quinta-feira, 7 de julho de 2011

Essência: Um caminho para as estrelas - Parte IV



Os diálogos entre as pessoas estavam se tornando raros, os mais novos praticamente não conversavam mais, normalmente a presença ou um simples olhar já continham todos os significados necessários, não havia um entendimento ainda do que estava ocorrendo, mas aos poucos parecia que a comunicação não estava mais necessitando das falas.

Somos movidos pelos sentimentos, primeiro as pessoas sentem e só depois transformam esses sentimentos em atitudes e, as palavras não deixam de ser um tipo de atitude.

À medida que os sentimentos ocupavam partes mais significativas do psiquismo, menos as pessoas necessitavam das palavras para se comunicarem.

Esse evento se potencializava especialmente durante a noite, enquanto apreciavam o brilho das estrelas e, especialmente nos sonhos que ocorriam durante o sono.

Havia alguma relação entre o brilho dos céus que agora atingia o alto das árvores e essa comunicação que estava ocorrendo com todos, inclusive os seres inanimados.

As pessoas não mais sentiam a necessidade de ficarem mudando de vilarejos para conhecerem novas formas de ser, sentir e agir, quando habitavam o mundo dos sonhos um número maior de seres ficavam conectados, quando isso ocorria a energia entre eles se ampliavam significativamente e, a partir de um determinado potencial essa energia escapava, e seguia o caminho formado pelo corredor de estrelas.

Não era só a população que estava diminuindo, nesse ritual aqueles que se encontravam conectados é que seguiam o caminho formado pelas estrelas e, alguns ficavam ao redor do planeta esses estavam criando um campo de força em seu redor moldando-o, para que nele a vida proliferasse, independente o grande evento que estava por vir.



Quando à noite ficavam apreciando as luzes do céu as pessoas tinham o hábito de ficarem muito próximas, umas às outras, nesse ritual era comum outros seres também se aproximarem e partilharem os mesmos espaços que as pessoas.

Olhando-se de longe todos: pessoas, animais, plantas e mesmo as pedras pareciam ser um só integrados, somos todos, quer os seres animados ou inanimados, poeira de estrelas, a energia e a matéria da qual somos compostos é a mesma que compõe as estrelas.

À medida que o grau de integração entre os seres se ampliava, mais as luzes provenientes das estrelas se aproximava deles, formando um campo de luz que envolvia todo o planeta.

A vida não é um componente individual de cada ser, nenhum ser desse planeta poderia sobreviver não fosse a vida que prolifera do próprio planeta e do Universo, não somos seres isolados, destacados dos demais, somos parte de um todo, um Universo infinito, vivo, pulsante.

No mundo antigo, quando as trilhas ainda estavam ligadas ao mundo das preocupações, à medida que as pessoas arrancavam das entranhas das Terra a sua essência, o planeta estava adoecendo e, junto com ele todos os seres igualmente adoeciam.

Não tivesse ocorrido a ruptura entre o mundo das preocupações e o mundo das trilhas, o planeta acabaria por adoecer até que viesse a sucumbir.

Para que conseguissem sobreviver as pessoas no mundo das preocupações usaram a sua tecnologia para se lançarem às estrelas, assim conseguiram subtrair de outros mundos a essência para alimentar seu mundo repleto de tecnologias, máquinas e concreto, mas ainda que tomassem cuidados para preservar o que os rodeava, para não repetirem o mau que as parasitas tinham produzido ao próprio mundo que habitavam, ainda assim estavam espalhando a doença que estava presente neles, na medida em que a maior parte do que subtraiam dos mundos servia mais para alimentar a própria tecnologia que eles criaram do que a eles propriamente ditos.

Um aprendizado que tinha se tornado muito claro no mundo das trilhas é que muitas vezes a sabedoria reside justamente no não fazer, esse era um saber incompreensível para aqueles que viviam  no mundo das preocupações.



O planeta estava por adormecer, por muito tempo ia deixar de ver a luz do sol, lentamente começou a sair de sua órbita em direção ao caminho formado pelas estrelas, tinha chegado o seu tempo.

Todos: as plantas, os animais e as poucas pessoas que não se transformaram em luz iram passar por uma longa noite de sono, após uma brisa fria que percorreu todo o planeta.

Aqueles que eram dotados de animação se juntaram em pequenos grupos para partilharem o próprio calor, os arbustos e as árvores se fecharam, envolvendo os pequenos grupos de seres que dormiam.

A luz que envolvia o planeta passava suavemente pelos galhos das árvores e iluminava  brandamente a face daqueles que com sono adormeciam profundamente.

