sexta-feira, 1 de julho de 2011

Essência: Um caminho para as estrelas - Parte I



Valkíria, seus irmãos, Franz e os bichos que eles cuidavam adormeceram na varanda, mas durante a madrugada uma brisa fria acordou Valkíria, que gentilmente acordou os demais para que se acomodassem no interior da casa.

O céu estava limpo, a lua já começava a descer no horizonte, avisando que logo um novo dia ia iniciar, havia muitas estrelas no céu, que brilhavam entre as inúmeras árvores existentes além do gramado.

O irmão mais novo de Valkíria dormia profundamente e se acolheu nos braços de Franz ao entrar na casa. A irmã e os bichos vieram junto com ela, todos estavam muito sonolentos.

A trilha tinha sido totalmente fechada pelas árvores e os inúmeros arbustos que formavam uma densa floresta. Aos poucos a vegetação cercou a casa, ocupando todo o gramado, a casa tinha sido totalmente rodeada pela floresta, e a vegetação fechou a entrada da casa, as janelas e avançava rapidamente cobrindo todo o telhado.

Faltavam ainda algumas horas para que o sol surgisse no horizonte quando um grande clarão se projetou do local onde ficava a Casa do Gramado, para além da lua, talvez além das estrelas, deixou um rastro no céu que parecia um caminho ligando galáxias.



Com o clarão aqueles que habitavam o emaranhado de trilhas que começava a se formar a partir da casa onde Valkíria se sentava à frente da grande janela e passava horas apreciando seus livros, acordaram, alguns tiveram a impressão de que o sol estava nascendo mais cedo, mas logo perceberam que ainda era noite, de qualquer forma ficaram o resto da madrugada apreciando o espetáculo que se desenrolava no céu, não havia registros de que algo semelhante já tivesse ocorrido.

No mundo das preocupações depois que os radares dispararam, por alguns momentos os meios de comunicação pararam de funcionar.

Ainda durante a noite todos os governantes, exércitos, marinhas e aeronáuticas foram ativados, ficaram sensivelmente preocupados com a própria segurança, sentiam-se desorientados, mas logo os equipamentos eletrônicos voltaram a funcionar, enquanto o caminho de estrelas entre as galáxias ainda brilhava intensamente.

Para aqueles que viviam entre as trilhas, tinha sido uma dádiva, um presente dos Deuses, para ser apreciado.

No mundo das preocupações pela manhã os jornais noticiavam que provavelmente alguma estrela tinha se transformado em uma Super Nova, ainda que até o momento ninguém soubesse explicar o fenômeno que estava ocorrendo.

O caminho de estrelas unindo as galáxias tinha sido tão fortemente marcado, que mesmo durante o dia podia ser visto, lembrava um arco-íris durante o dia, só que com um tom prateado, à noite era um espetáculo, apreciado até mesmo no mundo das preocupações.

Neste, alguns dias depois já não se falava mais a respeito, sempre surgiam novas preocupações para ocupar o mente das pessoas, mas ainda que não se falassem mais a respeito, às escondidas pensava-se em projetos, em segredo já haviam aqueles que pensavam em construir espaçonaves para seguir o caminho demarcado pelas estrelas, sentiam-se instigados a explicar o estranho fenômeno.

Mas ainda transcorreria muito tempo até que houvesse tecnologia suficiente para que pudessem seguir o caminho das estrelas.

Já no emaranhado de trilhas que estavam se formando a partir da casa de Valkíria, as preocupações tinham se tornado um elemento secundário, a natureza era abundante e fornecia àqueles que por elas adentrassem tudo que era necessário para que vivessem uma boa vida.

Muitos daqueles que passaram a visitar a casa e a apreciar o jardim pela grande janela, começaram a notar a trilha que ali se formava, alguns desses às vezes resolviam caminhar por ela, encantados com o que viam deixavam o mundo das preocupações para traz e assim e emaranhado de trilhas a cada dia se ampliava.

Para outros o jardim tinha se tornado um local para amenizar as preocupações, muitos afirmavam que quando lá estavam a sensação de bem estar era indescritível, e tinham a impressão de que o tempo transcorria mais lentamente.

À noite, aqueles que tinham resolvido viver nas trilhas, longe das preocupações, o caminho formado pelas estrelas tinha se tornado um espetáculo a ser reverenciado, um presente dos deuses, um sonho a ser apreciado, ficavam encantados pelo brilho das luzes, diziam que às vezes não sentiam necessidade de dormir, porém os sonhos ocorriam, achavam que um dia nesses sonhos conseguiriam caminhar por esse caminho de estrelas.

