quinta-feira, 14 de junho de 2012

Esquecidos. - Parte I





Uma Visita Desejada.


A noite já tinha atingido o seu ápice, quando a lua despejava um brilho tênue nos fundos da Casa do Gramado, em frente à varanda a Grande Estrela Azul brilhava mais intensamente que o habitual, mesmo que a lua ocupasse nesse momento a mesma linha do horizonte, ela estaria ofuscada.

O brilho era tão intenso que mais nenhuma estrela podia ser vista no horizonte. O céu estava tomado por um azul intenso.

Repousando na varanda Franz e Valkiria se encontravam em transe, lentamente, com as faces iluminadas, voltadas para a sua estrela, começaram a flutuar, inicialmente pouco acima do chão, no centro da varanda.

Passados uns poucos instantes, totalmente voltados para a grande estrela já flutuavam alguns metros acima da casa e continuavam se elevando, agora já acima das grandes árvores que envolviam a Casa do Gramado, nos fundos, a lua ofuscada se assemelhava a uma leve sombra.

A Grande Estrela Azul tinha atingido o ponto mais próximo possível dessa imensa galáxia, se chegasse mais próxima poderia causar um grande desequilíbrio.

Valkíria e Franz nesse momento brilhavam intensamente, se fosse possível vê-los, agora se assemelhariam a uma pequena estrela, com um brilho intenso, mas próximos demais para serem um estrela.

Estavam muito acima das grandes árvores, mas nos limites da atmosfera do planeta, refletiam tão somente a luz da grande estrela.

Na manhã seguinte os jornais no Mundo dos Preocupados iriam noticiar que durante a noite possivelmente o que muitos tinham presenciado tinha sido uma super-nova, uma estrela que tinha se extinguido há muitos anos e que naquele momento os últimos raios de luz provenientes dela tinham atingido da Terra.

Durante esse espetáculo, alguns também presenciaram um fragmento, provavelmente algum meteoro que atravessou a atmosfera, ainda antes que o dia raiasse os preocupados estariam procurando por esse meteoro, que tinham a quase certeza de que ele tinha caído no planeta.

Enquanto a Grande Estrela brilhava Valkíria e Franz permaneceram intensamente entrelaçados, como raios de luz seus corpos se fundiam, mesclando-se com a luz proveniente de sua estrela.







Diferente do habitual no dia seguinte Valkíria e Franz, quando saíram do transe, ou aquilo que muitos chamam do estado de sonolência, o sol já brilhava intensamente, na Casa do Gramado o dia estava especialmente agradável.

O orvalho presente no gramado já tinha secado e o silêncio ocupava todos os espaços, o que sempre fez parte do cotidiano.

Todos que habitam a Casa do Gramado: Franz, Valkíria, os bichos, a Casa, o gramado, as árvores, e os muitos seres encantados que lá vivem; prezam muito o silêncio, é ele que permite que todos possam ouvir o próprio coração, e tudo que o mundo que nos rodeia tem a nos dizer.

Nesse dia tão especial algo diferente veio ocupar o centro da Casa do Gramado.

Como tudo que nos é dado vem das estrelas, e sendo partes delas não trouxe nenhum estranhamento maior aos que lá vivem.

Em frente à porta da casa, ainda envoltos por uma intensa luz azulada, a irmã de Valkíria e o irmão menor, um bebe ainda, estavam abraçados, dormindo profundamente.

Com saudades, Franz e Valkíria se juntaram a eles, e uma tênue luz azul começou a se desprender dos menores, vindo a envolver os quatro, logo eles despertariam, há muito que os menores tinham achado um caminho para retornar à sua estrela, e Valkíria tinha ficado à espera de Franz, que naquele tempo ainda vagava entre o mundo dos preocupados e a Casa do Gramado.

As visitas eram especialmente bem vindas por tudo que envolvia esse mundo de encantos, mas nos entornos externos da floresta muitos preocupados já se aglomeravam. A trilha tinha se fechado, e eles buscavam freneticamente por alguma brecha para poder adentrar a floresta, sabiam que aquilo que achavam ser um meteoro tinha caído em algum lugar no interior dela.

Esse seria o último amanhecer, ao menos nessa época, da Casa do Gramado nessa parte do Universo.






Quando o sol ocupava o centro do céu, primeiro Valkíria e na seqüência Franz acordaram, seguidos pelos dois menores, ainda sonolentos, eles estavam cansados pela longa viagem.

Decorridos uns poucos instantes os menores já estavam brincando no gramado, e como era hábito Franz e Valkíria os observavam, não como crianças menores que precisam de cuidados, mas com a ternura que é peculiar àqueles que estão envolvidos.

Quando o sol já não ocupava mais o centro do céu e começava a descer na linha do horizonte, os menores se dirigiram à trilha, que se abria à frente da varanda da casa, Valkíria e Franz os acompanharam.

Diferente do silêncio habitual de quando andavam pela trilha, que nesse momento só estava aberta àqueles que habitavam a Casa do Gramado, além dos passos resvalando o chão, ao longe conseguiam ouvir vozes.

Eram os preocupados, que no outro extremo da floresta buscavam por um caminho, para poderem entrar nela.