Todos precisavam de longos e coloridos sonhos, a viagem que fariam necessitava que estivessem em estado de inanição, transbordando sua vida no mundo que pertencia aos sonhos.

A luz que os envolvia carinhosamente fornecia a energia necessária para que o sonho perdurasse por milênios, da contagem de tempo que aqueles que habitavam o mundo das preocupações conheciam, há muito aqueles que viviam nas trilhas tinham deixado de se ocuparem com essa contagem, tinham coisas mais importantes a serem feitas.

O planeta iniciava sua longa viagem lentamente, precisa aumentar a sua velocidade gradualmente, para que sua estrutura e essência não fossem comprometidos.

Depois de um ano de viagem o sol que desde o início de sua existência tinha proporcionado a luz e energia necessária à manutenção da magia da vida, no horizonte se parecia com uma estrela de grandes proporções, sua luz já não era suficiente para iluminar a face o planeta.

A branda luz que o envolvia era proveniente daqueles que à noite se projetaram ao espaço enquanto apreciavam as estrelas no céu, mas que optaram por ficar envolvendo o planeta para garantir a energia necessária à manutenção de sua vida.

Aqueles que se projetaram aos céus seguindo o caminho das estrelas estavam à procura de um lugar, sinalizando o caminho para aqueles que envolviam e transportavam o planeta, onde pudessem se fixar para novamente proliferarem a vida.

Aumentando gradualmente a velocidade seguiam em direção ao centro da galáxia quando já em velocidade muito superior à da luz se lançariam no buraco negro através do qual poderiam ser projetados a uma galáxia que ainda estava para se formar e encontrar uma estrela semelhante ao sol que pudesse gentilmente fornecer sua luz e energia para que esse planeta vivo proliferasse a sua essência: a vida.



Quando o planeta se encontrava nos limites em que seu sol ainda exercia atração sobre ele, sutis transformações começaram a se suceder em todo o sistema do qual fazia parte.

As órbitas de todos os astros que compunham o sistema se alterava à medida que o planeta se afastava, muitos desses astros, todos sem vida exerciam um equilíbrio a todo o sistema que fora quebrado. 

Outros planetas de outros sistemas também estavam sendo transportados através do caminho formado pelas estrelas, seguiam um caminho semelhante ao qual o mundo das trilhas estava inserido, eram os planetas das duas galáxias que estavam em rota de colisão providos de vida, as transformações pelas quais as galáxias estavam passando provocariam a extinção de muitas formas de vida que nelas proliferavam, assim esses planetas estavam sendo levados a locais distantes, uma nova galáxia com atividades menos intensas, que não comprometessem a magia da vida que nelas se espalhavam.

Um novo mundo estava surgindo com o choque das galáxias, isso faria com que a vida fervilhasse em patamares não antes imaginado.

Cada planeta que saia de sua órbita carregando a preciosa vida que neles fervilhavam, provocavam transformações em seus sistemas que como conseqüência estavam acelerando o encontro das duas galáxias.

O campo gravitacional que unia os centros das galáxias formaram um túnel por onde esses planetas poderiam escapar para extremos distantes do Universo, onde sua vida continuaria evoluindo.

Entre os primeiros que se projetaram às estrelas alguns preferiram não seguir naquele momento o caminho formado pelas estrelas, esses estavam à busca de outros que tinham chegado às estrelas ainda em sua forma material, que não sobreviveriam quando o choque ocorresse.



Uma fila de planetas em estado de hibernação seguia o caminho formado pelas estrelas, envoltos por uma branda luz com energia o suficiente para manter a sua estrutura e protegê-los, enquanto seus habitantes estivessem em sono profundo.

Ainda que aparentemente todos estivessem com sua vida em estado inerte, o psiquismo daqueles que ficaram na superfície dos planetas mantendo seu estado material fervilhava através dos sonhos.

É nos sonhos que esses encontravam a energia que mantinha a sua vida, a energia que vinha das estrelas, é nos sonhos que eles podiam tomar contato com a sua própria essência.

Aqueles que nos sonhos se entrelaçaram conseguiam energia suficiente para se projetarem até as estrelas viviam agora em um estado intermediário entre o sono e o sonho, como se sonhassem acordados.

É nos sonhos que os desejos vêm à tona, trazendo a essência que mantém a vida à tona, a matéria e a energia presente nos sonhos é alimentada pela energia proveniente das estrelas. Somos todos poeira de estrelas.

Valkíria, Franz, os irmãos de Valkíria, a casa que Valkíria habitou quando ainda viviam no mundo das preocupações, a Casa do Gramado, e tudo que as envolviam foram os primeiros a se projetarem ao espaço quando o mundo das preocupações e o mundo das trilhas ainda não tinham cindido.