Na casa que tinha sido de Valkíria, algumas trincas estavam surgindo nas paredes, mas dessa vez nem pessoas com o conhecimento semelhante ao de Franz poderiam resolver. Uma ruptura no espaço-tempo estava por ocorrer e a casa se encontrava exatamente no ponto limítrofe dessa ruptura, que se prolongava até onde se encontrava a Casa do Gramado, só que a trilha que unia as duas casas tinha sido totalmente tomada pelas árvores e arbustos. A Casa do Gramado estava totalmente coberta pela vegetação.



A cada dia o movimento na casa que tinha sido de Valkíria aumentava, suas portas ficavam abertas todos os dias, mesmo nos fins de semana e também nos feriados e, mesmo nas madrugadas sempre havia aqueles que por lá ficavam, sempre havia algum tema a ser estudado, também havia aqueles que iam lá para ler ou em busca de algum tipo de ajuda.

Um tema sobre o qual frequentemente se discutia era sobre a relatividade do tempo.

Algumas pessoas ficavam por lá a noite toda, nem por isso sentiam sono ou se cansavam, quando amanhecia voltavam às suas rotinas habituais, curiosamente no outro dia voltavam à casa, não sentiam mais vontade de sair de lá.

Pairava a percepção de que quando por lá passavam o tempo transcorria lentamente, ao amanhecer, alguns, antes de voltarem às suas rotinas iam passear pelo jardim da casa e caminhavam pelas trilha que se formava em seu interior, esses às vezes ficavam dias sem retornarem às suas atividades habituais, mas quando ressurgiam diziam ter certeza de que não se ausentaram por mais que algumas horas.

Já no mundo das preocupações o tempo transcorria a uma velocidade jamais vista, o advento que teve início em “Trilha dos Desejos” tinha afetado a vida de todos, e o mundo agora sem a interferência das parasitas se des-envolvia  com uma intensidade jamais conhecida. Diferente do que ocorria nas trilhas, onde o envolvimento a cada dia se ampliava.

Com as novas tecnologias que criavam a maioria dos problemas do mundo antigo haviam sido solucionados, não mais havia pessoas abandonadas pelas ruas, tinha moradia e trabalho para todos, mas sempre que achavam alguma solução nova aos seus problemas, antes mesmo de concluírem seus projetos eles já se tornavam obsoletos e traziam novos problemas.

Assim mais e mais novas tecnologias eram criadas, gerando um ciclo vicioso, de novos problemas e novas soluções.

Não demorou muito e surgiram teorias sobre como seguir o estranho caminho de estrelas que tinha se formado, que mesmo com a luz do dia podiam ser visualizadas.

Esse tinha se tornado um tema que era discutido até nas escolas primárias, as pessoas estavam fascinadas. Através de telescópios que ficavam na órbita do planeta foi descoberto que esse caminho começava em um ponto que não conseguiam determinar, na própria Terra e se ligava ao centro da Via Láctea prolongando-se até o centro da galáxia Andrômeda.

Os astrônomos se sentiam empertigados, não conseguiam entender a impossibilidade de determinar esse ponto, que se localizava no próprio planeta, parecia que esse problema desafiava as leis da física.



Já aqueles que estavam vivendo nas trilhas praticamente não tinham problemas, pelo menos aqueles com os quais as pessoas viviam no mundo das preocupações.

O tempo passava lentamente, a natureza, longe da interferência das máquinas produzia praticamente tudo que era necessário, além de construírem os próprios abrigos pouco havia a se fazer.

Assim as pessoas começaram a se ocupar em interferir o mínimo possível com o mundo que as rodeavam, estavam aprendendo o significado do envolvimento, o nível de integração estava atingindo um estágio em que as pessoas se mesclavam com o mundo do qual faziam parte.



No mundo das preocupações o tempo passava rapidamente, quanto mais se des-envolviam, mais problemas surgiam, e esses necessitavam de respostas rápidas, não era possível parar, as cidades funcionavam o tempo todo, inclusive à noite.

Tudo o que as pessoas necessitavam tinha que ser produzido, o mundo estava sendo tomado pelo concreto e pelas máquinas.

