sábado, 2 de junho de 2012

O Silêncio.



Entre os possíveis sinônimos da Casa do Gramado se destaca o silêncio, e esse se torna predominante nos momentos em que a Grande Estrela Azul ilumina do centro da clareira onde se encontra a casa.

Na contagem dos preocupados esse momento não dura mais que um instante, mas para Valkíria e tudo que se desprendeu da grande estrela nesse instante o tempo deixa de existir.

Quando vivia entre os preocupados Franz tinha dificuldades em compreender o que ocorria, era o momento em que os ponteiros de seu relógio ficavam estagnados, várias vezes ele achou que as pilhas tinham se esgotado, ou que algum mecanismo tinha deixado de funcionar.

Nessas ocasiões ele ia até a janela de seu pequeno apartamento, mas sempre se deparava com o vazio, pela manhã, quando o sol começava a iluminar o seu minúsculo quarto, tinha a impressão de que tudo não tinha passado de um sonho e, ao defrontar com o relógio, via que esse funcionava normalmente, sendo que invariavelmente já tinha perdido a hora.

Os preocupados sempre conseguiram criar termos curiosos, como alguém poderia perder a hora, eles tinham imensa dificuldade em lidar com qualquer coisa que não conhecessem, assim criaram o termo designando o tempo como se fosse algo palpável, algo que se pudesse perder.

No mundo dos preocupados, a única possibilidade do tempo era obedecer uma ordem cronológica, algo que se repete em ciclos, e quando algo rompesse esse ciclo, denominavam esse fenômeno de perda, a perda do tempo, perda da hora.

Também tinham dificuldade em notar que seu próprio funcionamento psíquico não obedecia essa ordem cronológica com a qual designaram o tempo.

Ainda que sentissem que o antes, o agora e o depois pudessem ocorrer simultaneamente, reprimiam esse pensamento e quando não conseguiam deixar que essa descontinuidade fluísse no que eles chamavam de sonhos, invariavelmente acabavam por adoecer.

Os preocupados destinavam parte significativa daquilo que achavam ser o tempo para classificar coisas, inclusive eles próprios, entre essas, se classificavam como crianças, depois adolescentes e finalmente adultos, nessa ordem. Sendo que ao atingir uma determinada fase de sua existência a anterior invariavelmente sucumbia.

Felizmente para a maioria, pelo menos nos sonhos o rompimento dessa ordem cronológica se efetivava e assim, aqueles que se denominavam adultos podiam vivenciar a criança e o adolescente que neles estavam embutidos, evitando assim, o sofrimento que a cisão que eles mesmos criaram provocava.

Se um dia os preocupados conseguissem interagir com a Casa do Gramado, notariam que ela havia se desprendido da Grande Estrela Azul há bilhões de anos, na contagem deles.

Ainda que nessa contagem a luz que agora iluminava a clareira alimentando Valkíria datasse de bilhões de anos atrás, não deixava de estar ocorrendo nesse momento, como continuaria a ocorrer nos bilhões de anos que ainda estariam por vir. A luz que emana das estrelas nunca deixa de existir.

Para Valkíria a maioria das classificações dos preocupados não tinham qualquer significado, quem a olhasse se alimentando de sua estrela teria a impressão de se defrontar com uma mulher, no conceito deles uma adulta, mas nela não deixava de estar contida a criança que muitas vezes brincou com Franz no gramado, a jovem que fazia companhia aos irmãos menores e muitas vezes ao próprio Franz, uma mulher já idosa que quando viveu entre os preocupados ensinava crianças e ajudou a preservar um conhecimento que viria a ajudar os preocupados adoecidos pelas divisões que eles mesmos criaram, mas que ela sabia que esse conhecimento só poderia ser difundido muito depois de ela ter partilhado aquela existência junto a eles.



- O que?

- Ah! O silêncio...

- Um outro dia Valkíria me ajuda a falar algo sobre ele.


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