Quando as galáxias entraram em rota de colisão a energia proveniente do centro delas fez com que o mundo das preocupações se separasse do mundo das trilhas, criando um túnel no espaço tempo pelo qual Valkíria e tudo que com ela estava envolto se projetassem ao espaço iluminando o caminho a ser seguido para preservar a preciosa vida.

Aqueles que habitavam o mundo das preocupações achavam que retirando o que Universo produzia conseguiriam energia e tecnologia suficiente para sobreviverem no espaço e até se lançarem para além das galáxias caso elas se tornassem extremamente instáveis.

Assim construíam naves e bases cada vez maiores, mas estavam tão obcecados pelas suas tecnologias que não mais dormiam, tinham achado caminhos  nos quais o sono podia ser evitado.

Só que assim também não mais sonhavam e, cada vez mais se afastavam de sua própria essência. Havia uma limitação física eram filhos da própria galáxia, assim não havia a possibilidade de escaparem de seu campo gravitacional e energético.

Enquanto não se voltassem à sua essência não haveria a possibilidade  de encontrarem os caminhos de fuga das galáxias que se chocariam e, assim seriam reintegrados às estrelas sem a possibilidade de darem continuidade ao seu processo de evolução em uma nova galáxia que estava em processo de formação.

A essência é o próprio Universo do qual somos parte.



Aqueles que habitavam o mundo das preocupações praticamente tinham deixado seu planeta de origem deserto, eles estavam habitando suas muitas bases espalhadas pelas galáxia, ou estavam vagando em suas espaçonaves.

Tinham localizado vários planetas que poderiam sustentar a vida, mas em nenhum deles tinham encontrado vida semelhante a eles próprios, começavam a ter a impressão de que eram únicos no Universo, ou pelo menos na galáxia.

Há muito já tinham percebido que a galáxia que habitavam estava em rota de colisão com a sua vizinha, maior em quantidade de estrelas e mais extensa.

Esperavam por mudanças significativas no espaço em que viviam, mas ainda não tinham noção da dimensão dessas transformações.

Perceberam que muitos dos sistemas solares que conheciam estavam entrando com colapso, à medida que o caminho formado pelas estrelas unindo as galáxias se tornava mais brilhante.

Com a sua tecnologia tinham conseguido chegar aos confins da galáxia, mas não conseguiam ir além dela, achavam que assim distante conseguiriam estar seguros, o que amenizava as suas preocupações, mas estavam enganados.

À medida que os sistemas solares entravam em colapso, a velocidade de aproximação das galáxias aumentava, isso levou-os à decisão de levar suas bases e espaçonaves aos extremos da galáxia, abandonando as regiões que acreditavam estar sujeitas a maiores tempestades.

Nesse sentido os poucos que ainda viviam no planeta começaram a se instalar nas bases e espaçonaves para a longa jornada que os aguardavam.

Achavam que tinham que se afastar do caminho formado pelas estrelas, até então todas as espaçonaves que tinham se aproximado desse caminho tinham sido severamente danificadas.

Lá o campo gravitacional é muito intenso, ao mesmo tempo que tinham grande curiosidade em entender e seguir esse caminho, tentavam com seus próprios recursos e resistiam ao seu campo gravitacional, pois preocupavam-se com o desconhecido e, isso sempre acabava por danificar suas espaçonaves.

Aqueles que habitavam o mundo das preocupações tinham sérias dificuldades em entender que muitas vezes o não fazer as coisas era a alternativa mais sábia, se simplesmente se permitissem deslizar pelo caminho das estrelas nada aconteceria às suas espaçonaves.

Quando a primeira de suas bases começava a se deslocar para uma das extremidades da galáxia, um pequeno raio de luz proveniente do caminho das estrelas se projetou a ela, deixando-a inerte, vagando no espaço.



Na ponte de comando, sem sucessos tentavam obter relatórios sobre o que estava acontecendo, era uma característica do mundo das preocupações, tudo tinha que ser relatado, ainda que muitas vezes parte significativa desses relatórios nunca eram lidos.

No mundo das preocupações, à medida que as preocupações aumentavam mais e mais relatórios eram feitos e, a cada dia se tornavam mais técnicos, o que implicava em cada vez mais formarem especialistas que pudessem traduzir os termos técnicos para que as demais pessoas pudessem entender o que os relatórios diziam.

Como os computadores não estavam funcionando e, há muito o uso de papéis tinha sido abdicado, as informações de que dispunham tinham que ser transmitidas verbalmente, isso dificultava em muito para que essas informações chegassem à ponte de comando, uma vez que os dados sempre eram técnicos demais e em quantidades muito maiores do que aqueles que as traduziam para uma linguagem que pudessem ser entendidas, fossem retidas em suas memórias.