Havia um sentimento de que tudo o que faziam visava um maior conforto às pessoas, mas a cada aparente solução, um problema maior era criado e isso implicava em mais concreto, mais máquinas e menos tempo.

Enquanto no mundo das preocupações se construíam máquinas, nas trilhas as pessoas se voltavam a si mesmas e ao mundo que as rodeava.

A casa que era de Valkíria parecia que estava ocupando os limites entre dois mundos, o caminho visto da trilha que se iniciava no jardim até a entrada da casa estava ficando repleto de buracos, alguns pareciam ter uma profundidade infinita e a casa antes majestosa agora parecia estar com muitas rachaduras.

Por outro lado a mesma casa, vista da calçada, no limite do mundo das preocupações parecia estar ficando transparente, perdia a cor, dava a impressão de que lentamente estava desaparecendo.

As pessoas que a freqüentavam tinham a percepção de que em um espaço de tempo muito curto teriam que optar entre seguir a trilha ou ficarem no mundo das preocupações.

O tempo estava transcorrendo de forma diferenciada, um paradoxo estava se materializando. Enquanto nas trilhas o mundo se envolvia fazendo com que o tempo passasse lentamente, no mundo das preocupações tudo se des-envolvia e isso fazia com que o tempo transcorresse cada vez mais rapidamente.

Na linha que ligava a casa que era de Valkíria à Casa do Gramado se encontrava o limite entre os dois mundos que estavam se formando, era o ponto que os cientistas no mundo das preocupações estavam procurando, sem conseguirem qualquer resultado.

Eles não tinham percebido que esse ponto não estava em um lugar e sim no tempo, estava no limite entre dois tempos.

As pessoas que freqüentavam a casa que era de Valkíria decidiram se dividir, uma parte deles seguiria a trilha que na entrada do jardim já estava se transformando em uma densa floresta, que em um breve tempo seria impossível de ser transposta, os demais ficariam no mundo das preocupações.

Achavam que o que tinham aprendido no breve espaço de tempo que perdurou de quando a casa foi restaurada até o momento deveria ser disseminado nos dois mundos.

No momento em que essas pessoas se dividiram para aqueles que estavam nas trilhas o jardim tinha se transformado em uma densa floresta, impossível de ser penetrada, já o mesmo ponto visto através do mundo das preocupações tinha se transformado em uma larga avenida, ladeada pelo concreto que constituía os prédios à sua volta.

O ponto na terra que marcava o caminho de estrelas que ligava a Via Láctea a Andrômeda, que antes era difícil de ser determinado pelos radares, agora tinha desaparecido dos mapas eletrônicos, mas ainda podia ser visto pelas pessoas como um caminho que levava às estrelas, mas agora havia tanta iluminação, mesmo à noite, que esse caminho tinha se tornado uma linha tênue no espaço, que ia até o infinito.

Nas trilhas, na escuridão das noites esse caminho dividia sua luminosidade com a lua quando essa era cheia e, nas outras fases dela esse caminho tinha uma luminosidade ainda mais intensa do que a lua.

No mundo das preocupações, as pessoas que seguiram o caminho das trilhas foram dadas como desaparecidas, mas só aqueles que freqüentavam a casa que era de Valkíria tinham uma leve noção de onde elas estariam e sabiam que dificilmente alguém iria saber o seu paradeiro.

Por um longo tempo a Casa do Gramado e a casa que era de Valkíria ficariam no mundo do esquecimento, mas Valkíria, Franz, as crianças o gramado, as casas, os bichos que lá foram morar, as árvores, tinham a percepção de um dia os mundos uma vez mais se encontrariam.

Eles estavam no limite, onde o espaço se encontra com o tempo.



Nos dias que se seguiram, aqueles que viviam nas trilhas gradualmente esqueceram que um dia chegaram a viver em um outro local, rodeado de muito concreto e tecnologia.

A cada dia a floresta ao redor se tornava mais densa, muitas vezes os caminhos eram tomados por arbustos e quando eram pouco utilizados árvores cresciam por eles, assim tinha se tornado um trabalho constante replantar as árvores e arbustos para que esses não os impedissem de caminhar de um vilarejo a outro.

Da floresta conseguiam retirar o alimento de que necessitavam e os galhos de árvores que eventualmente caiam eram utilizados para construir abrigos, os excessos eram guardado até que secassem, para que quando necessário fossem utilizados em fogueiras.

