perderam seus equipamentos de comunicação e, para se manterem tiveram que se voltar temporariamente às antigas tecnologias.

“Mas como toda crise abre portas para novas soluções” (Albert Einstein), se por um lado a tempestade solar tinha provocado danos significativos, por outro favoreceu como nunca tinha ocorrido antes a compreensão dos fenômenos que mantém as estrelas vivas.

Um dos muitos laboratórios que estudavam os fenômenos solares tinha conseguido capturar e isolar pequena parte da energia proveniente da estrela e, essa pequena porção estava se mantendo viva, pulsante.

Tinham achado uma forma que poderia aproximar muito as trilhas a serem percorridas para reproduzir aquilo que as estrelas faziam, agora podiam estudar mais de perto em um ambiente controlado a forma como as estrelas se mantinham vivas.

Denominaram a pequena partícula conseguida de plasma, era pouco mais que um átomo, mas irradiava luz e energia em quantidades até então desconhecidas.

Se conseguissem reproduzir aquele fenômeno a questão energética estaria solucionada, a pequena partícula detinha mais energia do que a humanidade já tinha produzido em toda a sua história. Era extremamente instável, mas contida em um grande recipiente e cercada pelo vácuo estava se mantendo, sabiam que se o vácuo em seu redor se desfizesse a explosão seria superior a todas as bombas atômicas produzidas no tempo que as parasitas ainda controlavam o mundo, com a extinção delas o material dessas bombas foi utilizado para a produção de energia e no tratamento de algumas doenças.



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