A trilha estava interrompida na altura da bifurcação, ela não continuava até o mundo dos Preocupados, caminho muitas vezes percorrido por Franz.

Franz se lembrou das muitas vezes que pensou em entrar na bifurcação, mas sempre que se dava conta já tinha passado do local, ou esquecido, ou ainda a bifurcação se encontrava fechada.

Dessa vez o caminho estava livre, como se estivesse chamando por eles.

Depois de uns poucos passos chegaram a uma pequena clareira, no centro dela, quatro pedras de diferentes tamanhos pareciam estar repousando.

Em um passado recente elas deviam estar coberta por musgo, mas agora refletiam uma leve luz azulada.

Valkíria, Franz e os menores se agruparam entre elas, ao longe, agora, as vozes dos Preocupados soavam mais altas.

As pedras estavam levemente aquecidas, trazendo a eles uma sensação de aconchego, de bem estar.

Pouco mais ao longe as árvores pareciam maiores do que jamais foram, ainda grandes arbustos fechavam totalmente a passagem, nem a luz do sol conseguia atravessar, só uma pequena fresta, deixava visível a casa e o gramado.

Os bichos e os muitos seres encantados, que habitavam a floresta, nitidamente incomodados pelas vozes dos preocupados que ressoavam ao longe começaram a se aglomerar no gramado ao redor da casa e na varanda.

Não demoraria e a noite começaria a derramar a sua luz sobre a Casa do Gramado.










À medida que anoitecia, com o aproximar da escuridão da noite, a luz proveniente das pedras se tornava mais intensa.

Ao longe, as vozes dos preocupados buscando por um caminho também diminuíam a intensidade, eles estavam cansados, e começavam a buscar por um lugar para passarem a noite, mas com a intenção de ao amanhecer voltarem à procura do que achavam ser meteoros que tinham caído na floresta.

Antes mesmo do anoitecer a Grande Estrela Azul despejava a sua luz na floresta, a lua, ainda que fosse cheia, estava ofuscada, essa era a primeira vez que os preocupados puderam presenciar essa luz tão intensa, mas estavam tão imersos em suas intenções que poucos se deram conta que a noite seria mais clara que o habitual.

A luz azul se refletia especialmente em cima das pedras onde Franz, Valkíria e seus irmãos tinham se alojado.

À medida que ela se tornava mais intensa, os quatro, entrelaçados começaram a flutuar, inicialmente uns poucos metros acima das pedras.

Na posição que agora se encontravam, a luz que fluía através deles se espalhava em um círculo que ocupava toda a pequena clareira.

Quando começaram a flutuar pouco acima das grandes árvores da floresta, o círculo de luz abaixo deles foi se expandindo até os limites do gramado que circundava a casa.

Valkíria, Franz, os menores, os animais, os seres encantados e tudo o mais que compunha a Casa do Gramado, agora se encontravam em profundo transe, todos imersos pela luz azul da grande estrela.

A Casa do Gramado e seus arredores passaram a flutuar e a se erguer lentamente, vindo a ocupar posições cada vez mais altas na atmosfera, esse mundo encantado estava totalmente envolto pela luz azul.

Ao atingir os limites da atmosfera do planeta, lentamente Valkíria, Franz e os menores desceram até a varanda da casa, dois cães que estavam entre os bichos que se aninharam na varanda, um pequeno, todo branco; e o outro grande, cinza-escuro tendendo ao preto, se aninharam entre eles, ainda que em transe, estavam levemente despertos, gostavam muito de partilhar a companhia deles.

Todos teriam uma longa noite de sonhos, a Casa do Gramado, com todos os fragmentos que um dia tinham se desprendido da Grande Estrela Azul, estavam iniciando uma longa viagem ao seu lugar de origem.

Quando amanheceu depois de muito trabalho, os preocupados conseguiram abrir um tênue caminho na floresta, mas tudo o que encontraram foi uma floresta, com a maior riqueza que todos podiam desfrutar: Vida.







Lentamente a Casa do Gramado e seus arredores, toda envolta pela luz proveniente da Grande Estrela Azul foi se afastando do planeta, em direção às profundezas do Universo.

Despertos, mas levemente em transe, Franz e Valkíria foram caminhar pelo seu mundo de encantos. No gramado muitos animais dormiam profundamente e não eram incomodados pelo andar silencioso deles, só os dois cachorros quiseram acompanhá-los.

Só alguns seres alados despertaram levemente, mas preferiram voltar a dormir.

No horizonte a estrela de luz amarela brilhava intensamente, entre o ponto no espaço que agora ocupavam e a estrela, flutuava um grande planeta azul, que fora a morada de todos que habitam a Casa do Gramado por um tempo infindável, muito antes de os preocupados terem nascido.

O planeta azul, ao seu modo, também não deixava de ser a morada daqueles que vivem na Casa do Gramado.

Gradativamente se afastavam, agora o planeta azul só podia ser visto como um minúsculo ponto brilhante, muito distante, breve a estrela de luz amarela também seria só mais um ponto de brilho tênue, quando o planeta não mais pudesse ser visto.