Havia pouco trabalho a ser realizado, assim as pessoas tinham muito tempo para se voltarem à introspecção, as pessoas gostavam particularmente das noites, quando procuravam alguma clareira para apreciarem o céu estrelado, a lua e o caminho de estrelas que tinha se formado, muitas vezes procuravam o ponto que ligava esse caminho ao local em que viviam, mas esse até então não tinha sido encontrado.

Um problema estava se configurando, perceberam estar constituindo um conhecimento nunca antes experimentado, mas não dispunham de mecanismos para registrá-lo, só podiam contar com a própria memória.



No mundo das preocupações, dado a extinção das parasitas, que sugavam praticamente tudo que era produzido, as tecnologias começaram a se des-envolver rapidamente, entre os benefícios que essas propiciavam, destaca-se a ampliação do tempo de vida das pessoas com as novas terapêuticas que eram desenvolvidas.

As pessoas estavam vivendo mais, quando comparado ao que viviam antes do fenômeno que se iniciou em Trilha dos Desejos, mas as preocupações não se dissiparam, estavam sempre cercados por medos e precauções e isso fazia com que buscassem novas técnicas para atenuar essas preocupações, o que ampliava significativamente a quantidade de informações.

As pessoas se perdiam frente a tantas informações e preocupações, e por mais que se esforçassem não davam conta de absorvê-las, assim, ainda que estivessem vivendo mais, um fenômeno psíquico estava se configurando, tinham a sensação de que o tempo passava cada vez mais rápido, e tudo que criavam envelhecia e se tornava obsoleto rapidamente.

Tinham criado um ciclo vicioso e junto com tudo que criavam envelheciam em velocidade semelhante, tinham achado fórmulas para prolongar o tempo de vida, mas não achavam soluções para terem tempo para viver, ao mesmo tempo que se des-envolviam, estavam vivendo uma cisão com a própria vida.

Os medos e preocupações consumiam a todos.



Nas trilhas esse fenômeno era inverso, aparentemente o tempo transcorria lentamente, os dias e as noites eram longas, a necessidade de informações praticamente tinha cessado e, na pratica elas eram evitadas, devido a dificuldade em registrá-las.

Dado a condição de integração que criaram com o mundo que as rodeava era inaceitável cortar árvores para a confecção de papéis e, os galhos que caiam não eram suficiente para essa prática, assim tudo o que conheciam era transmitido de pessoa a pessoa, habitualmente esse conhecimento era difundido nas noites, enquanto apreciavam o caminho que tinha se formado entre as estrelas.

Ainda que as pessoas estivessem vivendo menos, quando comparado ao tempo em que havia uma ligação com o mundo das preocupações, a impressão que tinham era de que viviam mais, há muito tinham parado de contar o tempo, isso não tinha mais finalidade, ainda que distinguissem o dia da noite, as estações do ano... A contagem dos dias meses e anos tinham perdido a sua finalidade.

Como não tinham preocupações, o medo praticamente não tinha lugar entre as pessoas que viviam nas trilhas, não sabiam ao certo, mas tinham a sensação de que quando a energia de seus corpos se esgotavam a sua essência seguia o caminho traçado pelas estrelas, já o corpo se reintegrava à natureza, para repor a energia que dela retiraram enquanto viviam nas trilhas.



No mundo das preocupações as informações se multiplicavam em velocidade muito além do que as pessoas podiam absorvê-las, haviam abolido o registro delas em papéis, não pela necessidade de preservar árvores, mas pela ineficiência que essa prática representava.

Com os meios eletrônicos de armazenagem e difusão de dados os registros em papéis aos poucos foram desaparecendo, se por um lado isso representava uma qualidade no sentido de degradarem menos o ambiente que os rodeava, por outro, essa nova forma estava apresentando conseqüências.

O tempo estava passando muito rápido e a cada momento milhões de novas informações surgiam, assim tudo ficava na superficialidade, o reflexo estava preponderando à reflexão, as pessoas estavam sem paciência para conversar, aprofundar assuntos e criar coisas novas, era muito mais rápido e eficiente simplesmente buscar um recorte do que se desejava nos meios eletrônicos, nos quais conseguiam facilmente fragmentos de informações, assim, carregados de ideologias e superficiais. 

O tempo passava cada vez mais rápido.



Um comentário:

  1. Um só caminho..A devoção ao ser em mim..que é o teu...Somos Um...♥

    Beijo na alma.

    Marion

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