Uma coisa era certa e de conhecimento de todos que habitavam a base, com os sistemas inoperantes, tinham só umas poucas horas de vida, até que o ar se tornasse irrespirável.

Outra dificuldade é que dispunham de umas poucas lanternas para poderem iluminar os caminhos, estavam mergulhados em uma profunda escuridão.

Quando estavam decididos a começar a destinar a sua tripulação para as unidades de sobrevivência, pequenas cápsulas que seriam lançadas ao espaço em busca de um planeta que pudesse sustentar a vida, enquanto permaneciam em estado de hibernação, o sistema vital, responsável pela sustentação da vida na base começou a dar sinais de voltar à operacionalidade.

Só que até então ninguém tinha noção nem dos problemas que estavam ocorrendo na base e nem do que tinha provocado o colapso.

O último registro que tinham, era de um pequeno raio de luz, proveniente do caminho formado pelas estrelas, que unia os centros das galáxias, os tinha atingido.

O importante é que ao menos no momento não tinha mais a necessidade de abandonarem a base, pelo menos por enquanto a manutenção da vida na base estava garantida, ainda que os demais sistemas continuassem inoperantes.



Nesse momento, com o perigo eminente da manutenção da vida aparentemente solucionado a prioridade agora era restabelecer pelo menos a comunicação interna.

Não demorou para que os técnicos percebessem que se os sistemas de manutenção da vida estavam funcionando é por que havia energia na base, mas a energia que a base consumia era obtida dos motores e esses continuavam inoperantes, assim não tinha sentido, a única explicação que justificava é que a energia que estava mantendo o sistema vital vinha do exterior da base, e isso não tinha sentido, ao menos pelo que até então era conhecido.

Ainda que não conseguissem explicações sobre o que estava acontecendo, a energia que estava alimentando o sistema vital era excedente, assim, conseguiram desviar parte dessa energia excedente para os sistemas de comunicação e, ainda tinham o suficiente para iluminar ao menos parcialmente a base, por precaução estavam usando só que era essencial, não sabiam nem quanto nem a procedência da energia que os estava suprindo.

Ainda impotentes, pois mesmo com as comunicações e alguma iluminação, não conseguiam fazer os motores funcionarem, mas aos poucos conseguiam progressos, pois tinham a possibilidade de fazer com que os sistemas de dados da base voltassem à operacionalidade, mas tinham receio, uma vez que esses sistemas consumiam muita energia, assim restabeleceram apenas uma parte dele.

A primeira coisa que buscaram foi tentar entender o que os levou à situação de inoperabilidade, o último registro de que dispunham era de um raio de luz proveniente do caminho das estrelas os tinham atingido, esse raio tinha atravessado o campo de força que envolvia a base como se ele não existisse e, ainda que não tivesse provocado nenhum dano aparente, tinha deixado a base à deriva.

À medida que restabeleciam a base de dados percebiam que algo não fazia sentido, a capacidade de armazenar informações tinha sida aumentada a patamares jamais imaginados, mas estava praticamente tudo ocupado e, estavam tendo dificuldades em interpretar esses dados que surgiram aparentemente do nada.

A única explicação possível é que o raio de luz que os tinha atingido estava dentro dessa base de dados.

Os técnicos dessa área da engenharia da base trabalhavam incessantemente, precisavam fazer os motores voltarem a funcionar e, assim, retomarem o seu comando.

Inesperadamente um raio de luz se projetou de um dos computadores e se materializou na frente dos técnicos, tinha a forma humana, mas parecia transparente, irradiava uma branda luz e começou a interagir com todos os sistemas da base, nesse momento praticamente ignorava as pessoas que ali trabalhavam, só desviava delas quando estavam em seu caminho, aos poucos todos os sistemas da base foram restabelecidos exceto os motores.

O comandante foi chamado e em poucos minutos estava em frente a esse novo “tripulante”.

Curiosa essa hierarquia e sentido de propriedade que as pessoas do mundo das preocupações necessitam e, o sentimento de impotência que os atingem quando se sentem desprovidos do poder que a hierarquia e a posse enganosamente lhes proporciona.

Ao chegar à engenharia o comandante se dirigiu à forma luminosa com aparência humana, perguntando quem era e quem o tinha mandado para lá, exigindo que lhe fosse restabelecido a sua base, mas foi ignorado como todos os demais.

Esse novo “tripulante” continuou a interagir com os sistemas da base, um dos técnicos interrompeu o capitão dizendo que os sistemas estavam sendo restabelecidos e, aparentemente com uma eficácia até então desconhecida.



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