Franz e Valkíria agora flutuavam sobre a trilha, que no momento circundava todos os cantos da floresta que envolvia a casa, no caminho encontraram muitos outros bichos e seres alados adormecidos, que gentilmente foram despertados e convidados para se juntarem aos demais que estavam no gramado e na varanda.






O gramado e a varanda ficaram repletos com seres de várias espécies que vieram acompanhando Franz e Valkíria de sua caminhada pela trilha, e aqueles que já estavam por lá gentilmente abriram espaço para que eles se aglutinassem e partilhassem os espaços.

Praticamente nem chegaram a despertar, as visitas foram muito bem vindas, dado o movimento aqueles que já estavam em volta da casa desfrutavam um sono leve, enquanto os que chegavam aos poucos, estavam muito sonolentos, mas tentavam encontrar um espaço, sem no entanto despertar aqueles que dormiam.

Quando todos estavam acomodados Franz e Valkíria lentamente e em silêncio desceram de seu flutuar e se acomodaram no banco de madeira que ocupava a varanda.

Depois de um leve balbuciar o pequeno cachorro branco com pelos longos, buscou um lugar para se acomodar no colo de Valkíria, o outro maior se aninhou ao lado de Franz, parecia que seu tamanho tinha diminuído, ainda que a temperatura fosse agradável ele tinha se encolhido e enrolado-se sobre si mesmo, como costumam fazer quando sentem frio.

Entre aqueles que vieram da trilha estavam os irmãos menores de Valkíria, eles tinham ficado na pequena clareira onde se encontravam as quatro pedras, que em um tempo longínquo tinham se alojado nos arredores da Casa do Gramado.

Eles também queriam partilhar o mesmo espaço em que Franz e Valkíria se encontravam. O banco que habitualmente só tinha espaço para duas pessoas, gentilmente ampliou o seu tamanho para que os seis se aninhassem nele.






Aos poucos todos foram tomados por um sono profundo e uma leve luz azul tênue começou a brotar primeiro dos que se encontravam mais distantes da casa, no gramado, praticamente no limite com as grandes árvores que o circundava.

Das árvores também passou a fluir a mesma luz azulada que se juntava à luz daqueles que estavam nos limites do gramado, à medida que a luz se aproximava do centro do gramado ela se tornava mais intensa e entrelaçava a todos, formando uma espiral.

Na varanda em poucos momentos estaria se formando o centro da espiral, em uma posição muito acima das grandes árvores.

A energia que fluía era tão intensa que aqueles que dormiam em frente à varanda praticamente não mais tocavam o chão abaixo deles, estavam flutuando rente ao gramado.

Na varanda o brilho era tão intenso que ofuscava totalmente as estrelas, aos poucos os irmãos menores de Valkíria começaram a levitar, ao se desprenderem do banco onde dormiam com Franz e Valkíria, os cães atentos levantaram as orelhas e emitiram um leve som que lhes é peculiar.

Com o leve som Valkíria despertou brandamente e estendeu as mãos vindo a acarinhá-los e assim os acalmou.

Atrás dos menores Valkíria, seguida de Franz, adormecidos profundamente passaram a flutuar pouco abaixo dos menores, mas agora muito acima das grandes árvores.

Eles estavam no centro da espiral, no banco, os dois cães também emanando a mesma luz dos demais se entrelaçaram, do gramado uma companheira muito desejada veio se aninhar entre eles, que entre todos eram os que tinham o sono mais leve.

Mesmo dormindo pareciam atentos a Valkíria e Franz flutuando acima das grandes árvores.

Todos partilhavam o mesmo sonho.

A Casa do Gramado não mais estava flutuando a caminho da grande Estrela Azul, lentamente estava mudando o seu rumo para um mundo distante.





Turbulência.

Eles estavam se dirigindo a uma região tomada pela turbulência, uma galáxia ainda em formação.

Não fosse a luz azul que envolvia a Casa do Gramado, todo esse mundo mágico teria a sua existência como tal comprometida.

Em um dos extremos desse novo mundo em formação, um pequeno planeta estava atraindo a Casa do Gramado, um lugar em que as lembranças estavam se perdendo nessa parte do Universo.

Após atravessar a parte mais densa dessa parte da galáxia, a luz proveniente da Grande Estrela Azul não mais podia chegar à Casa do Gramado, a poeira desse lugar em formação impedia a passagem a luz vinda dela.

A Casa do Gramado só ficou envolta por uma tênue luz azul, vinda daqueles que em seus arredores: no gramado, na varanda e das próprias árvores. Aos poucos entrou em órbita do pequeno planeta e lentamente desceu sobre ele.

Era noite no local onde veio ocupar, se não estivessem em sono profundo, nos céus, poderiam ver o reflexo das luzes das estrelas na poeira que envolvia o planeta.

Lentamente Franz, Valkíria e os menores também tomados pelo sono desceram ao banco que ocupava a varanda, os dois cachorros que lá dormiam abriram espaço para eles, o ser alado que os estava acarinhando também se acomodou entre eles, estava protegendo os sonhos de todos.

Em poucas horas estaria amanhecendo.





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